quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

NO TEMPO DO CINEMASCOPE

Por André Setaro
Em 1953, a Fox, temerosa da concorrência da televisão, que fechou metade das salas exibidoras dos Estados Unidos, lançou, com grande marketing, o formato CinemaScope e som estereofônico, ainda que já tivesse sido descoberto décadas antes pelo francês Henry Chrétien. O primeiro filme em CinemaScope foi O manto sagrado (The robe), de Henry Koster, com Richard Burton e Jean Simmons. Conta-se do espanto dos espectadores quando Burton, a recitar teatralmente, anda do lado direito para o esquerdo da tela com a sua voz se deslocando (era o processo estereofônico). Nos primeiros filmes em CinemaScope, a predominância era dos planos gerais, geralmente ambientes amplos e repletos de personagens. Os filmes eram mais paisagísticos do que introspectivos.
Quem trouxe o ser humano e os closes ups intensos para o CinemaScope, revolucionando-o, foi George Cukor em Nasce uma estrela (A star is born, 1955), com Judy Garland e James Mason. Mas não se poderia deixar de citar Aconteceu em Veneza Sait-on jamais...), de Roger Vadim, com aquele close fascinante dos olhos de Françoise Arnoul a tomar conta de todo o espaço da tela. Exibindo O manto sagrado na sua grade de programação, o Telecine Cult, há alguns anos, teve o acinte de apresentá-lo na abominável tela cheia, full screen, destruindo todas as composições de enquadramento desse filme pioneiro, ainda que superado e velho, datado.
De cult, The robe não tem nada. Mas, a Paramount, para entrar na concorrência, inventou o Vistavision, cujo formato é menos largo do que o CinemaScope. (O Telecine, que se diz cult, está, agora, a exibir Satyricon, de Fellini, em horrenda tela cheia).
alguns dias, programei o sábado à tarde para ver Viva Maria, de Louis Malle. O filme começa em CinemaScope, com a saltitante Brigitte Bardot em cima do trem a andar e, de repente, finda a apresentação dos créditos, o filme se espicha de uma forma que me fez desligar, num ex-abrupto, a televisão, quase quebrando-a.
Se, com a entrada deste formato todos os cinemas tiveram que se adaptar a ele, com as lentes anamórficas e mudança de telas, os exibidores, no entanto, não modificaram as janelas dos projetores adequados para o Vistavision. Resultado: todos os filmes da Paramount (incluindo a maioria dos de Hitchcock) foram exibidos no Brasil cortados pelos lados. Somente agora, com as cópías em DVD é que, pela primeira vez, os brasileiros estão a ver os filmes em Vistavision na sua integridade.
Infelizmente, a maioria das pessoas tá pouco se lixando para o formato dos filmes. O que interessa é a história, a trama, a intriga. Fiquei estarrecido quando ouvi de um jovem que prefere ver os filmes dublados porque tem preguiça de ler as legendas. A incultura cinematográfica cresce a passos largos. O cinéfilo do pretérito virou um simples consumidor de filmes e, como já disse aqui, o ir ao cinema atualmente é diferente do ir ao cinema no passado. O ir ao cinema hoje é uma das fases do processo do 'shoppear'. Não se vai mais ao cinema, mas se vai ao shopping e, estando nele, ao cinema. Os consumidores, débeis mentais, não possuem, portanto, um propósito estabelecido a priori de ir ao cinema ver determinado filme. Entra-se numa sala 'multiplexada' por causa de um cartaz, de um rosto bonito, de determinado ator ou atriz ou pela sugestão da ação, violência e sexo.
Lembro-me que, em priscas eras, comprava o jornal para saber das estréias, estabelecendo, por exemplo, "amanhã, sem falta, vou ver Matar ou morrer logo na primeira sessão, às 14 horas, no cinema Guarany".
Era uma outra cultura, uma outra época. O cinema como casa de espetáculos já morreu e está devidamente morto e enterrado.

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