Joaci Góes
Artigo publicado na Tribuna da Bahia, edição de 16.03.2023.
Ponto de vista
Castro Alves, o gênio da poesia
Joaci Góes
(1847-1871)
Ao jovem amigo Dirley da Cunha Júnior!
“Ai, minha triste fronte, aonde as multidões lançaram misturadas glórias e maldições.”
O poeta Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, na Bahia, a pouco mais de cem quilômetros de Salvador, onde faleceu a 6 de julho de 1871. Castro Alves, Cecéu para os íntimos, foi um jovem precocemente entusiasmado pelas grandes causas da liberdade e da justiça. Nenhuma poesia exerceu no Brasil tão grande influência política e social quanto a sua. É, sob todos os aspectos, notável a obra que esta estrela de primeira grandeza nos deixou na curta existência de vinte e quatro anos, três meses e vinte e dois dias. Além de ser inquestionavelmente o maior poeta brasileiro de todos os tempos, é visto por muitos como o maior poeta da língua portuguesa e das Américas e, até, do mundo, em todos os tempos.
A premonição de sua morte precoce manifestou-a, aos dezessete anos, no poema Mocidade e Morte:
“Eu sinto em mim o borbulhar do gênio, Vejo além um futuro radiante:
Avante, brada-me o talento n ́alma
E o eco ao longe me repete –avante!
O futuro.. o futuro.. no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória! Após um nome do universo n ́alma,
Um nome escrito no Panteon da história. E a mesma voz repete funerária:-
Teu Panteon- a pedra mortuária!”
A amputação do pé esquerdo, em junho de 1869, gangrenado, na altura do tornozelo, em consequência de um acidental tiro por ele mesmo disparado, em novembro de 1868, durante uma caçada numa fazenda ao redor de São Paulo, para cuja faculdade de direito se transferira, consolidou o avanço letal da enfermidade.
Elegante, pálido, olhos grandes e vivazes, voz poderosa, cabeleira basta e negra, sua personalidade arrebatadora se impunha à admiração dos homens e à paixão das mulheres, como foi descrito pelos seus vários biógrafos. É considerado pela quase unanimidade da crítica como o mais inspirado de todos os poetas de nosso idioma, não apenas pela grandiloquência do estro hiperbólico, pela sensibilidade e beleza formal, como pela profundidade, amplitude e atualidade da sua exuberante e inconfundível poética. Acrescente-se que nenhum poeta da língua portuguesa incorporou à sua poesia tanta erudição apropriada, e nenhum pode rivalizar com ele nem no ritmo alucinante, nem na riqueza vocabular dos seus versos. Em sua poesia
amorosa, Castro Alves valorizou a sensualidade e o erotismo, as paixões tórridas, a melancolia e não raro o tédio, ao tempo em que flertava com a morte, ora atraindo-a, ora a repudiando com veemência. Há quem veja no poema “Boa noite” a matriz da poesia sensual que o sucedeu. Com Castro Alves, a poesia romântica no Brasil, a um só tempo, evoluiu, amadureceu, alcançou a plenitude e morreu. Antes dele, a poesia romântica pecava pelo excesso de idealização do amor e do patriotismo ufanista.
A importância de Castro Alves na vida do Brasil afirma-se, entre outros fatores, pela defesa que fez dos oprimidos, sobretudo dos escravos. Vestiu os valores morais com a roupagem dos deuses, ao recorrer, vezes sem conta, à linguagem olímpica, através de palavras como águia, falcão, condor, sol, céu, mar, estrelas, abismo, infinito, feitores, escravos, senhores, chibata, grilhões, ferros, aguilhões. Em sua poesia condoreira, rica de hipérboles e metáforas, seus temas centrais foram a libertação dos escravos e a defesa da República que só seria proclamada dezoito anos depois de sua morte. Até hoje não se construiu hipérbole em favor da democracia comparável à sua repetida conclamação: “A praça, a praça é do povo como o céu é do condor”. É por isso que se diz que Castro Alves é, no Brasil, a encarnação da República e da democracia, dentre outras razões, por assoalhar, corajosamente, o luxo da Igreja ao concitar as massas: “Quebre-se o cetro do papa, faça-se dele uma cruz; a púrpura sirva ao povo pra cobrir os ombros nus”.
Castro Alves é eterno.