segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

WALTER LIMA



Por André Setaro

Cineasta, pintor, e, principalmente, agente cultural, José Walter Pinto Lima, mais conhecido como Waltinho, já está a fazer quase meio século de vida cinematográfica na província da Bahia. Conheço-o desde meados dos anos 60, quando participava ativamente de grupos ligados a cinema e era frequentador das sessões do saudoso Clube de Cinema da Bahia. Para ser exato, vim a conhecê-lo quando de um curso de cinema na Escola de Sociologia e Política (fechada logo depois pela ditadura), em 1967, que ficava logo no princípio da Ladeira da Barra. Um curso de um mês, mas que reuniu quase todas as pessoas interessadas pela arte do filme. Yves de Oliveira, sociólogo, diretor da escola, aceitou a sugestão de Carlos Alberto Vaz de Athayde e cedeu uma sala para a realização do curso, que foi ministrado pelo próprio Athayde, Orlando Senna, e Carlos Vasconcelos Domingues. Walter Lima, nesta época, estava envolvido com as filmagens de O carroceiro, de seu amigo Ney Negrão, que se encontrava em processo de pós-produção.

Assistente de direção do consagrado Meteorango Kid, o herói intergalático, de André Luiz Oliveira, no qual também aparece como ator, Walter Lima pautou sua vida no desejo de fazer cinema. E o fez, apesar de todas as dificuldades da expressão cinematográfica numa cidade como Salvador. Foi o primeiro a gravar em VHS um documentário de collage chamado Brasilianas. Seu registro sobre o músico Walter Smetak, O alquimista do som, é hoje um documento sobre o extraordinário instrumentista. Outro filme de Walter, uma ficção meio godardiana, Nós, por exemplo, tem Edgard Navarro como um dos intérpretes. E, recentemente, reconstituiu um longa que estava inacabado há vinte anos: O império do Belo Monte, com acréscimos atuais, mas conservando as tomadas do pretérito, que mudou de nome e foi apresentado como Antonio Conselheiro, o taumaturgo do sertão.

O cinema de José Walter Pinto Lima é um cinema com fortes acentos de Glauber Rocha e Pier Paolo Pasolini, como pode ser observado em Antonio Conselheiro, o taumaturgo do sertão, obra poemática, cujo ritmo se estabelece mais pela retórica do que pela fabulação. Admirador de Jean-Luc Godard, a influência deste não se faz notar na obra citada, porque uma temática mais chegada aos arroubos glauberianos, que pedia um discurso cinematográfico mais retumbante em sua sintaxe, que acumula materiais de procedências diversas: animação, fotos, narração em off em alguns momentos, declamações poéticas etc.

Mas o que gostaria de ressaltar em José Walter Pinto Lima é seu lado de gestor cultural. Muita gente não sabe (ou finge não saber), mas Waltinho, desaparecido o Clube de Cinema da Bahia sob a regência de Walter da Silveira (que morreu em novembro de 1970), foi quem deu continuidade à sua proposta de difusão do bom cinema através da exibição de filmes no Auditório da Biblioteca Central, que depois, em 1986, viria a se chamar Sala Walter da Silveira.

Iniciadas as exibições no Auditório da Biblioteca Central em 1977, a princípio feitas na bitola de 16mm e apenas uma vez por semana, os primeiros anos foram tímidos em termos de programação, ainda que, no ano seguinte, já se projetasse em 35mm e de quarta a domingo. Foi a partir do advento de Walter Lima como Coordenador da Imagem e do Som (antigo nome para o diretor do atual DIMAS) que houve um impulso considerável. Walter Lima conseguiu ampliar os dias de exibição e trazer para a Bahia mostras de cineastas como Jean-Luc Godard, Luis Buñuel, Robert Bresson, Sergei Eisenstein, entre tantos, e, principalmente, a partir da denominação de Sala Walter da Silveira, esta virou um cinema lançador de filmes raros e expressivos que não interessavam ao mercado exibidor.

Naquela época, anos 80, não havia ainda o DVD nem mesmo o VHS, e a nova geração não conhecia os filmes de um Godard, de um Buñuel, de um Bergman etc. O cinéfilo ficava ao sabor das circunstâncias do mercado exibidor. Conhecia-se mais cinema pela leitura de livros e revistas (falo do cinema mais autoral) do que pela visão dos próprios filmes. Se hoje, por exemplo, é muito fácil se ver qualquer filme (basta baixá-lo da internet em 5 minutos com computador de banda larga com 2MB) ou ir à locadora mais próxima, há vinte anos, perdido o filme no seu lançamento, dificilmente se teria a oportunidade de vê-lo novamente. Quando Walter Lima exibiu, por exemplo, Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, o público lotou completamente o auditório, com gente saindo pelo ladrão.

José Walter Pinto Lima, promotor cultural, realizou um grande trabalho à frente da Coordenação da Imagem e Som da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Ninguém mais, depois dele, ousou tanto e promoveu tantos eventos. Os concursos de roteiros, outro exemplo, foram iniciados por ele, antes dos editais governamentais do terceiro milênio. A origem do tão festejado Três histórias da Bahia está num concurso de roteiros para a premiação de uma trinca de curtas que depois foram reunidos no longa citado.

E, para não esquecer, Walter Lima conseguiu solucionar um impasse quase intransponível para que a Sala Walter da Silveira pudesse lançar filmes. A burocracia estatal, como se sabe, trabalha na base de empenhos e demora para pagar. E as distribuidoras não aceitavam lançar filmes na sala dos Barris. Walter conseguiu uma reformulação para que fosse aberta uma exceção e da renda da bilheteria pudesse ser retirada a parte que cabia a distribuidora sem a necessidade do pachorrento empenho. A gestão seguinte, porém, desfez a exceção tão necessária, ocasionando a decadência da Sala Walter da Silveira, que não pode mais lançar filmes novos nem velhos de distribuidoras comerciais, contentando-se com filmes de embaixadas e consulados, apesar dos esforços do atual programador Adolfo Gomes, crítico e estudioso do cinema. Sobre a Sala Walter da Silveira e essa questão do empenho, e a tentativa de desburocratixzação de Walter Lima, escreverei um artigo à parte.

E o Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, que agora se chama Cine Futuro? É simplesmente o maior festival de cinema da Bahia e um dos eventos mais importantes do Brasil. Quem, senão Walter Lima, conseguiria trazer nomes tão importantes como Costa-Gavras, Miguel Littin, o biógrafo de Truffaut, o redator-chefe do Cahiers du Cinema, entre tantos outros. Na última noite do seminário do ano passado, impressionado fiquei com o depoimento de Bertolucci, que, convidado para o Cine Futuro, não pôde comparecer, mas mandou uma gravação que foi exibida. Ele diz: "Fiquei triste em não poder aceitar o convite de meu velho amigo Walter Lima!"

Com esta, acho que disse tudo.


P.S: José Walter Pinto Lima foi um dos produtores de Dawson - Ilha 10 (Dawson - Isla 10), do chileno Miguel Littin, uma produção internacional