quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

PONTO DE VISTA: OS SINGULARES "TERRORISTAS " DE BRASÍLIA

 



Por Joaci Góes 


Ao General Marcelo Guedon, que ontem aniversariou. 

Entre os quase 1.600 “terroristas” detidos no último domingo em Brasília, um grande número era composto por mulheres, crianças e idosos, empregados, patrões e profissionais liberais, sem qualquer antecedente criminal. Mais uma característica marcantemente singular é que nenhuma arma, branca, de fogo ou outro artefato bélico qualquer, foi encontrado com os “terroristas”. Para alguns segmentos da mídia brasileira, porém, trata-se de “mercenários fascistas a serviço da destruição dos sólidos pilares de nossa democracia, duramente conquistada”.

Tão logo deparou esse surpreendente panorama humano da multidão que acabara de predar as sedes dos três poderes, as autoridades policiais cuidaram de libertar a grande maioria, permanecendo detidos por mais algum tempo menos de 20% do grupo original, a serem liberados, logo em seguida, para se defenderem em liberdade, se a lei brasileira se sobrepuser ao voluntarismo ora reinante no Brasil, através de práticas ditatoriais de membros do Poder Judiciário, com a parceria criminosa do Poder Legislativo, comprovando o ominoso compadrio entre poderosos grupos marginais que reciprocamente se protegem. A perplexidade do difícil momento que atravessamos, com a temível tendência a se aprofundar, confere atualidade à avaliação de Rui segundo a qual “Toda a capacidade dos nossos estadistas se esvai na intriga, na astúcia, na cabala, na vingança, na inveja, na condescendência com o abuso, na salvação das aparências, no desleixo do futuro.”

A verdade que não quer calar é que esta rebelião coletiva, utilizando métodos que reprovo, constitui uma miniatura do grande contingente nacional que não aceita o retorno de um peculatário, o maior de que se tem conhecimento no Planeta, depois de exaustivamente comprovadas e punidas suas enormes responsabilidades, ao mesmo posto que desonrou, graças à indecorosa e prostituída iniciativa de membros da Suprema Corte de anular o processo, exaustivamente acompanhado pelas tvs, que o condenou, com o propósito evidente de assegurar-lhe a impunidade pelas estradas largas da prescrição. Esta, sim: uma violência muitas vezes maior do que a quebradeira de Brasília. Como nos ensinou Rui “Se os fracos não têm a força das armas, que se armem com a força do seu direito, com a afirmação do seu direito, entregando-se por ele a todos os sacrifícios necessários para que o mundo não lhes desconheça o caráter de entidades dignas de existência na comunhão internacional.” Afinal de contas “Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!”

Não há vergonha maior na história do judiciário dos povos decentes do que a praticada por nosso Pretório Excelso, cuja credibilidade popular, na atualidade, é a menor de todos os tempos. Atos ou decisões inconstitucionais não se convalidam com a aprovação de chefes de poderes desertores do dever.

 Com a soltura de Sérgio Cabral, em nome da mínima moralidade, deveríamos soltar a totalidade de nossa população carcerária. Basta comparar os anos de condenação atribuídos a Sérgio Cabral com os de Fernandinho Beira-Mar e Marcola, meros trombadinhas.

Para mostrar sólida coerência de princípios, em sua disposição de atropelar quem quer que se oponha ao seu arbítrio, o Ministro Alexandre de Moraes deveria mandar prender, também, os ex-comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica que, em nota conjunta, denunciaram os seus excessos; bem como os Generais que acompanharam com simpatia democrática o cerco que por dois meses sofreram das populações que lhes pediam para intervir. Caso contrário, crescerá o prestígio do aforismo que ensina que “boi sabe onde arrombar a cerca”, bem como o acicate de Rui: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde."

Sem dúvida, a autoridade da justiça é moral, e sustenta-se pela moralidade das suas decisões.

Fonte: Jornal Tribuna da Bahia


segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

ABELHAS PROCURAM FLORES


ABELHAS PROCURAM FLORES

Quando, nos idos setenta e cinco fui indicado para assumir minha primeira delegacia, fato que ocorreu em Itapetinga no alvorecer do ano seguinte, jamais poderia supor seriam os caminhos difíceis da carreira que abracei com sofreguidão, desde o início, pontes capazes de me fazer realizado e, sobretudo, percorrer trilhas deveras cintilantes.
Sim, porque como digo ultimamente pude plantar desde então, principalmente na serrana Vitória da Conquista, aonde cheguei naquele tempo, antes mesmo de aportar na terra que foi a rainha da pecuária baiana, amores e amigos. Os especialíssimos frutos desta semeadura, filhos e cúmplices, posto verdadeiros amigos, nada mais representam senão parceiros do bem, me têm ofertado momentos de emoção indescritíveis.
Confesso, quando engatinhava no mister que me tornou um caçador de infratores, atividade pela qual conheci os quatro cantos deste imenso país, bem como outras plagas fora de nossas fronteiras, buscando conhecimento, ou laborando na atividade fim, seria imponderável crer que se transformariam os episódios vividos, em obra que escrevi.
Inimaginável crer que Saques e Tiros na Noite - Sonhos, Estórias e Histórias de um Homem de Polícia - teria o condão de reconduzir este calejado investigador, tal qual raposa velha que perde o pelo, perde os dentes, mas não perde o faro, aos palcos em que os dramas ocorreram, sem riscos nem dor, mas, tão somente, no dorso do corcel alado chamado emoção.
Depois, mudando a biruta, ao invés de redigir novo elenco de memórias consegui grafar um romance - Surfando em Pipelines - e assisti serem publicadas, também, diversas crônicas que irão compor Divagares Ligeiros, justo a compilação destas divagações. Enfim, passei a rabiscar versos que têm sido iluminados, não pela inspiração deste poeta, mas pelas obras do fenomenal Ed Ribeiro, consagrado artista plástico baiano cujos quadros empresta, para ilustrar  os sonetos do que virá a ser, Poemas Iluminados.
Todas estas nuances vindas num crescendo fazem com que este Homem de Polícia creia no caráter transcendente da existência, assim como na belíssima dinâmica da vida que a faz ser tão fascinante. E é justo sobre mais um feixe de emoções que estas linhas pretendem considerar.
A convite do jovem e talentoso Beto Magno aporto ontem na estação que renovada trará o nome de um dos seus maiores inspiradores, Glauber Rocha. Cineasta, publicitário, conhecedor e amante das artes em geral, Beto reúne uma plêiade de notáveis, para lançar seu novo empreendimento e estou entre os convidados. Induvidosamente, a VM produções elevará sobremaneira o nome desta terra de tantos luminares, na musica, no cinema, na literatura, na escultura, na arte em geral, nos esportes, na política, destarte, sou privilegiado por participar do evento.
De saída, o ambiente escolhido para a solenidade abriga energia de elevada magnitude. A fazenda Vidigal, de nossa cidadã conquistense e baiana, Valéria, cujas pinturas encantam, e do esposo Giano Brito, palco onde a pedra fundamental da VM FILMES foi fincada dispensa comentários. Por seu turno, quaisquer adjetivos serão incapazes de descrever as virtudes incomensuráveis do casal anfitrião.
Apesar de amalgamados, na liga de um amor que brilha ao entorno de ambos revelando o geminar das suas almas, cada um deles tem, todavia, papel definido no exercício das responsabilidades profissionais, pessoais e sociais que desempenham, dentro da família e da comunidade onde pontuam. Mas, e acima de tudo, na medida em que entendo serem duas as razões que diferenciam os mortais de seus pares - inteligência e sensibilidade -, por certo, Giano e Valéria estão bem acima da média, nestes quesitos fundamentais.
A diferença no particular é que nele, reservado por natureza, reside a fonte onde ela, personalidade intensa busca o combustível que queima na sua permanente arte de entrega.  Como exemplo há de referir, suas férias serão oportunidade de trabalho para levar a jovens desta terra, o milagre da transformação que apenas pode ser alcançado, nas profundas águas da cultura.
Naquele sítio encantado, depois de abraçar os donos da casa pude rever velhos conhecidos e reencontrar, decerto, figuras de um passado imemorial a quem deveria rever neste plano do agora. Enquanto cumprimentava Armenio, Cassiano, Garcez, o grande escultor Allan de Kard, retratista local, J.C. de Ameida, levado a todos eles pelos sentidos elétricos de Beto, ladeado por João Luis e Vitória Magno, seus lindos filhos - mote da VM - revi alguém a quem não encontrava há anos, Luciano, amigo de meu querido irmão Valnei que voltou ao etéreo e matamos saudades. Justo sua esposa, D. Fátima cuidava de ofertar aos chegados, cadinhos magníficos, petiscos oriundos da Delícia da Nina e cachaça artesanal alambicada em Iguaí.
Enquanto o profissional local e diretores de fotografia para o cinema, Xeno Veloso e Inácio Teixeira interagiam comigo através suas conversas retinas e lentes, fui ao encontro do consagrado Lázaro Faria, publicitário e cineasta. Finalmente encarei a fera, Zelito Viana e sua esposa Vera de Paula, ele aplaudido produtor e roteirista brasileiro, pai do ator Marcos Palmeira, também produtor de alimentos orgânicos em Itororó, na fazenda Cabana da Ponte fundada por Sinval Palmeira, exponencial personalidade que pude conhecer, exatamente quando fiz meu “avant premiere” como Delegado naquelas paragens, com eles, o dramaturgo Sergio Ramos, nascido na cidade da carne do sol mais famosa do Brasil.
Após a abertura, todos os presentes foram brindados com o curta Alô Boys , lançado por Beto e pela maravilhosa película dirigida por mestre Zelito Viana e Gabriela Gastal, sob os auspícios da Mapa Filmes.  Neste momento invadiram a sala de projeção sem pedir licença - e não deveriam -, além do motivo inspirador da obra, Ferreira Goullart, Marcos Nanini, Adriana Calcanhoto, Laila Garin e Paulinho da Viola. Inebriados pela beleza do tributo ao grande e imortal artista maranhense, não restaram dúvidas acerca da máxima que intitula o filme: A ARTE EXISTE PORQUE A VIDA NÃO BASTA.
Enquanto degustava o jantar supimpa, feito com esmero pela chef Cris Luna, ao som de musica leve aos acordes de Lucinho Ferraz e da voz de  jovem e excepcional cantora, Valéria lembrou episódio inusitado ocorrido quase dezoito anos atrás. Recordou que nossas famílias se encontravam, por casualidade, numa pousada às margens da barragem de Anagé, quando houve atitude tanto neurótica, própria dos profissionais de polícia, sempre que expostos a momentos de perigo. Abelha impertinente picou seu lábio, enquanto sorvia refrigerante e tendo gritado frente a dor provocou reação incontinenti deste oficial de segurança, postado próximo à mesa onde estava. Viajamos no tempo, rimos outra vez, sua filha, na época criança acompanhou o momento hilário e viajei no trem bala do pensamento até a cama de meu João, em Salvador. Assim, como a jovem estava ele ainda infante, naquele cenário recordado.
Despedi-me de todos e voltei para a pousada onde me abrigo e agora escrevo estas linhas. Quando subi a serra imaginei, quanta felicidade para Conquista receber empreendimento do porte da VM FILMES Produções, bem como será exitosa e cheia de sucesso, a nova jornada que Beto enceta.
Ao deitar pensei numa verdade e faço-a transmitida para Giano, Valéria, seus filhos e todos que lhes amam. ABELHAS PROCURAM FLORES.
Hoje, nos revimos, ao eflúvio dos vinhos na adega, Box 111 e no sabor supimpa das iguarias feitas pelo chef Jack, estrela do Bistrô.
Afinal, o que é bom acontece muitas vezes.

Vitória da Conquista, 25 de novembro de 2017
Valdir Barbosa
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 Ilustração: tela de Valéria Vidigal 

domingo, 8 de janeiro de 2023

UM BAIANO NO EXÉRCITO DE NAPOLEÃO



Por Mamede Paes Mendonça Neto

Um baiano no Exército de Napoleão.

Caetano Lopes de Moura (1780-1860) Nasceu na cidade de Salvador, aos 7 de Agosto de 1780, sendo filho de Maximiano Lopes de Moura, mestre carpinteiro, homem de côr, “sisudo e de sãos cos­tumes”.

Em 1797, com apenas dezoito anos de idade, envolveu-se com a “Conspiração dos Búzios”, assim chamada porque seus adeptos usavam um pequeno búzio prezo à corrente do relógio. Descoberto o movimento revolucionário, Caetano Moura foge para Portugal e, depois de muitas agruras, matricula-se na Universidade de Coimbra.

Abandonando posteriormente a ideia de estudar em Portugal, partiu Lopes de Moura para a França, onde depois de grandes dificuldades conseguiu concluir o curso medico em Paris. Tolhido pela necessidade, ingressou Lopes de Moura no exercito francês, como ajudante de cirurgia, passando-se depois para a Legião Portuguêsa que servia sob as ordens de Napoleão Bonaparte. Tendo-se demitido do exercito, quando co­meçou a decadência do imperio napoleônico, fixou Lopes de Moura a sua residencia em Grenoble, onde se dedicou á pratica da medicina.

Ao cabo de algum tempo, notabilizou-se pela competência, e pela cultura.

Com a derrota de 1814, Napoleão foi exilado e Caetano Moura caiu no ostracismo. 

Sempre em luta com a adversidade, foi Lopes de Moura so­corrido em Paris pela generosidade do imperador Pedro II, que lhe concedeu uma pensão, de maneira que o ilustre brasileiro pudesse continuar, sem embaraço, os seus trabalhos científicos e literarios. Já octogenario, faleceu em Paris, a 3 de Dezembro de 1860.

Caetano Lopes de Moura deixou numerosos trabalhos de historia, geografia, literatura e diversas traduções de obras es­trangeiras. Deixou tambem uma interessante Auto-biografia, cujo autógrafo pertence ao Instituto Historico, que o possue por oferta que lhe fez o Marquês de Sapucaí.

Entre os seus trabalhos mais conhecidos, destacam-se a História de Napoleão Bonaparte e Harmonias da Criação. Lançou também várias obras didáticas, Mitologia da Mocidade, Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil, Epítome cronológico da História do Brasil.

Escrevendo em 1846, Caetano Lopes de Moura, exprimiu a sua profunda admiração pelo imperador francês na sua Histoire de Napoleon - uma biografia em que os gloriosos acontecimentos do passado foram celebrados segundo um certo modelo de historiografia do século XIX.. Na época da publicação do livro, ele morava na França há algum tempo. Relatando a Batalha de Wagram refere que 'esteve presente nesta inesquecível batalha como cirurgião-mor da Legião Portuguesa'. Em seu breve relato do encontro com Napoleão em Ebersdorf, ele observa com entusiasmo que "seus olhos eram tão cheios de vida que qualquer um que olhasse para eles era obrigado a abaixar os olhos até o chão, tal era o fogo emitido". 

O entusiasmo é ainda mais manifesto ao descrever a queda do imperador francês: 'O grande homem caiu... glória, todo o seu gênio e toda a sua grandeza moral.' Caetano Lopes de Moura nunca mais voltou ao Brasil e passou o resto da vida na França. Morreu em 1860, depois de uma vida dominada por duas grandes figuras, Napoleão e Pedro II, Imperador do Brasil.

 O exemplo de Lopes de Moura é sugestivo do poderoso fascínio que Bonaparte exerceu sobre vários intelectuais e políticos luso-brasileiros e , através deles, sobre Portugal e seu império. Pela profunda mudança que produziu nas histórias da França, da Europa e de suas colônias - redesenhando o mapa político, introduzindo o Code Civil e derrubando várias dinastias - Napoleão criou o arquétipo do herói moderno.

Ao mesmo tempo, suas ações também tiveram repercussões distintas nos impérios ibéricos, incluindo o de Portugal, receptivos ao contexto mais amplo de crise do Antigo Regime ou de uma época de revoluções. No mundo luso-brasileiro, o difícil período das invasões francesas (1807-1814 ) deu origem a representações e opiniões contrastantes sobre Napoleão e a França Imperial.

Caetano Lopes de Moura pertence ao numero dos mestiços brasileiros de origem modesta, que á custa de esforços proprios souberam elevar-se dignificando o nome de sua terra nativa. Aliás, no Brasil não foi pequeno o numero desses descendentes da raça negra que contribuiram com os frutos de sua inteligen­cia para a grandeza das artes e das letras patricias.

E o velho cirurgião do exercito bonapartista está, sem du­vida, incluído neste numero. 

FONTE: PARANHOS, Haroldo. História do romantismo no Brasil. São Paulo: Edições Cultura Brasileira, 1937.