quarta-feira, 15 de abril de 2009

EDGAR NAVARRO


TEXTO DE EDGAR NAVARRO

Para o Jornal A Tarde



“Estou há quase 2 semanas de trabalho com dias muito proveitosos, dando conta de um cronograma que estava bem apertado e até avançando em relação a este.
Temia que tivéssemos problemas climáticos, pois nesta época pode chover muito, mas estamos com sorte, o elenco está muito afinado, todo mundo numa relação de muita boa vontade, gostando de participarem deste filme e isso é parte do caminho pra fazermos coisas bem feitas. Temos um enorme revezamento de atores, indo e vindo de Salvador, intercalando suas cenas.
Gente como Bertrand Duarte, Fernando Neves, Evelyng Buchegger, Ramon Vane - um ator de Itabuna que estava há muito fora do circuito - e Luiz Paulíno dos Santos, uma lenda do cinema brasileiro, que trabalhou com Glauber Rocha no início do ciclo baiano, tem 78 anos e é praticamente o nosso padrinho, pois nos inspira muito com a sua energia e traz uma espécia de benção e dádiva ao filme. Estava agoniado, achando que iria sofrer com as mudanças e adaptações dos roteiros e produções aos meus sets de filmagens, coisa quase sempre comum.

Mas desta vez tudo está fluindo de um modo que estou me surpreendendo, me sinto muito feliz dentro e fora do set e, pela 1a vez estou tendo total real prazer em estar neste, pois as coisas estão bem organizadas – o que me deixa confiante de que tudo vai dar certo. Mesmo cansado ao final de cada dia, como hoje, que tivemos sequências difíceis de rodar, me sinto feliz!Me diverti muito esta semana com Psit Mota, um ator que acompanhei quando ainda trabalhava com Bira Freitas, no premiado espetáculo O Deus Danado. Ele é um ator muito versátil, que faz comédia, mas também sabe nos emocionar muito. O personagem dele é o “boca do inferno”, é quem traz à tona aquilo que ninguém diz, que é desbocado, coloca o dedo na ferida de certas coisas, fala do campo minado, do submundo humano, das paixões, do mundo das taras, do sexo, da vida comezinha da cidade pequena onde correm os boatos, em que um é corno e o outro é puta.

Ele é o contraponto com o divino – uma das vertentes do filme -, pra não fugir à regra universal do bem e do mal, embora, sem ser maniqueísta, vejo o bem e o mal como vejo a sombra e a luz, como o dia e a noite, como as batidas do meu coração, como a sístole e a diástole, como tudo o que pulsa no universo.
Ele engloba o núcleo ordinário, do comezinho, daquilo que ninguém revela nem quer ouvir ou ver, mas que faz parte da vida. Seu personagem, o Pereba, é a coluna social da cidade, a rádio-peão que diz quem está comendo quem, quem está fazendo o quê, tudo de uma forma sórdida e mesquinha, mas sempre muito bem humorada. Me divirto com este núcleo porque vejo ali a miniatura da sociedade humana hipócrita. Tenho a pretensão de fazer dele o fragmento de uma biópsia que se faz da humanidade. Tem tudo ali: vejo a ternura e a sacanagem, o sublime e o sórdido. Como relatei anteriormente, acho que desta vez as coisas estão bem mais organizadas e planejadas, tivemos um trabalho de pré-produção mais longo, o orçamento do filme em relação ao número de sequências é um pouco mais confortável, embora não tenhamos grana a mais pra fazer outras coisas, mas, do aspecto da produção de grandes orçamentos, não pretendia fazer grandes voos.
Vejo no nosso país uma grande injustiça social e isso me faz refletir sobre o acinte que é fazer filmes com orçamentos muito altos, num mercado de lucro cinematográfico que não existe.Acredito que o filme irá responder como obra de arte, trazendo um retorno cultural, ressonando no espírito das pessoas. Se não der bilheteria, ao menos isto, esta conquista no humano, este fime vai ter.
Com o orçamento adequado ao planejamento ficou nítida a competente administração da Truque, nas pessoas da Sylvia de Abreu e Taissa Grisi.
Estas é a maior razão do meu conforto para produzir agora. Um outro aspecto que não posso esquecer é a qualidade de toda a equipe técnica, que está dando conta do recado, os chefes das equipes com muita garra e boa vontade, tudo indo muito a favor.
O que mais me marcou aqui estes dias foi a aparição de André Luis Oliveira, diretor de Meteorango Kid.
Foi enorme a felicidade e surpresa de tê-lo no set, em Ibiquera, durante as filmagens no casarão do barão. Ele veio com o produtor Péricles Palmeiras e tudo isso gerou um encontro bacana! Há 30 anos que André Luis não encontrava Luiz Paulíno e isso foi um marco! André agora está produzindo um documentário para o Canal Brasil sobre o meu trabalho, onde cada cineasta faz um filme sobre outro cineasta. Me senti lisonjeado por ele ter me escolhido porque André é um irmão para mim, uma pessoa com a qual me identifico muito.
A presença do ator Luiz Paulíno é mágica dentro do filme, me traz uma paz muito grande, pois ele é uma pessoa especial, muito mais bonita do que a maioria de nós. Embora com a minha idade e experiência, Paulíno me faz sentir um aprendiz no meio deste processo todo.”