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sábado, 8 de setembro de 2012
A LINGUAGEM GLAUBERIANA
A linguagem cinematográfica nos filmes de Glauber Rocha não é uniforme, sofrendo variações estilísticas bem acentuadas, principalmente em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967), sem falar no puzzle que é o seu canto de cisne, A idade da terra (1980). Se, antes de Glauber, o cinema brasileiro segue os cânones da narrativa griffithiana (de David Wark Griffith, cineasta americano que faz O Nascimento de uma Nação, em 1914, e Intolerância, em 1916, e é considerado o pai da narrativa cinematográfica), a registrar na sua história poucas ousadias formais – exceção se faça a Limite, 1930, de Mário Peixoto, é a partir dele que são introduzidos conceitos de Sergei Eisenstein no corpus do filme. Em Barravento(1959/1962), ainda que timidamente, a presença do soviético se faz sentir, assim como uma procura de distanciamento dos moldes praticados por Griffith – a narrativa de progressão dramática in crescendo, com a apresentação do conflito, desenvolvimento deste, clímax e desenlace.
Mas é somente a partir de Deus e o Diabo na Terra do Sol, obra que efetua um corte longitudinal na história do cinema brasileiro, que Glauber Rocha instaura um certo paradoxo estético num filme que conjuga várias influências, desde a tragédia grega (o cego Júlio como fio condutor), passando pelo western, na exploração dos grandes espaços, e Buñuel, na seqüência do assassinato do Beato Sebastião por Rosa, até chegar a Eisenstein, na matança dos beatos em Monte Santo (influenciada pela escadaria de Odessa de O Encouraçado Potemkin, 1925) e a Kurosawa, com os rodopios dissonantes de Corisco, entre outros.
O ritmo em Deus e o Diabo na Terra do Sol não segue um mesmo diapasão. Ora vem com cortes rápidos (quando Manuel esfaqueia o fazendeiro ou com os cavalos correndo na invasão da casa do vaqueiro que acaba por matar a sua mãe) num espírito quase fordiano, ora vem com tomadas longas (a segunda parte no encontro de Manuel com Corisco). Glauber Rocha, neste filme extraordinário, por mostrar uma enxurrada de influências, revela que sabe reprocessá-las, dando a elas um estilo, o estilo glauberiano, que seria copiado ad infinitum pelas gerações posteriores sem, contudo, nunca igualá-lo.
Este ritmo paradoxal de Deus e o Diabo na Terra do Sol não seria repetido em Terra em Transe, que possui uma estrutura narrativa de cortes ligeiros, montagem sincopada, e tomadas rápidas. O cineasta opta por este ritmo para adequá-lo melhor à sua temática. Um poeta que agoniza enquanto relembra fatos pretéritos. O filme se passa todo neste instante de agonia e as imagens surgem, portanto, dispersas, não enfeixadas dentro de uma narrativa corrente. Neste caso, é o pensamento tumultuado do personagem interpretado por Jardel Filho que se situa como o próprio móvel do filme. A Biografia de um Aventureiro, onde apresenta a trajetória do político vivido por Paulo Autran, é extremamente wellesiana até mesmo por seu tom radiofônico. O processo do pensamento agônico pode lembrar Alain Resnais.
Em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), Glauber Rocha se apóia numa estrutura de narração que é, poder-se-ia dizer, antípoda da de Terra em Transe. Nela, uma espécie de suite de Deus e o Diabo na Terra do Sol, há uma radicalização estilística já experimentada em Cancer: a dos planos-seqüências – tomadas longas sem cortes. Em O Dragão..., todo filmado na aridez da paisagem de Milagres, no interior baiano, mais conhecido no exterior pelo nome de seu personagem principal, Antonio das Mortes (sempre interpretado por Maurício do Valle), a utilização do plano-seqüência chega às raias da exasperação. Um bom exemplo é a do enterro de Jofre Soares, quando a câmera acompanha uma ladainha e segue, em travelling, o trajeto do funeral. Há, no entanto, na abertura, uma invenção fascinante: Antonio das Mortes surge do lado direito da tela e passa por ela atirando com seu rifle até desaparecer do lado esquerdo. De repente, com o cenário vazio de pessoas, começam a cair vários cangaceiros, que foram atingidos fora do enquadramento. Genial, um verdadeiro cinema de invenção.
Em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro procura uma transfer do ritmo da literatura de cordel para imprimi-la no cinema. A sensação que se tem, vendo este filme, é a sensação de quem lê uma história cordelista, com a diferença de que a transferência de uma linguagem a outra se processa com extrema felicidade. Da palavra escrita, da sintaxe verbal, passa-se à sintaxe cinematográfica que busca aquela.
O cinema glauberiano é um cinema de ritmo, portanto. Barroco, tem o sentido da linguagem, a compreensão de estar criando por meio de uma sintaxe própria, a unir esta à morfologia característica do específico cinematográfico. Um plano é morfológico, mas, quando este plano entra em contato com outro, deixa de sê-lo para dar lugar à sintaxe cinematográfica. Glauber, nesse sentido, é um cineasta que louva o verbo cinematográfico. Poucos os autores no cinema nacional, compreendendo-os como tais, como dizia François Truffaut, que possuem uma visão do mundo e um estilo de fazer cinema. Glauber Rocha encaixa-se perfeitamente na definição do severo crítico do Cahiers du Cinema.
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
Faltam homens de negócios e roteiristas para produção de filmes nacionais, reclamam cineastas
Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
Brasília – A intenção da Agência Nacional de Cinema (Ancine) de aumentar a produção de filmes brasileiros e tornar o país o quinto mercado de audiovisual do mundo esbarra na falta de mão de obra qualificada, especialmente roteiristas e executivos que possam conceber e realizar produções de sucesso, dizem os cineastas.
“A narrativa do filme e o entendimento do business [negócio] são dois aspectos vitais”, explica o roteirista e produtor Marcus Ligocki. Segundo ele, “não basta a capacidade técnica de filmar. É preciso entender a lógica de produtores, distribuidores e exibidores.”
A opinião do cineasta é compartilhada pelo diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel. “Para o mercado que queremos, será necessário ter produção mais robusta, mais desenvolvedores de projetos, mais homens de negócio”, disse à Agência Brasil. Para ele, “o mercado já tem massa crítica” e busca cada vez mais fazer “filmes com capacidade de comunicação.”
No mercado cinematográfico brasileiro, o produtor e roteirista, Marcus Ligocki, aponta como profissional de referência José Padilha, diretor de Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 – o último foi o maior sucesso do cinema nacional e a segunda maior bilheteria registrada no Brasil (arrecadou R$ 102 milhões em 263 salas de cinema), visto por mais de 11 milhões de pessoas.
“Padilha é um estrategista. Sabia o que queria e como queria fazer. Ele conhece o mercado, tem talento, mantém bons relacionamentos e busca resultado fílmico.” Para ser executivo, Ligocki diz o que é preciso: “Saber ler o futuro e disposição para o diálogo, para entender quais são os valores do mercado, o que é importante para os interlocutores,” se referindo, por exemplo, a distribuidores e exibidores.
“Padilha é um estrategista. Sabia o que queria e como queria fazer. Ele conhece o mercado, tem talento, mantém bons relacionamentos e busca resultado fílmico.” Para ser executivo, Ligocki diz o que é preciso: “Saber ler o futuro e disposição para o diálogo, para entender quais são os valores do mercado, o que é importante para os interlocutores,” se referindo, por exemplo, a distribuidores e exibidores.
Um dos méritos de Padilha, na avaliação do diretor de cinema independente Luiz Roberto Menegaz, foi ter feito dois filmes de grande sucesso, sem depender de patrocínio oficial. “Aqui no Brasil as pessoas se habilitaram a fazer com lei de incentivo”. Para ele, ainda falta o país aprender um “novo modelo de negócio” e incorporar “o planejamento de longo prazo.”
A dependência dos patrocínios estatais também é criticada pela produtora Júlia Moraes. Ela avalia que “o cinema atrelado ao Estado” herda ineficiências do setor público e não tem preocupação com resultados. “Não dá para fazer quatro filmes ruins pagos pelo Estado”, critica.
Para Júlia, há sempre risco do país produzir muitos “filmes inexpressivos”. Ela alerta: “Um cinema sem personalidade, não existe”. Luiz Roberto Menegaz concorda e avalia que o cinema brasileiro tem que “trabalhar melhor com a condição humana”. “O cinema é reflexo da vida. Se narra o que vive”, diz ao defender filmes “mais autorais”, porém que saibam mobilizar grandes públicos. Ele é autor de um filme ainda inédito sobre como será a final da Copa do Mundo de 2014 (uma ficção sobre o jogo final entre Brasil e Argentina).
Marcus Ligocki acrescenta que o cinema brasileiro “é pouco universal” e nem sempre domina “os elementos que fazem as histórias serem atraentes, como por exemplo os elementos da imagem (linhas, movimento, forma, cor e impactos emocionais associados).”
Com o intuito de ter um roteiro mais atraente para o filme que dirigirá em 2013, Ligocki está em Los Angeles (Estados Unidos) para reescrever o texto junto com o roteirista Bruce Block (autor do livro A Narrativa Visual). Segundo ele, foi necessário ir aos Estados Unidos para contar com um roteirista que o ajudasse a encontrar “caminhos mais polidos da história” e reelaborar pontos como “as motivações dos personagens.”
A capacitação de mão de obra é uma das diretrizes do Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual (PDM), elaborado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). Entre as metas, a agência quer, em 2020, o funcionamento de 80 cursos superiores em todo o país com foco em audiovisual e 1,6 mil pessoas graduadas ou especializadas na área por ano.
Edição: Carolina Pimentel
MAIO-68
Por André Setaro
Bernardo Bertolucci em Os sonhadores (The dreamers, 2003) evoca a ebulição de Maio de 1968, e o filme tem sua ação localizada neste período, a começar um pouco antes, em fevereiro, quando da demissão de Henri Langlois da Cinemateca Francesa, que veio a provocar intensos protestos da intelectualidade com repercussão internacional. Bertolucci mostra (recriando ficcionalmente) o barulho provocado pelo afastamento do grande pesquisador, cujo responsável foi André Malraux, ministro da Cultura do General De Gaulle, autor do ato demissionário.
François Truffaut considera que Maio de 68 tem início em fevereiro com as manifestações pela readmissão do célebre pesquisador-arqueólogo de filmes. Em Beijos roubados (Baisers volés), filmado em março deste ano, a primeira imagem apresenta a porta da Cinemateca, no Palácio de Chaillot, fechada, e o filme é dedicado a Henri Langlois.
Se em The dreamers há a evocação da época através do recuerdo ficcional, o espírito da juventude "Maio de 68" está bem captada em uma obra do ano anterior, 1967, de Jean-Luc Godard, A chinesa (La chinoise), e se poderia também incluir, nestes registros, um outro filme do cineasta: Week-end à francesa, também de 1967. Godard fazia um filme atrás do outro.
A pesquisadora e historiadora de cinema Ivana Bentes coloca bem a questão em artigo para a Folha de São Paulo: "É que tudo o que virou 'História' em Bertolucci em A chinesa é a matéria mesma do filme-acontecimento, do filme-panfleto de Godard, com demonstrações em quadro-negro, fórmulas visuais, palavras de ordem e signos em rotação. Um filme pop-revolucionário cravado no dorso do presente. Um filme que afirma e põe em cena os discursos a quente: maoísmo, marxismo-leninismo, anarquismo, situacionismo, terrorismo, cinefilismo. Filme-aparelho que nos captura e de onde saímos exaustos e confusos, nunca "bem informados" ou satisfeitos com o saber adquirido.
A satisfação em Godard é essa experiência de estranhamento e polifonia. Mao Tsé-tung transformado em jingle, Mao, Mao. Juliet Berto fantasiada de chinesa diante do tigre da Esso, o rosto pintado como os soldados do Vietnã bombardeando florestas com um napalm imaginário. O discurso é arma, livros, cartazes, grafite, slogans, manchetes de jornais, a fulguração de um pop político. Sartre e Marx decorando paredes, fragmentos de Althusser declamados como poemas, quebra-cabeças filosóficos, jogos agressivos, sátiras ao Partido Comunista Francês, teatro e agit-prop".
Obra que focaliza a absorção do pensamento de Mao Tsé-Tung como consumismo intelectual pelos jovens franceses, La chinoise se passa quase todo dentro de um apartamento, espaço de reflexão e treinamento de maoístas. Veronique (Anne Wiazemsky, a companheira do cineasta depois que ele se separou de Anna Karina, musa de seus filmes), o ator Guillaume (Jean-Pierre Léaud, alter ego de Truffaut nas obras dedicadas ao personagem de Antoine Doinel, a exemplo de Baisers volés, Domicílio conjugal e, principalmente Os incompreendidos/Le quatre-cent coups, que, juntamente com "Acossado"/A bout de souffle, de Godard, detonou a Nouvelle Vague), o economista Henri (Michel Semeniako), o pintor Kirilov (Lex De Bruijn), e a prostituta Yvonne (Juliet Berto, que teve um caso com Glauber Rocha e trabalhou em Claro, que realizou durante o seu exílio italiano nos anos 70), repartem um apartamento e ali aplicam as idéias revolucionárias de Mao-Tsé-Tung.
Em La chinoise, a partir do estabelecimento dos jovens no apartamento, Jean-Luc Godard procura discutir uma causa política, a pôr em pauta a ação, os vícios e os diálogos dos chamados "aprendizes de esquerda", uma parte muito festiva da juventude francesa que se aplica aos ensinamentos de Mao e de sua Revolução Cultural.
Pode-se ver nestes jovens - e a visão de Godard é ácida e crítica - aqueles que um ano depois estariam nas ruas de Paris nas grandes manifestações do celebrado Maio de 68.
Godard não poupa seus estudantes e há, evidente, um propósito claro em condenar a pressa e a fragilidade com que as opiniões se formam para uma militância política discrepante. O cineasta de Acossado faz emergir o debate, apressado, sectário, na superfície das questões ideológicas propostas.
Enclausurados no apartamento, Veronique, por exemplo, planeja o assassinato de um líder universitário, enquanto Henri, ao defender a coexistência pacífica, é expulso do grupo, e, em conseqüência, desiludido, Kirilov se suicida. Mas Veronique concretiza seu plano, o de matar o líder universitário. Quando as férias terminam, e o apartamento, alugado, é entregue a seus donos, todos partem para seus afazeres habituais, e Veronique, como se nada tivesse acontecido, volta, tranqüilamente, às aulas.
"A chinesa" é um filme emblemático de Maio de 1968 e uma das obras mais importantes de Godard que, atualmente, cresceu com o passar do tempo. Se, na época, era um registro dos espíritos indômitos da juventude francesa, atualmente o filme é um testemunho de sua vacuidade. Num momento em que se comemora com tanto alarde a efervescência francesa do período, A chinesa pode servir como documento de uma época, da necessidade e da urgência de uma atitude, de se ser um enragé. Se havia um fulgor contestatório oportuno, por outro lado, muitos entraram na onda para se distrair. A fábula godardiana sobre o "treinamento" de maoístas, para passar o tempo de suas férias escolares, é exemplar nesse sentido. É um filme que precisa ser resgatado.
NOTAS PROVINCIANAS DE MAIO DE 68
Neste maio de 2008, quarenta anos se passaram daquele Maio de 1968, quando a ebulição se fazia presente nos protestos, na movimentação cultural, na ânsia da juventude por um mundo melhor, pela "imaginação no poder".
As grandes manifestações que ocorreram no conturbado Maio de 1968 ficaram restritas aos grandes centros civilizados, principalmente Paris, e no Brasil, se há de convir, vivia-se sob a égide das botas dos militares, mas, mesmo assim, a influência dos acontecimentos exteriores se fez enxergar nas principais capitais brasileiras, notadamente o eixo Rio-São Paulo.
Mas em Maio de 1968, ainda não havia o Ato Institucional número 5, assinado em 13 de dezembro, deste mesmo ano, e o golpe de 64 ainda permitia uma certa movimentação, passeatas (como a dos cem mil no Rio), protestos diversos, propostas artísticas renovadoras, ainda que reprimidas (Roda Viva, entre outros).
A decretação do Ato Institucional número 5 constitui, na verdade, o estabelecimento da ditadura brasileira com o cerceamento completo à liberdade de expressão, ao direito de ir e vir, inclusive com a permissão violenta da violação da correspondência (preceito constitucional). Rasgou-se, com a maior sem cerimônia, a Carta Magna (outorgada pelos milicos, apesar de "promulgada", a fórceps, por um Congresso Nacional rastejante), estabelecendo-se, com isso, o início dos anos de chumbo, que tanto amargaram o brasileiro, que permaneceu acossado 17 anos (sem contar o período de 64 a 68). A linha dura, a mandar às favas os escrúpulos da consciência, tomou o poder.
O que pretendo mostrar aqui nesta coluna é a visão de um jovem de 18 anos, habitante da soterópolis, e, portanto, distante da efervescência do período, durante aquele chamado "ano que nunca terminou".
Estudante do Colégio Estadual da Bahia, o inesquecível Central, a cursar o Clássico (naquela época, depois de findo o ginásio, se podia escolher entre o Clássico e o Científico, que duravam, ambos, três anos, até o jovem, através do vestibular, ingressar na universidade).
O Central era um pólo aglutinador do debate político e, neste centro de ensino, foi onde se formavam as lideranças estudantis, que promoviam passeatas, protestos, pelas ruas de Salvador. O estudante, ao contrário do de hoje, tinha que ser politizado, consciente de sua realidade e com disposição transformadora. Aquele que se mantinha à margem, distante dos acontecimentos, era taxado de "alienado".
A cultura política e literária era uma espécie de "conditio sine qua non" para o estudante se tornar um sujeito "in" dentro de sua escola, perante seus colegas. A leitura de autores como Marcuse, Luckacs, Sartre, Marx, e literatos como James Joyce, Graciliano Ramos, Dostoievsky, entre muitos, muitos outros, fazia parte da vida estudantil. Mas Machado de Assis, que considero o primus inter pares, não estava incluído entre as leituras do período.
Era de bom tom (a usar uma expressão "anti-maio") que os estudantes sobraçassem livros para dar o ar de intelectuais. Era chic se ser intelectual, usar óculos. Paulo Francis, lá em "O Pasquim", já dizia: "Intelectual não vai à praia, intelectual bebe". E, realmente, a dizer a verdade, bebia-se e fumava-se muito. Não havia o culto ao corpo, e até tinha algum "charme" quem cultivasse uma "barriguinha" discreta. Neste particular, é interessante notar que o estudante atlético, forte, preocupado com esportes, era visto de esguelha, de soslaio, como um "alienado" (outra bobagem da época).
E como se lia jornais! Em 1968, o jornal mais disputado eram dois: "Correio da Manhã", com seu quarto caderno (o cultural, com ensaios enormes de Otto Maria Carpeaux, José Lino Grenewald, Paulo Ronai, Antonio Moniz Vianna...), e o "Jornal do Brasil". A "Folha de S. Paulo", que me lembre, não tinha presença no meio intelectual do crepúsculo da década de 60. Pessoalmente, comprava o "JB", o "Correio" e, o "Estado de S.Paulo" dos domingos (um calhamaço difícil de carregar que, comparado com a edição atual, esta vira "peso-pena").
Em comparação, hoje, com os tempos pretéritos, três diferenças básicas: o desprezo pela cultura literária, a inconsciência política e a desimportância dos jornais como "vício diuturno".
O cinema tinha um "status" político muito forte. Acredito que uma das características mais marcantes de 1968 no Brasil (embora tenha se iniciado antes) foi a "Geração Paissandu", que se estabeleceu nas calçadas, em frente ao cinema do mesmo nome, situado à rua Senador Vergueiro, no Rio de Janeiro. Havia, nesta "geração", um espírito de combate, de discussão, que tinha o cinema como mola propulsora.
Os realizadores que eram respeitados eram aqueles que possuíam uma visão de mundo e uma visão do cinema, a exemplo de Jean-Luc Godard, ícone da época, cineasta que usou a arte do filme como um veículo de exposição de pensamentos e idéias, além de alterar profundamente a narrativa cinematográfica ao estabelecer uma fragmentação com a inserção, nela, de materiais de procedências diversas (animação, planos de detalhes de frases de um livro aberto, um ator a ler durante alguns minutos certo trecho, recortes, bonecos, fotografias, etc).
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