sexta-feira, 10 de abril de 2020

JORGE DE LIMA

Beto Magno

Jorge de Lima poeta em movimento (Do “menino impossível” ao Livro de sonetos) 

ALFREDO BOSI 

Esse movimento na direção do passado real, vivo, concreto, e não de um passado construído pela cultura hegemônica, se fez mediante a evocação por imagens. O ritmo destas já não será marcado pela isocronia parnasiana, de que o metro alexandrino dos sonetos dera exemplo. Trata-se agora do ritmo processional (a certa altura, o poeta invocará a presença de Whitman), que se desdobra à medida que as imagens se seguem na memória. Uma sensível dose de realismo entra na composição deste e de outros poemas enraizados na biografia alagoana de Jorge de Lima. Daí em diante, a sua poesia seria um afloramento de figuras reais ou imaginárias que o perseguirão até a criação de Invenção de Orfeu. Reais ou imaginárias: os brinquedos da infância, posto que inventados, foram absolutamente reais, mas do mundo do menino também se diz que foi tirado “do nada”, como parece acontecer às vezes durante a vivência do sonho: “O menino poisa a testa – e sonha dentro da noite quieta – da lâmpada apagada – com o mundo maravilhoso – que ele tirou do nada”. É um momento fecundo a sintonia deste Jorge de Lima com a eclosão do romance nordestino do período que vai do aparecimento de A bagaceira (1928) de José Américo de Almeida aos primeiros anos da década seguinte. Os nomes formam constelação: Raquel de Queiroz, com O quinze; José Lins do Rego, com o Menino de engenho, primeiro lance feliz seguido de todo um ciclo de aprofundamento da experiência de uma infância vivida em clima de patriarcalismo decadente; Jorge Amado, estreando com O país do carnaval, igualmente passo inicial de uma visão entre romântica e naturalista da sua Bahia... As obras- -primas não tardariam a chegar: São Bernardo, em 1934, e Vidas secas, em 1938, de Graciliano Ramos. O conjunto das obras, apesar da diferença de qualidade estética e dos desníveis de alcance ideológico, chama a atenção pelo que significava de reconhecimento de uma identidade física e social marginalizada: o Nordeste em face da crescente hegemonia do capitalismo industrial paulista. Não cabe aqui fazer o mapeamento das vertentes ideológicas em presença. A grande síntese de Gilberto Freyre, Casa grande & senzala, de 1933, deu substância a um pensamento entre realista (pela riqueza ímpar de observação) e conservador, pela apologia do estilo tradicional de vida no engenho. Do lado oposto, a exposição da pobreza em toda a região, ferida pela sobrevivência de uma semiescravidão, serviu para denunciar as iniquidades do sistema econômico e político, o que alentou uma posição de esquerda em alguns núcleos de intelectuais da província. Nessa rede de contrastes, a poesia regional de Jorge de Lima oscilou entre o saudosismo da paisagem natural e social vivida na infância e a denúncia da opressão que pesava sobre o negro, o cambembe e o proletário. Denúncia que se mostraria lancinante no seu romance Calunga, publicado em 1935, quadro sem retoques da miséria e da violência dominante no interior de Alagoas. Daí vem o duplo registro da escrita poética feita ora de evocação, ora de invocação. 

 Evocação e invocação A evocação dos lugares é aberta a referências que cumprem a função de ladrilhos de um mosaico entre pitoresco e sentimental: a estrada de ferro, então gerida pela GBWR, título de um poema tipicamente processional; os rios, “caminhos de minha terra”, as enchentes, as lagoas, a casa paterna fronteando a Serra da Barriga e os seus quilombos, os bairros de Salvador, o circo, as igrejinhas, tudo permeado de nostalgia e afeto. Predomina a sintaxe linear, parataxe que dá continuidade ao que seria, para o leitor, pura enumeração aparentemente aleatória, mas na verdade penetrada de um calor difuso que tudo unifica. Uma questão epistemológica talvez não fosse aqui de todo impertinente: seria esse painel de imagens construído na base de associações já feitas entre “conteúdos” estocados na memória do adulto, ou estamos diante de uma ativa intencionalidade da consciência, para usar da linguagem da fenomenologia de Husserl e Sartre, quando recusam a hipótese de uma imaginação passiva, que se alimentaria tão só, e necessariamente, de estímulos externos já prontos? (Sartre, 1965, p.139-59). Pela teoria da intencionalidade da consciência imagística, o mosaico é uma escolha poética deliberada, uma vontade-de-estilo, e não uma reação automática a determinados estímulos. A ser verdadeira, essa compreensão da imagem dá ao memorialismo dos poemas nordestinos de Jorge de Lima uma objetividade complexa, entranhada de subjetividade. Ao lado da evocação, em terceira pessoa, há a invocação, que pode ser definida como lembrança com uso da segunda pessoa. São situações e figuras extraídas empenhadamente da memória para entrarem em regime de presentificação. O exemplo forte é o admirável “Essa negra Fulô”, que abre os Novos poemas. Não por acaso, nesse texto, que virou antológico, Jorge de Lima trabalha motivos que seriam explorados nos Poemas negros, publicados anos depois. Tudo é belo e intenso na escrita e na dicção oral do poema. Fulô é flor negra, como trigueira será a rosa da “Ancila negra”. E é a força da sua presença ubíqua na vida da Sinhá e do Sinhô que move o apelo reiterado: “Ó Fulô! Ó Fulô!”. O vocativo ao mesmo tempo chama e potencia a imagem da escrava, que servia “no banguê dum meu avô”, e dá lugar à fala narrativa, outra conquista do poema. Cada chamamento, sempre vazado em redondilhos maiores, familiares à poesia popular luso-nordestina, remete a uma relação estreita da mucama com a intimidade corporal da senhora. Fulô faz a cama da Sinhá, penteia-lhe os cabelos, ajuda-a a despir-se, abana seu corpo suado, coça a sua coceira, cata cafuné, balança a rede e, para fazê-la dormir, conta-lhe histórias. Nessa altura o poema incorpora a recitação de antigos versos folclóricos. Primeiro, duas trovas encadeadas contando a lenda da princesa que possuía um vestido com os peixinhos do mar trazendo, na coda, a quadrinha que dá fecho e abre a porta para uma nova narrativa (“Entrou na perna de um pato – saiu na perna de um pinto – o Rei-Sinhô me mandou – que vos contasse mais cinco”). Depois, a quadra de embalo para fazer dormir os meninos: “Minha mãe me penteou – minha madrasta me enterrou – pelos figos da figueira – que o Sabiá beliscou”. Prenúncio dos castigos que a Sinhá vai infligir à mucama? O último movimento do poema é o reverso cruel da intimidade. Os objetos de adorno e luxo da sinhá somem, a culpa recai sobre Fulô. A proximidade dos corpos parece ter excitado o sadismo com que a senhora exercerá o poder sobre a escrava. A punição vai em crescendo, passa do açoite do feitor ao açoite do próprio Sinhô, que sucumbirá ao desejo de possuir a escrava, enfim acusada pela Sinhá de ter-lhe roubado o marido... Assim, a invocação da figura da mucama, acorde lírico inicial, se desdobrou em narrativa feita de situações de intimidade (cama, rede, sono, cafuné...), deteve-se na (re)citação da trova popular, para, enfim, reverter em acusação de roubo, com toda a carga perversa trazida pela iniquidade da assimetria social. Em suma, o que nos deu o poeta? Imagens intencionais da memória com função mimética, expressão de vivências sensuais ou agressivas e escrita configurada pelo metro popular em simetrias rítmicas e melódicas. Se “O mundo do menino impossível” significou a mudança consciente da poética de Jorge de Lima para o espírito e a letra do modernismo, “Essa negra Fulô” pode ser considerado a pedra angular de uma construção do que viria ser a chamada poesia negra, produzida ao longo dos anos 1930 e 1940, em consonância com um movimento poético afro-hispânico, que se consolidava nessas décadas. Remeto o leitor ao estudo abrangente de Vagner Camilo (2012-2013), que reconstrói o contexto (literário e ideológico) afro-americano e, em particular, afro-cubano em que se inserem parcialmente os Poemas negros. Creio que o procedimento de invocação, pela sua tendência individualizante, tenha sido um dos recursos mais fecundos da poesia negra de Jorge de Lima, na medida em que dele emergem seres humanos na sua complexa fisionomia de escravos e homens e mulheres portadores de uma tradição ao mesmo tempo vigorosa e recalcada. Chamá-los a ter presença no corpo da poesia culta é, apesar dos riscos ideológicos que essa operação comporta, um projeto ético e estético de sobrevivência, quando não de resistência. Os exemplos não são poucos. Ainda em Novos poemas: “Serra da Barriga” (“Te vejo na casa em que nasci. Que medo danado de negro fujão!”), “Comidas” (“Iaiá me coma/Sou quimbombô; Bahia, estas comidas têm mandinga”); “Inverno” (“Zefa, chegou o inverno!”); “Diabo brasileiro” (“Diabo brasileiro, quero saber quanto dá/ a dezena do carneiro”); “Joaquina Maluca” (“Joaquina maluca, você ficou lesa”); “Meus olhos” (“Nossa Senhora, minha madrinha/tu vês as coisas verdes, não é?”). Nordeste, terra de São Sol!: “Poema de Natal” (“Ó meu Jesus”); “Ave Maria” (“Boa tarde, ó meu caminho estreito”); “Poema relativo” (“Vem, ó bem amada”), “Mulher proletária” (“Mulher proletária/única fábrica/que o operário tem (fábrica de filhos)/tu...”); “Poema à irmã” (“Ó irmã/agora que as noites vêm cedo”); “Poema à bem-amada” (“Amada, não penses”); “Poema a Marcel Proust” (“Ó meu petit Proust”); “Poema à Pátria” (“Ó grande país”). Enfim, nos Poemas negros: “Banguê” (“Cadê você, meu país do Nordeste”); “Democracia” (“Ó Whitman”); “Ancila negra” (“Há ainda muita coisa a recalcar/Celidônia, ó linda moleca ioruba”); “Orambá é batizado” (“Pela fé de Zumbi te digo”); “Poema de encantação” (“Arraial d’Angola de Paracatu”); “Janaína” (“... Janaína, dá licença”); “Xangô” [invocação indireta]; “Olá! Negro” (“Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos”). Mediante o vocativo, ou apóstrofe, a linguagem move-se no regime exclamativo, que aproxima o sujeito do objeto, já então subjetivado enquanto interlocutor trazido pela voz lírica. Se a evocação conserva sempre alguma distância entre o memorialista e a figura lembrada, a invocação convoca a presença do outro, enlaçando-o, o que pode ser um primeiro passo para a identificação, virtual passagem para o estado de transe. Essa profunda sensação de empatia do poeta com figuras de ex-escravos que povoaram os seus verdes anos parece-me ter entrado na gênese da sua poesia religiosa, surreal ou hermética. O processo semântico abrangente chama-se, aqui, presentificação. Que pode envolver explicitamente o eu lírico, como em “Ancila negra”, “Poema da encantação”, “Rei é Oxalá, Rainha é Iemanjá” e na cadência final de “Janaína”, ou objetivar-se na ação da entidade sagrada, como em “Benedito Calunga”, “Quando ele vem”, “Xangô”, e na própria invocação do negro, que se dá em “Olá, Negro!”. Vejo em “Ancila negra”, a obra-prima dos Poemas negros, uma sutil combinação de imagem evocada e imagem invocada. A terceira pessoa em regime impessoal do verbo haver (“Há”) abre o poema com um acorde reflexivo que ressoará, quase bordão, em mais de uma estrofe: “Há ainda muita coisa a recalcar”, seguido do nome-vocativo e de seu aposto, “Celidônia, ó linda moleca ioruba”. A alternância (ela/tu) prossegue. A terceira pessoa enunciada pela desinência verbal do passado (embalou, acompanhou, contou) ao mesmo tempo se conserva e resvala para a esfera da memória até ceder à marcação da primeira pessoa: “que embalou minha rede”, “me acompanhou para a escola, – me contou histórias de bichos – quando eu era pequeno, – muito pequeno mesmo”. A partir da segunda estrofe, feita a apresentação evocativa, o poeta trabalha empenhadamente as formas da presença da moleca ioruba nas entranhas da sua vida de menino nordestino neto de senhores de engenho. A condição psicológica do recalque é explícita no refrão, mas não oblitera, antes provoca, a pulsão da memória afetiva, que lateja em todo o poema. O desejo da presença é força motriz que nada consegue reprimir. Daí a continuidade, tão bem marcada pelo gerúndio, das carícias de Celidônia, “as tuas mãos negras me alisando – os teus lábios roxos me bubuiando, quando eu era pequeno, – muito pequeno mesmo”. Celidônia, nome que traz em si a promessa de um dom do céu. Da profundidade do afeto nasce a palavra de encantamento: “ó linda mucama negra”, beleza que as metáforas exprimem em versos de amor e dor: “carne perdida, – noite estancada, – rosa trigueira, – maga primeira”. Por que perdida, por que estancada? O canto da beleza descanta sinais de morte. É o que a quarta estrofe dá em cadência narrativa: Há muita coisa a recalcar e esquecer: / o dia em que te afogaste / sem me avisar que ias morrer, / negra fugida na morte, / contadeira de histórias do teu reino, / anjo degredado para sempre, / Celidônia, Celidônia, Celidônia! De novo, a ingrata obsessão de reprimir, até o limite do esquecimento, o que no entanto está doridamente presente na alma do adulto que tudo lembra. A morte de Celidônia no fundo das águas revela, num átimo, a sua condição de negra fugida e para sempre exilada do seu reino – de onde ela trouxera histórias para contá-las ao menino pequeno, muito pequeno mesmo. O fecho do poema leva o pensamento à suspensão do tempo. “Nunca mais” e “para sempre” são expressões incisivas de um presente pleno de sentido: som e, mais que som, ressoo de um sino ouvido pelo memorialista parado na infância, imerso no encantamento do sono, para sempre. Nem sempre a presentificação da imagem conjurada se faz em primeira pessoa. A objetivação da figura de Benedito Calunga, no poema homônimo, anuncia o quase-transe que é o banzo do fiel tomado por Xangô. O nome já diz bastante do sincretismo que preside a religiosidade afro-nordestina: Benedito, homem bendito e bento como o santo lendário, padrinho celeste de batismo de tantos e tantos cativos e seus descendentes; Calunga, palavra de várias denotações, aqui provavelmente designando o negro pobre, o fiel sem eira nem beira, mas, em geral, pertencente à falange de Iemanjá (calunga também significa “mar”...). De todo modo, quando o nome “calunga” se reporta a alguma entidade secundária, só excepcionalmente recebe culto particular. Essa carência de força própria leva a entender o estado de derrelicção que marca no poema a figura de Benedito Calunga. Fraco, ele é avesso ao mal exorcizado nas figuras tenebrosas do papa-fumo, do pé de garrafa, do minhocão. Cativo sem amparo, foi seviciado pelo senhor branco que o ferrou como gado e o atou ao lumbambo. Significativamente, o calunga Benedito não se entregou à sedutora Iemanjá, mas tão somente a Xangô, rei potente de raios e tempestades, cujo banzo (mais que tristeza, paixão) o alforriou para sempre e o amuxilou, isto é, dele fez portador da vara listrada de preto e branco, o ixã, que afugenta os espíritos impertinentes. Quer-me parecer que tanto na história da moleca ioruba como na do calunga há sugestão de uma volta dos cativos ao seu reino de origem, mundo de entidades protetoras, às quais eles pertencem ou pela entrega à morte ou pela paixão da saudade, o banzo. No breve poema Maria Diamba, a escrava “só diante da ventania/ que ainda vem do Sudão;/falou que queria fugir/dos senhores e das judiarias deste mundo/para o sumidouro”.  A expressão veemente dos poderes sobrenaturais que levam ao transe ou à possessão se reconhece nos versos arroubados do poema “Quando ele vem”. O ritmo beira a alucinação em movimento. Quem vem no vento será um orixá, cuja presença irrompe no meio dos homens e os toma de assalto ensandecendo-os. Uma análise rítmica e fonética revelaria toda a riqueza dessa verdadeira tempestade sonora, provavelmente uma das mais expressivas da dicção afro-nordestina brasileira. A entidade ao mesmo tempo zune como o vento, devora quanto pode das iguarias baianas, alagoanas, pernambucanas... (caruru de peixe, efó de inhame, ogudé de banana, olubó de macaxeira, pimenta malagueta...), mas sobretudo apodera-se das almas dos seus crentes de tal modo que “Quando ele chega, tudo fica banzando à toa”. De novo, como na história de Benedito Calunga, o banzo conota um estado de corpo e de alma que arrasta ao delírio, à autodestruição, à luxúria desenfreada. Tristeza turva que se assemelha à perda da graça, tentação de pecado mortal, em termos de devoção cristã, pela cega violência que desencadeia nos sentimentos e atos dos que a experimentam. A intuição do caráter metafisicamente negativo do Mal como privação do bem e do ser (definição que lhe deu a teologia, de Agostinho a Tomás de Aquino) reponta na imagem do “oco do mundo”, o vazio abissal de onde “ele” vem: “Donde é que ele vem?/Vem de Oxalá, vem de Oxalá/vem do oco do mundo/ vem do assopro de Oxalá/ vem do oco do mundo”. Mas é um vazio esse oco do mundo que não implica a ausência da divindade, antes professa abertamente a sua presença originária atribuindo-lhe o nome sagrado de Oxalá, o criador e procriador. Que o sopro de Oxalá arranque do oco do mundo ventos destruidores, e seja, ao mesmo tempo, o orixá da criação, dá o que pensar, no caso, faz pensar no caráter dramaticamente contraditório de todas as forças naturais e sobrenaturais. Poemas negros tem por fecho “Olá, Negro!”: invoca as gerações descendentes de escravos e exalta a força de alma de um povo capaz de redimir generosamente a opressão a que o branco o submeteu durante séculos. Aqui não se trata de glosar o discurso neutro e conciliante da “contribuição” do negro à formação do homem brasileiro. Aqui a imagem da iniquidade irrompe com todas as letras: “a raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro”. O escravo aparece em suas múltiplas figuras: “Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi, negro-fujão, negro cativo, negro rebelde, negro cabinda, negro congo, negro ioruba”, e em seus múltiplos lugares de eito: “negro que foste para o algodão dos U.S.A., – para os canaviais do Brasil”. Mas a nota original do poema incide no poder transformador que exerce sobre “a alma branca cansada de todas as ferocidades” a alegria que emana dos jazzes e a gama de sentimentos expressos nos blues, songs, lundus. O riso franco, “a tua gargalhada que vem vindo”, junto com a música, vem iluminar as noites dos brancos. Essa é a figura que remata o poema, que poderá ser lido e contestado como ideologia ou aceito como esperançosa contraideologia, opções contrastantes que comprovariam a riqueza de significações da linguagem poética.  Poesia bíblica e cristã A biografia de Jorge de Lima e do seu dileto amigo e poeta Murilo Mendes atribui a conversão ao catolicismo de ambos à influência que neles exerceram a pessoa, a arte e o pensamento religioso de Ismael Nery. A morte deste original pintor surrealista, em 1934, teria sido decisiva para a criação do lema. “Restaurar a poesia em Cristo”, que presidiu a composição de Tempo e eternidade. O livro traz poemas de Jorge de Lima e de Murilo Mendes centrados em princípios de um fervoroso catolicismo e vazados em imagens do Antigo e do Novo Testamento. Mas, ao passo que são numerosos e reveladores os depoimentos que Murilo Mendes (1996) deixou encarecendo a presença de Ismael Nery na sua concepção de vida e de poesia, o testemunho de Jorge de Lima é escasso, embora expressivo.1 Lembro a dedicatória de Tempo e eternidade e a criação de Pintura em pânico, livro de fotomontagens certamente inspirado nos procedimentos artísticos de Nery. E esta referência, colhida em entrevista a Homero Sena: Pois num simples verso de Ismael Nery, que você pode ler aqui neste outro livro – “Meu Deus, para que puseste tantas almas num só corpo?” – sente-se a influência do escritor italiano [Pirandello]: após a fragmentação da personalidade, a tragédia de reconstituição da unidade, quando no mesmo poema exclama: Ó Deus estranho e misterioso, que só agora compreendo! Dai-me, como Vós tendes, o poder de criar corpos para as minhas almas. (Lima, 1985b, p.85) Como pensador, Ismael Nery concebeu um sistema que Murilo Mendes (1996, p.47-54) batizou de “essencialismo”. Não cabe aqui sequer tentar resumi-lo, o que em parte já foi feito pelo próprio Murilo de modo exemplarmente didático. Ao menos dois de seus princípios centrais parece-me que estão presentes, sob as espécies de imagens, na poesia religiosa de Jorge de Lima encetada pelos poemas de Tempo e eternidade e desdobrada em A túnica inconsútil e em Anunciação e encontro de Mira-Celi. O primeiro e mais fecundo princípio é o da “abstração do tempo e do espaço”. A matriz dessa suspensão de ambas as categorias é mística e encontra-se numa reflexão de Mestre Eckhart: Não há maior obstáculo para a alma, quando ela quer conhecer a Deus, do que o tempo e o espaço. O tempo e o espaço, com efeito, não passam de partes, enquanto Deus é a unidade. Para que a alma possa conhecer a Deus, é preciso que ela o conheça além do tempo e do espaço, porque Deus não é nem isto nem aquilo, como estas coisas diversas. Deus é Unidade. (apud Mendes, 1996, p.139) Nas palavras de Jorge de Lima: “Não me conformo nem com o espaço nem com o tempo. Nem com o limite de coisa alguma”. E adiante: “Ismael explicava- -nos sua vocação divina, sua inconformidade com o tempo e o espaço, a irreprimível necessidade que sentia de estar em todos os lugares ao mesmo tempo”. O segundo princípio, que Jorge de Lima já reconhecera no teatro de Pirandello, é o da multiplicidade inerente no interior de cada pessoa: as muitas ESTUDOS AVANÇADOS 30 (86), 2016 191 almas em um só corpo, e seu constante movimento, o que dá origem a combinações e metamorfoses surpreendentes. Processos surrealistas como deslocamentos, condensações e colagens constelam a expressão poética desse motivo recorrente no pensamento de Ismael Nery. É claro que não se deve reduzir a princípios abstratos a obra de Jorge de Lima escrita com o fim explícito de restaurar a poesia em Cristo. Entre o conceito e a forma poética, quantas mediações de imagem e de som! Mediações que são parte da força da imaginação e da música difusa nesse extraordinário poeta lírico. De todo modo, há convergência no trabalho de significação que envolve a intencionalidade dos motivos e temas. Na escrita singular de Jorge de Lima a suspensão do tempo em face da intuição da eternidade não decai à recusa maniqueísta do momento concretamente vivido pela natureza e pelo homem. Há sublimação, mas não há a tentativa inglória de supressão radical do espaço-tempo, a qual, de resto, teria inibido o afloramento de toda e qualquer imagem... A propósito, convém ler as agudas observações de Roger Bastide (1997, p.119- 41) a respeito da conservação das fontes populares e, especialmente, negras na poesia religiosa e metafísica de Jorge de Lima. O cosmos, criado por um Deus generoso, esplende nos versos de “Distribuição da Poesia”, sem que a beleza que dele emana, e que o poeta oferece ao Senhor, deixe de resistir no tempo e no espaço. Pelo contrário, a criação se dá ao poeta de forma sincrônica: a simultaneidade das imagens evocadas mimetiza o sentimento do perene que transcende a fugacidade dos momentos sucessivos no tempo do relógio. Em outras palavras: a eternidade supera – conservando dialeticamente – o tempo. Glosando a sentença tomista, se a alma supõe a existência material do corpo, a eternidade supõe a vigência do tempo: “Mel silvestre tirei das plantas/ sal tirei das águas, / luz tirei do céu./ Escutai, meus irmãos: poesia tirei de tudo para oferecer ao Senhor”. De todo modo sempre subsiste, depois da Queda, o “mundo”, na acepção joanina de locus originário do mal e da morte, da iniquidade e do medo, e, como tal, também pesa em alguns poemas como noturno caos, o outro lado do cosmos luminoso: “Capitão-mor, que noite escura/ desabou neste cais/ desabou neste caos!”. Cosmos de luz e caos trevoso convivem ora no regime do tempo, que de repente passa e muda de figura, ora ansiando pela irrupção do eterno, de onde procede a salvação bíblica e cristã. Os símbolos do tempo voraz são diversos: o vento, motivo recorrente de toda a poesia de Jorge de Lima, e que anima o mais belo dos poemas de Tempo e eternidade, “Na carreira do vento”; a tormenta, que tudo arrasa e a todos apavora; a tarde oculta em um “tempo” sem tempo, infinitamente vasto, onde os horizontes são as nuvens que fogem...; as estrelas já mortas, mas ainda cintilantes na noite escura, espaço negro e vazio, contíguo e contrário ao “sono iluminado 192 ESTUDOS AVANÇADOS 30 (86), 2016 que Deus me deu antes de me criar”. Coexistem tensamente esses fenômenos mutáveis do Tempo e o mistério do homem destinado ao infinito. “Obrigado, ó mortos. Da noite que vim/ pra noite que vou/ relâmpago de Deus - sou.” Ou: “Carne não me satisfaz./Não conheço coisas necessárias. / Tudo é casual neste charco. / Quero ser ensinado por Deus”. E há poemas em que é a oposição que avulta e torna-se agônica: “O poeta vence o tempo”, “O poeta diante de Deus”, “Os voos eram fora do tempo”, “Adeus, poesia”. Era de esperar que essa tensão entrasse também no reino deste mundo na forma de profecias apocalípticas. A História nos últimos dias será julgada para dar lugar à Parusia: “Eu vos anuncio a consolação” e “Sicut erat”: “Não precisarás de ponteiros para marcar o tempo”. Quanto ao segundo princípio, inspirado, por hipótese, no essencialismo de Ismael Nery (a multiplicação das almas no corpo e a respectiva metamorfose na percepção dos seres) realiza-se em A túnica inconsútil e no poema de Mira-Celi. A túnica de Cristo é una, sem emendas, ao passo que as roupagens do mundo são, como o tempo, inúmeras, fragmentadas, díspares. Não será fácil, talvez nem sequer necessário, separar abstratamente os dois princípios assinalados, quando se lê um poema de A túnica inconsútil, “Poema do Cristão”, que abre o livro. O descarte, que nele se opera, de toda ordem cronológica e de toda espacialização pontual combina-se com as transformações que sofrem os objetos da percepção. “A minha visão é universal/e tem dimensões que ninguém sabe./ Os milênios passados e os futuros/não me aturdem, porque nasço e nascerei,/porque sou uno com todas as criaturas,/com todos os seres, com todas as coisas/que eu decomponho e absorvo com os sentidos,/e compreendo com a inteligência/ configurada em Cristo.” A linguagem é assertiva, o tom é o de quem professa abertamente a sua crença e a subjetiva ao extremo: “estou molhado de limos primitivos/e ao mesmo tempo ressoo as trombetas finais (salto do Gênesis ao Apocalipse); opero transfusões de luz nos seres opacos”. Há poemas construídos em torno das mutações do cosmos: “Onde está o mar?”, “O novo poema do mar”, “A multiplicação das criaturas”, “O monumento votivo”, já plenamente surrealista apesar do imaginário católico tradicional que o constitui, do mesmo modo que se vale extensamente de figuras do Velho Testamento o poema “Sabereis que corri atrás da estrela”. O livro, em virtude do forte veio programático que o permeia, tem altos e baixos. Talvez o ponto mais alto tenha sido alcançado na criação de um poema de estrutura narrativa saliente, “A ave”, que, aliás, tem merecido a preferência da maioria dos seus leitores. Diversamente de boa parte dos poemas longos de A túnica inconsútil, “A Ave” mantém cerrada unidade temática não se dispersando em figuras aleatórias que, às vezes, interrompem o fluxo semântico do texto. Aqui há uma imagem ESTUDOS AVANÇADOS 30 (86), 2016 193 condutora, cuja presença lhe empresta o papel de verdadeira protagonista de uma narrativa bem articulada. Passo à glosa do texto. Os atributos da ave são bem delineados. Ela é estranha, desconhecida de todos, até mesmo dos homens do mar e dos andarilhos. A sua descrição, porém, foge a qualquer denotação realista, pois “era antropomorfa como um anjo e silenciosa como qualquer poeta”. A partir do décimo verso, “Primeiro pairou na grande cúpula do templo”, a ave, embora habitante de outros climas, deseja entrar em contacto com o mundo dos homens. Pousa no lugar sagrado, de onde é tangida pelo sacerdote, assim como seria enxotada do farol, sem que ninguém quisesse alimentá-la ou sequer acolhê-la com benevolência. O poema avança pela dramatização da recusa: a ave é demonizada pelas mães que temem algum malefício que sobrevenha aos filhos, caso se abriguem à sombra das suas asas. Todos os males lhe são imputados: a enchente, a seca, a morte dos cordeiros. Negam-lhe até a água, e ela tomba em terra “como um Sansão sem vida”. Nos versos finais, a ave morta é descoberta por um pescador e santificada pela evocação dos benefícios que prestara em vida: levara ovos aos anacoretas, cedera as penas para o gibão do mendigo... Enfim, o chefe do povo reconhece-a como o rei das aves, “que desconhecemos”. O final surpreende e comove pelo acento afetuoso das palavras ditas pelo filho mais moço do chefe: “Dai-me as penas para eu escrever a minha vida/ tão igual à da ave em que me vejo/ mais do que me vejo em ti, meu pai”. Consuma-se a identificação que se segue à lembrança viva da ave morta. O jovem que assim fala era “sozinho e manso” como a ave rediviva no seu coração. No contexto religioso de A túnica inconsútil, teríamos aqui uma alegoria da vida, paixão, morte de Cristo? É uma leitura possível, senão provável. Não faltam sinais de afinidade com a narrativa do Novo Testamento. A ave procede de uma “outra atmosfera”, de um “outro mistério” e vem a este mundo. E “o mundo”, como está dito na abertura do evangelho de João a respeito de Jesus, “não o conheceu”. A rejeição é violenta por parte dos sumos sacerdotes que não toleram vê-lo pregando no templo, o expulsam e tentam lapidá-lo (João, 10, 31). A ave tem forma humana como antropomorfa é a divindade que, pela encarnação, “se fez homem e habitou entre nós” (João, 1, 14). Em ambas as narrativas, há o momento em que acusam o estranho de ter poderes demoníacos. Solitários e desamparados, ninguém lhes oferece abrigo, não tendo, como diz o Filho do Homem , onde repousar a cabeça (Mateus, 8, 9). E à ave... “ninguém lhe ofereceu um pedaço de pão, ou um gesto suave onde se dependurasse”. A ave morreu de sede: uma das últimas palavras de Cristo na cruz foi “Tenho sede” (João, 19, 28). A ambos negaram água. Na Escritura a ressurreição segue-se à morte. No poema, a ave morta ressurge na memória dos que receberam suas graças. Tardiamente, o chefe a reconhece como rei das aves, mas cabe a seu filho, “sozinho e manso”, reconhecer-se a si mesmo na ave, mais do que na imagem do próprio pai: “Dá-me as penas 194 ESTUDOS AVANÇADOS 30 (86), 2016 para eu escrever a minha vida/ tão igual à da ave em que me vejo/ mais do que me vejo a ti, meu pai”. Um ato de identificação gerado pelo amor e não pelo sangue. O risco do pensamento alegórico é conhecido: trata-se de um procedimento comparativo que tende a fechar o universo da significação na medida em que remete a um “outro discurso”, como ensina a etimologia mesma da palavra. O símbolo, em compensação, embora tenda igualmente a aproximar duas expressões diferentes mediante o escavamento de suas semelhanças, teria a faculdade de abrir-se a várias conotações. O pensamento simbolizador admite mais de uma significação possível, ao passo que a alegoria aperta os laços que, por hipótese, atam a imagem a um determinado conceito. Talvez não seja forçar os termos de uma definição dizer que a alegoria é uma variante concentrada e unidimensional do pensamento simbólico. Essas considerações têm por objetivo sugerir que pode haver outras interpretações de A Ave, que dariam ênfase a outros perfis do poema e a outras afinidades latentes. A questão se torna particularmente viva quando temos pela frente uma das obras mais enigmáticas de Jorge de Lima, Anunciação e encontro de Mira-Celi. Mira-Celi A decifração desse livro singular é tarefa difícil, mas o intérprete desnorteado consola-se de seu embaraço ao ler o artigo que Jorge de Lima escreveu para a revista Vamos Ler, em 16 de março de 1943, sob o título “Explicação de Mira-Celi”. Começa dizendo: “Acho dificuldade de explicar à professora americana a vida de Mira-Celi. A vida, a origem, os jogos, o conhecimento dela, tudo inexplicável”. O texto continua, dando a entender que se trata de uma entidade fugidia, vinda provavelmente da eternidade, e que aparece a seu bel-prazer, mas de preferência nos momentos de solidão e febre do poeta. A sua esquivança deixa o leitor perplexo e o convida a percorrer os 59 poemas que compõem o livro, e que dão a impressão de serem partes de um conjunto coeso, e não textos independentes. No encalço de um motivo condutor, o que sugere aparência de unidade é a recorrente pergunta sobre a natureza mesma de Mira-Celi, questão afim à do significado que assume para o poeta. O poema de número 2 abre-se com uma definição assertiva: Tu és, ó Mira-Celi, a repercutida e o laitmotivo / que aparece ao longo do meu poema. Cabe a interrogação: essa presença constante, que remete a um ser (um espírito, uma força natural ou sobrenatural) viveria, de algum modo, fora ou dentro do sujeito lírico? Ambas as condições de existência estão configuradas no poema: Dentro: “Nele [no meu poema] estás construída à semelhança de um imenso órgão/ movimentado pelo meu espírito”.  Fora: “Ora és sacerdotisa, musa, louca ou apenas ave”, Dentro e fora: Pouca gente encontrará a chave deste mistério./ E os olhos que perpassarem através de tantos poemas que não/ findam e que se transformam de momento a momento,/ não compreenderão o movimento perpétuo/ em que nos perseguimos e nos superpomos./ Outras vezes as minhas mãos são um disfarce de ti,/ escrevendo a tua história ou me sustentando a face. Reversibilidade que, dependendo do contexto, aponta o eu como condição da existência de Mira-Celi, ou faz desta uma força transcendente que o toma de assalto e o inspira. Tangenciamos aqui uma das matrizes românticas e simbolistas da crença na inspiração como fonte inconsciente do poema. Se esta é uma das missões inegáveis de Mira-Celi, convém, sempre no clima da reversibilidade, distinguir dois vetores complementares da inspiração: Mira-Celi é inspiração do poeta. Trata-se do procedimento sintático classificado como genitivo subjetivo: a inspiração provém do eu lírico, sua fonte e gênese nele demoram. Na outra ponta, Mira-Celi é inspiração para o poeta, genitivo objetivo: o que transcende a pessoa do artista é força que a preenche e inspira. O transcendente vai ao encontro da imanência, o objeto norteia e guia o sujeito. Nas palavras de Jorge de Lima, sempre mais fecundas do que a prosa que tenta interpretá-las: “Quase sempre te transformo para te distribuir / e quando me resta uma única migalha, reconstruo-te como uma catedral e alimento-te como uma criancinha”. Não creio que haja nesta multifacetada invocação de Mira-Celi margem para reduzi-la à figura da Musa ou a alguma outra alegoria unidimensional. Mesmo quando o poeta a chama abertamente de “cristocêntrica”, como o faz no quinto poema, a polivalência simbólica rege o apelo a essa figura, que reaparecerá em mais de uma passagem de Invenção de Orfeu. De certo modo, o sentido do transcendente calado na História lembra a síntese de Teilhard de Chardin, pela qual o cosmos se move na direção do ponto ômega da consciência em Cristo: Quando te aproximas do mundo, Mira-Celi, /sinto a sarça de Deus arder em círculo, sobre mim. (poema 6) Há quantos milênios bate no meu barro o vosso diapasão de luz? / Adonai, vejo presenças nas ventanias. / são vossas mãos por acaso ou vossa túnica multiplicada,/ ou apenas Mira-Celi, a de fogo e música, a reclusa e onipresente? (poema 50) Livro de sonetos Dois caminhos concorrem para desvendar os significados expressos ao longo do Livro dos sonetos. Pode-se começar pelo mais viável: a procura dos motivos recorrentes que formam, às vezes, breves ciclos temáticos. Um exemplo feliz desse procedimento é o estudo de Ana Maria Paulino (1995), que se detém no exame de núcleos semânticos, de resto disseminados em quase todas as obras de Jorge de Lima: sono e sonho, memória da infância, mar, morte, musa, candeeiro... O elenco poderia enriquecer-se com outros apoios referenciais que constelam o amplo imaginário do poeta: a noite, as ilhas, as aves, o galo, cavalos encantados, a lâmpada marinha, a rosa, a bem-amada, a eterna infanta... Os riscos eventuais desse caminho (o que não impede de percorrê-lo) são os desvios de rota que nos fazem cair na dispersão analítica ou na exegese do todo a partir do fragmento. O outro modo de ler o Livro de sonetos é aprofundar a análise da forma viva interna que anima cada motivo e lhe concede o estatuto de criação poética. Trata-se aqui do conhecimento da imagem. No seu ensaio denso e arguto, O engenheiro noturno, Fábio de Souza Andrade (1997) elegeu essa estrada real que o conduziu a uma interpretação original do Livro de Sonetos e Invenção de Orfeu. Considerando os vetores de cada um dos métodos, pode-se concluir que ambos acabam construindo um todo indivisível. Imaginário e imagem, o universo figural do poema e o seu procedimento estruturante remetem um ao outro na hora da interpretação do texto. A sua estreita afinidade tem por matriz “a rainha das faculdades da alma”, expressão com que Baudelaire define a imaginação. Sigo de perto algumas passagens do poeta-crítico extraídas de suas “Curiosidades estéticas”: Misteriosa faculdade esta rainha das faculdades! Ela afeta todas as outras; ela as excita, leva-as ao combate. [...] Ela é a análise, ela é a síntese; e no entanto homens peritos na análise e suficientemente aptos para fazer um resumo podem ser desprovidos de imaginação. Ela é isso, mas não é completamente isso. É a sensibilidade e contudo há pessoas muito sensíveis, demasiado sensíveis talvez, que dela carecem. Foi a imaginação que ensinou ao homem o sentido moral da cor, do contorno, do som e do perfume. Ela criou, no começo do mundo, a analogia e a metáfora. Ela decompõe toda a criação, e, com os materiais acumulados e dispostos segundo regras cuja origem só se pode encontrar no mais fundo da alma, ela cria um mundo novo, produz a sensação do novo. Como ela criou o mundo (pode-se decerto dizê-lo, até mesmo em um sentido religioso), é justo que ela o governe. [...] A imaginação é a rainha do verdadeiro, e o possível é uma das províncias do verdadeiro. Ela é positivamente aparentada com o infinito. [...] O governo da imaginação Ontem à noite, depois de ter enviado as últimas páginas de minha carta, em que eu havia escrito, mas não sem certa timidez: Como a imaginação criou o mundo, ela o governa, eu folheava a Face nocturne de la Nature, e me deparei com estas linhas, que cito unicamente porque são a perífrase justificativa da linha que me inquietava: “By imagination, I do not simply mean the common notion implied by that much abused word, which is only fancy, but the constructive imagination, which is much higher function, and which, in as much the man is made in the likeness of God, bears a distinct relation to the sublime power by which the Creator projects, creates and upholds his universe.” Por imaginação eu não quero somente exprimir a ideia comum implicada na palavra de que se faz tão grande abuso, a qual é simplesmente fantasia, mas justamente a imaginação criadora [note-se como Baudelaire traduziu o original inglês “constructive” AB), que é uma função muito mais elevada, e que, na medida em que o homem é feito à semelhança de Deus, guarda uma relação distinta com essa potência sublime pela qual o Criador concebe, cria e mantém esse universo. (Baudelaire, 1951, p.764-72) Baudelaire retoma e salienta a distinção originariamente romântica entre a imaginação reprodutiva, colada à representação do real, e a imaginação produtiva, que o texto inglês chama “construtiva”, e que o poeta traduz como “criadora”. Se atentarmos para a qualidade da imagem presente no Livro dos sonetos, concluiremos, à primeira vista, que é essa última que constitui o procedimento corrente em quase toda obra. Jorge de Lima constrói sistematicamente o que Baudelaire considera criação de um mundo novo, tão verdadeiro como o que nos é dado pela percepção cotidiana. Não me deterei aqui na rede de influências ou afinidades desse potenciamento da imagem inerente à poesia de Jorge de Lima. Romantismo, simbolismo, expressionismo (no caso da sua pintura), surrealismo, hermetismo e até mesmo barroco, tudo permeado de ardente fé cristã: eis os movimentos literários e culturais que tem sido assinalados para situar o poeta na história da cultura brasileira e, lato sensu, ocidental. Creio que será sempre plausível descobrir no seu itinerário poético traços deste ou daquele estilo de época. Romântica é a sua aberta preferência pela expressão das instâncias subjetivas ou líricas da poesia. Simbolista o tom solene e a dicção elevada dos sonetos. Surrealista a atmosfera onírica e febril, bem como o procedimento de colagem das figuras que aparenta a poesia e as fotomontagens. Hermético é o sentido difícil de precisar de tantas de suas aproximações verbais aparentemente aleatórias. Enfim, barroca seria a própria proliferação de imagens, analogias e metáforas que vai em crescendo do Livro dos sonetos até Invenção de Orfeu. Mas à medida que se afunila o estudo do seu imaginário e dos seus meios estilísticos, deparamos com a voz singular de uma persona inconfundível. E esbatem-se no quadro do discurso crítico as classificações histórico-literárias e as tentativas de fazer tipologias psicanalíticas. Até mesmo a pertença do homem público Jorge de Lima a uma corrente renovadora do catolicismo social deve ser relativizada enquanto fator externo gerador de poesia. A chamada conversão de Jorge de Lima, simultânea à de Murilo Mendes, e confessadamente inspirada na religiosidade cristã de Ismael Nery, tem raízes no chamado “renouveau catholique”, do primeiro quartel do século XX. Em termos literários, se expressou na poesia de Péguy, no romance de Bernanos e no teatro de Claudel. Ideologicamente só Péguy inclinou-se para o socialismo, e certamente vem dele a denúncia da exploração do proletário, que se encontra na poesia regional, negra e, a espaços, na vertente religiosa do nosso poeta. No entanto, seria forçar a mão estabelecer conexões estreitas entre a difusa mentalidade anticapitalista católica (encontrável também em alguns círculos ultraconservadores, aos quais Jorge de Lima nunca aderiu) e o imaginário entre místico e apocalíptico dos seus últimos livros. A sua visão de mundo, expressão aqui mais adequada do que a sua ideologia, tem a ver com os dogmas centrais do catolicismo ortodoxo: o “mundo” e o “reino deste mundo” estão contaminados pela Queda, enquanto universo da violência, do poder e da iniquidade. Desse magma obscuro, de que o demônio é o príncipe, veio salvar-nos Cristo, Filho de Deus e Filho do homem (ambas as denominações constam nos evangelhos), mediante a graça concedida a todos os homens de boa vontade. Mas este mundo e o reino de Deus estão misturados, de onde a perene contradição em que se debatem todas as gerações. No último horizonte há a perspectiva de um juízo final, precedido de anos apocalípticos, nos quais homem e natureza padecerão de males devastadores. O simples enunciado dessa revelação é o bastante para compreender o vetor suprapolítico (embora não necessariamente apolítico) da esperança escatológica, voltada para um tempo de redenção que rematará a história sofrida da humanidade. Nessa ordem de considerações, entende-se também o teor visionário de tantas imagens constantes do Livro de sonetos. Imaginação produtiva, construtiva e criadora, segundo as reflexões de Baudelaire, na medida em que se trata de imagens concebidas pela visão de um futuro inteiramente constituído pelo desejo (ou pela aversão) do poeta. O que não lhes tira a qualidade de reais, se é verdade que toda imagem denota algum fenômeno percebido ou rememorado. Cabe aqui uma observação sobre dois sentidos da palavra visão: faculdade de ver os objetos do mundo exterior, sinônimo de percepção realista; e aparecimento, epifania, que pode ocorrer com seres anômalos ou extraordinários, videntes, visionários, santos... e alguns artistas e poetas. Essa bivalência do termo visão remete à dualidade do termo “imagem”, que pode reportar-se, como se viu linhas acima, ora ao objeto da percepção comum, socializada, ora a uma intencional construção-criação da mente poética. Entramos, nesta altura, em pleno debate entre realistas e surrealistas. Ancorados no trabalho da imaginação durante os sonhos e, complementarmente, no arbítrio do artista que faz colagens de corpos, cenas e quadros com vistas à produção de novas figuras, os surrealistas preconizam literalmente a criação de uma nova e suprarrealidade. Para tanto, faz-se necessário que a imaginação se valha das percepções da vigília ou do devaneio para combiná-las, desconstruí-las e reconstruí-las como um novo demiurgo que tira da sua vontade e do inconsciente mundos paralelos ao do bom senso convencional. No limite, os efeitos desse processo combinatório podem despertar no leitor a suspeita de que se trata de um hermetismo programado, o que, no caso de Jorge de Lima, me pareceria um juízo equivocado. Prefiro atribuir a gênese da escrita enigmática em parte ao “estado hipnagógico” em que, em dois meses de febre e sedação, ele escreveu os 78 sonetos deste Livro repleto de visões, algumas alucinadas, outras dotadas de serena harmonia.2 No quarto soneto, “Sei Teu grito profundo...”, a alma confessa ao Cristo crucificado (Ó Desnudado) o seu estado de derrelição. O motivo tem raízes na literatura mística do outono da Idade Média, de que a Imitação de Cristo é o mais perfeito modelo. A originalidade do soneto está na profusão de imagens, verdadeiras células metafóricas. A alma sabe-se presa à raiz divina da qual tudo recebeu: origem, patas, asas, enumeração insólita, que aproxima a gravidade animal das patas e a graça aérea das asas, atributos contraditórios do ser decaído e redimido. Não se detém aí a imaginação construtiva do poeta: ele compara-se à “pobre enguia de águas rasas”, ao passo que de Cristo diz que é o “Nazareno dos lagos e lume primo”, reunindo pecador e redentor mediante a parábola evangélica do joio misturado ao trigo até que o Juízo Final os separe. O fecho é à primeira vista hermético: “Ó Desnudado! é meu todo o disfarce/em revelar os tempos que persigo/- na vazante maré com inversa proa”. A alma, diferentemente da divindade que nada oculta, dissimula (disfarça) a sua condição de homem vivendo à mercê da corrente do tempo e encalhado na maré baixa em barco sem norte (inversa proa). A face temível dos tempos derradeiros está manifesta em um soneto coesamente armado: “Se a estrela de absinto desabar”. Todos os signos, concebidos por uma imaginação febril, prenunciam a agonia do universo. Nenhuma glosa prosaica pode substituir a leitura integral do soneto: Se a estrela de absinto desabar terei pena das águas sempre vivas porque um torpor virá do céu ao mar amortecer o pêndulo das vidas. Sob o livor da morte coisas idas já são as coisas deste mundo. No ar as vozes claras, tristes e exauridas. Há sombras ocultando a luz solar. Galopes surdos, cascos como goma. Viscosos seres, dedos de medusas Contando silenciosos coisas nulas. Verdoengo e mole um ser estranho soma: Crânios como algas, vísceras confusas, massas embranquecidas de medulas. As sonoridades escuras, surdas, cavas, em sintonia com o lívido torpor das imagens provêm da peculiar condição do poeta, médico de enfermos terminais, debruçado sobre corpos na decomposição da agonia, e crente visionário das cenas figuradas no Apocalipse de João, também chamado Livro da Revelação.3 Não se trata, evidentemente, de um texto isolado. O mesmo pressentimento de uma hora fatal, convertida em tempo de agora pelo poder da visão, aproxima quatro sonetos seguidos. “O horizonte era estreito”, que termina assim: “O oceano apodreceu no próprio leito,/ e uma lava comum, estranha lava/de loucura inundou bestas e gênios”; o soneto “O mundo estanque, o céu alucinado,/o olhar vítreo de Deus furando o tempo”; o soneto “Tudo estancara. Eu mesmo. Do alto vi-me”; e “Sentado em pirâmides vulgares”, cujo terceto final trai o desejo de ver a catástrofe universal: “Quero assistir ao trágico desfecho/desse último espetáculo encantado /que irá encher espaço, terra e mares”. A concorrência de visão e transformação move-se no limite do que seria uma poética surrealista difusa no Livro de sonetos. É o que sugere o soneto “A torre de marfim, a torre alada” na procissão de imagens em perpétuo movimento: A torre de marfim, a torre alada, esguia e cinza sob o céu cinzento, corredores de bruma congelada, galerias de sombras e lamentos. A torre de marfim fez-se esqueleto E o esqueleto desfez-se num momento, Ó! Não julgueis as coisas pelo aspecto, que as coisas mudam como muda o vento. E com o vento revive o que era inerme. Os peixes também podem criar asas, as asas brancas podem gerar vermes. Olhei a torre de marfim exangue e vi a torre transformar-se em brasa e a brasa rubra transformar-se em sangue. O anúncio do desfecho de toda a história não é única missão do poeta visionário. Há também a hora de contemplar a luta que se trava no meio do caminho. O soneto “Há cavalos noturnos, mel e fel” sobressai pela densa concisão com que trabalha o tema do embate das forças do bem e do mal, unindo a imagem sobrenatural do Arcanjo Miguel com o ícone do grande visionário da tradição literária, o Quixote de Miguel de Cervantes. Há cavalos noturnos: mel e fel. O cavalo que vai com Satanás e o cavalo que vai com São Miguel. O cavalo do santo vai atrás, e vai na frente a azêmola cruel. Mas vão os dois e cada qual com um ás. No cavalo da frente o atro anjo infiel com façanhas de guerra se compraz. São Miguel de la Mancha, D. Quixote, Garcia Lorca viu-te, vejo-te eu na luta igual com o ás da negação, arremeter com lança em riste e archote. E ao fim de tudo há um anjo que venceu: Tu, D. Quixote da Anunciação. Algumas observações tópicas: “Há cavalos noturnos: mel e fel”. Mel e fel – a suprema doçura e o amargor extremo, contrários e contíguos na vida e no verso. Bem e mal cavalgam na noite, pois os cavalos são noturnos e escura é a travessia em que transcorre a história dos homens. Adiante, com a sobriedade da denotação clássica, vêm os nomes dos cavaleiros. São dois anjos: aquele a quem foi dada a primazia no governo do mundo, Lúcifer, degradado em Satanás; e aquele que luta contra os poderes das trevas, audaz, mas sem violência, São Miguel. “O cavalo do santo vai atrás”. Indício da arrogância e açodamento do Mal ou sinal da primazia do tentador durante o percurso que nos foi traçado entre o nascer e o morrer? Haverá alguma ênfase intencional neste enunciado da posição dos ginetes. A rigor, não seria logicamente necessário dizer que vai na frente a azêmola cruel. Mas quanto se perderia se fosse omitida a palavra árabe, rara e expressiva, que marcou, desde a Idade Média, a inferioridade da raça, sendo azêmola sinônimo de besta, animal rude e tosco, se comparado à fiel nobreza do corcel! “Mas vão os dois e cada qual com um ás”. A disparidade das montarias é contrabalançada pelo valor atribuído aos cavaleiros. A conjunção “mas” adverte que cada um ostenta a mesma qualidade mestra de ás. A diferença, porém, re- ponta, e é tudo. O cavaleiro da frente, com ser anjo, é não só atro como infiel, enquanto transgressor da lei divina e causa da queda das primeiras criaturas. “Infiel” traz em si os fonemas de fel. A rima final do segundo quarteto (ás- -compraz) é um achado semântico-sonoro, denunciando o ânimo belicoso do anjo do Mal que com façanhas de guerra se compraz. Os tercetos dizem, dentro de um período fortemente articulado, o essencial do combate. O arcanjo Miguel desce da transcendência para entrar na alma do criador do mais puro dos cavaleiros. É São Miguel de la Mancha (assim nomeado, em castelhano), incorporado, por meio de um aposto, à sua inseparável criatura, Dom Quixote. O poeta irmana-se com outro grande poeta da Espanha, Garcia Lorca, na sua visão do arcanjo figurada no Romancero Gitano (“Garcia Lorca viu-te, vejo-te eu”). Um deslocamento temporal avizinha a luta de São Miguel com os feitos do Quixote, “que arremete com lança em riste e archote” contra o “ás da negação”. Na hora da vitória final, a identificação é explícita: “E ao fim de tudo há um anjo que venceu: Tu, D. Quixote da Anunciação”. Por um equívoco feliz, ou escolha voluntária, Jorge de Lima atribui ao Arcanjo Miguel a missão de anunciar à Virgem Maria que ela dará a luz ao Messias, o que, no texto evangélico, é confiado ao Arcanjo Gabriel (Lucas, 1, 26). De todo modo, o que importa é o gesto poético de fundir a imagem do anjo lutador com a do Cavaleiro da Mancha, deixando implícito que se trata de combatentes fiéis, refratários à violência. De um lado, a serena nobreza de Miguel que, segundo a Epístola de São Judas (1, 9), vence o Maligno, mas abstém-se de injuriá-lo e infamá-lo (“finge una cólera dulce”, diz Lorca ao descobri-lo em um altar cigano); de outro lado, a alma alevantada do Quixote, incapaz do mínimo ato de egoísmo ou vilania, percorrendo o mundo para restaurar a justiça e o respeito violados por inimigos ignóbeis. Junto às fontes da lírica: a infância, a amada Não só de visões transcendentes e do embate entre o Bem e o Mal extrai Jorge de Lima a matéria-prima do Livro de sonetos. Sendo um poeta eminentemente lírico, a sua imaginação também desce ao próprio passado e, como nas primeiras obras afetadas pelo modernismo regionalista, traz da infância motivos condutores de mais de um poema. Embora o Livro de Sonetos não se disponha em ordem narrativa ou temática, não deixa de ser digno de nota o fato de os sonetos da infância virem só no último terço da série. Mas, quando chegam, é como se emergissem, um após outro, jorrando do poço da memória prestes a transbordar. As figuras evocadas passam a ter nome e história e o desejo de fixá-las modula-se ora em forma interrogativa (“Onde está o Marão?”), ora em torneios puramente narrativos: “/ Eu fui de lá. Minha avó era fiandeira. Ouvi romances./ Chorei Páscoas, nadei por vários poços”; ora, enfim, com entoação exclamativa: “Ó meninos, ó noites, ó sobrados!” Este último verso repete o final de outro soneto evocativo:  Nas noites enluaradas cabeleiras das moças debruçadas, dos sobrados desciam como gatas borralheiras por sobre os nossos lábios descuidados. Talvez seja possível estender à criação poética o que a observação empírica nos sugere em termos da insistente repetição com que figuras e cenas da infância acorrem à mente do adulto. No imaginário evocativo da meninice Jorge de Lima alcança um alto nível de redundância. Palavras, frases, às vezes períodos inteiros assinalam a presença obsessiva de seres que povoaram os seus primeiros anos em Alagoas. De tudo faz o poeta matéria de poesia: noites enluaradas, meninas e meninos no sobrado, o avô morto, a avó fiandeira, a draga na maré baixa (“Lembras-te, meu irmão, da draga morta?”), o Marão, onde o menino mourejou, a esfera armilar e o candeeiro antigo, os galos e o seu canto. Mas, de repente, a névoa da memória... Ao lado da nítida rememoração surge o encontro com o tempo roaz, irreversível. É o risco do esquecimento, a queda no vazio que assombra, quando não apaga cada figura e cada cena vivida nos verdes anos. Neste soneto o desaparecimento do passado atinge não só a história familiar, mas também a dos nautas e descobridores lusitanos, de onde o intertexto camoniano, que voltará em mais de um passo da Invenção de Orfeu: Virado para o Marão o avô morrido/ e o pai deste Nordeste sepultado./ Rio Lima e Mundaú. O filho nado/ em limo e sal do mar sobrevivido.// Nem da roda de fiar da avó, o ouvido/ conserva do som. Silêncio. O céu calado./Descobridor do oceano submergido,/ navegante do rio emparedado.// Sôbolos rios e sôbolos oceanos,/ só uma sombra de nauta fragmentada/ no roteiro dos mares lusitanos.//O restante é oceania naufragada:/cavernas de nau, âncoras e gáveas./ Dessa vasa salobra a morte lave-as. Enfim, o melos, a música da lírica amorosa, que nos sonetos é pouca, mas intensa, pois testemunha o desejo sublimado de tornar presente a amada para sempre ausente: E esta angústia de te recompor, traço a traço, tua boca dolorosa (fonte que se exauriu), teu rosto escasso, ó musa angelical, airosa rosa! Quando li, pela primeira vez, os sonetos da amada ausente, figurada na imagem enigmática da infanta defunta, veio-me à memória a poesia de amor, igualmente sublimado, de Alphonsus de Guimaraens. O sentimento de fundo é o mesmo, semelhante é a forma clássica dos decassílabos, idêntico o procedimento que evita a descrição precisa preferindo a “melodiosa dança” das aparências.

terça-feira, 7 de abril de 2020

DIVERSAS FUNÇÕES NO CINEMA

Beto Magno e Chico Argueiro


Beto Magno


Diretor de cinema / Cineasta  

É o profissional que transforma um roteiro literário adaptado de uma obra anterior ou não, fato verídico ou totalmente ficcional, em imagens cinematográficas, com a participação de uma equipe de vários especialistas técnico-artísticos, narrando a sua história em curta ou longa duração para ser projetada em salas de cinema, emissoras de televisão ou quaisquer meios de exibição que venham a ser inventados. O seu trabalho consiste em participar de todos os preparativos: escolha de elenco, de locações ou cenários, figurinos, textura fotográfica, trilha sonora, efeitos especiais, detalhamento plano a plano e planejamento das filmagens. Durante as filmagens, ensaia e dirige os atores nas cenas previstas no roteiro seguindo o planejamento aprovado anteriormente com o diretor de produção do filme. Em uma equipe, ele é o líder criativo do processo, orquestrando o andamento das demais funções. Concluídas as filmagens, participa da finalização técnico-artística do filme. Assiste aos copiões (filmes revelados e copiados em estado bruto) e, em seguida, dirige os trabalhos de montagem dos planos realizados fracionadamente numa narrativa contínua. Nesta etapa, escolhe a trilha musical e possíveis efeitos de laboratório ou estúdio de som. Quando todas as pistas sonoras estão concluídas (diálogos, ruídos, música etc.) acompanha a mixagem e a cópia final para exibição. Um filme pode ser realizado em 6 meses: da criação do roteiro, passando pela preparação, filmagens e finalização. Para exercer esta função, o profissional deve frequentar uma escola de cinema ou de comunicação na especialidade, visando futuramente, através de estágios, conseguir a prática e a formação necessárias para dirigir o seu primeiro filme. Uma das carreiras de acesso à direção é a assistência de direção.

 Continuísmo 

 É a atividade conhecida internacionalmente no meio cinematográfico como script girl e boy script (quando executado por homens). É o profissional que mantém a unidade dramática do filme registrado em trechos (planos). Classifica, organiza e identifica esses planos por números, possibilitando o seu controle na execução (com mesma referência para todos os departamentos da equipe: figurino, maquiagem, contra-regra, elenco, etc.), nos serviços de laboratório, telecinagem e montagem. Essa relação de continuidade que controla pode ser temporal, espacial de posição ou movimento. No set, ele secretaria toda a equipe técnica, anotando tudo que envolve a fotografia e a câmera em cada plano (lentes, estoque de filme, rolos em revelação, rolos rodados, distâncias e alturas de câmeras, material de maquinaria empregado no plano, filtros, diafragma, temperatura de cor ou quaisquer observações determinadas pelo diretor de fotografia). Assim como subsidia o diretor do filme com tudo que possa relacionar-se à continuidade entre os planos a serem filmados e à decupagem previamente feita do roteiro. É responsável pela clareza da narrativa, por isso controla a execução dos planos que integram a decupagem proposta pelo diretor do roteiro. Não pode deixar que faltem planos para a montagem ou que não se interliguem. Auxilia a produção no controle e tráfego dos negativos virgens, expostos a serem enviados para revelar nos laboratórios, a telecinagem e posteriormente a montagem. Elabora as folhas de continuidade, supervisiona os boletins de câmera e som. Executa as claquetes, controla o seu conteúdo a cada plano. Participa da etapa de preparação do filme no detalhamento técnico de: figurinos, objetos de cena, veículos empregados na cena, locações adaptadas e personagens. Atua em parceria com o diretor do filme, o seu primeiro assistente e o diretor de produção na visita às locações, na decupagem plano a plano do filme. Suas tarefas se encerram após as filmagens e a revisão de todos os copiões do material filmado. Sua formação pode ser alcançada em uma escola de cinema, estágios em ilhas de edição ou salas de montagem, curso de montagem e muita leitura sobre linguagem cinematográfica. Deve ser uma pessoa de espírito prático, organizada e com muito senso de observação. 

 Diretor de fotografia

É o técnico de cinema e vídeo responsável pelas imagens de um produto audiovisual. Supervisiona em uma equipe de filmagem ou gravação tudo que pode interferir no resultado da imagem. Sugere os enquadramentos, alternativas de planos (e lentes), movimentos de câmera (equipamentos indicados para tal), no intuito de obter maior concisão narrativa do filme e melhor compreensão por parte do espectador. Tem a responsabilidade artística de criar um clima dramático-visual através da textura fotográfica obtida com o uso de filtros, negativos e iluminações sugeridas pelo roteiro, transpondo em imagens as idéias do diretor do filme ou vídeo. É co-responsável, em parceria com o diretor e o montador do filme, pela linguagem narrativa do produto audiovisual. Acompanha o filme, do ponto de vista técnico, em todas as etapas, desde a preparação, passando pelas filmagens e a finalização em laboratório (revelação, copiagem, trucagens e marcação de luz), até a primeira cópia de exibição comercial. No Brasil, a grande maioria dos diretores de fotografia acumulam a função de operador de câmera, ao contrário do que ocorre na grande indústria cinematográfica americana ou européia. O diretor de fotografia deve possuir um conhecimento técnico de: ótica, filmes, filtros, efeitos especiais, iluminação; paralelamente aos conhecimentos artísticos de: linguagem cinematográfica (montagem), composição, cores e estética. É o chefe da equipe técnica em uma filmagem. Para exercer a função, deverá cursar uma escola de cinema ou galgar cargos de formação em vários filmes como estagiário: fotógrafo de cena (stil), carregador de chassis (clap loader), 2 assistente de câmera, 1 assistente de câmera, operador de câmera e finalmente fotógrafo de cena. ´

Fotógrafo de cena

É o profissional que colhe com uma câmera fotográfica flagrantes das cenas filmadas, com o mesmo enquadramento da câmera, das cenas mais fortes do filme para comporem o material de divulgação do filme na imprensa (como matéria e propaganda) e para as portas de cinema.

 Diretor de produção

É o técnico de cinema ou vídeo que representa o produtor executivo de uma empresa de produção cinematográfica, investido de poderes necessários que viabilizem o planejamento e acompanhamento de execução de uma obra audiovisual cinematográfica ou videográfica. A partir de um roteiro original apresentado pelo contratante, e da soma dos recursos disponíveis, ele planeja e gerencia todas as etapas do processo produtivo, até que se obtenha um produto de exibição comercial em salas de cinema ou emissoras de televisão. Podemos comparar a atuação de um diretor de produção à de um gerente de banco. Em cinema ele tem poderes de decisão, em comum acordo prévio com o produtor executivo ou a empresa para a qual trabalha. Em televisão, sobretudo no Brasil, esse poder está fracionado em várias instâncias administrativas da emissora, transformando-o num coordenador de produção. Um diretor de produção pode ser convocado previamente por uma empresa produtora cinematográfica ou um executivo do mercado de capitais para a montagem do projeto de captação, fazendo a previsão orçamentária, um plano de execução e de desembolso financeiro a partir do roteiro cinematográfico proposto. O trabalho de um diretor de produção em um filme começa desde a pré-produção, quando ele ajuda a contatar e contratar técnicos especializados, artistas, fornecedores de serviços e locadores de equipamentos, monta o plano de trabalho, elabora solicitações e autorizações especiais, programa o serviço de transporte, alimentação e hospedagem dos membros da equipe, pagamentos semanais dos técnicos, previsão de despesas e listagem de compras. Durante o período das filmagens, mantém toda a infra-estrutura de funcionamento da produção, delegando aos seus assistentes vários afazeres, colocando o seu melhor assistente no set de filmagem representando-o. Após as filmagens, ou seja, na desprodução, devolve equipamentos, dispensa fornecedores e apresenta o seu relatório final à empresa produtora. 

 Assistente de câmera

É o técnico que auxilia o diretor de fotografia em relação aos equipamentos e acessórios da câmera cinematográfica em um filme. Seu trabalho começa na fase de preparação, quando realiza testes de definição e foco das lentes, de fixidez e estabilidade da imagem e o total funcionamento dos equipamentos e acessórios de câmera, comunicando ao diretor de fotografia qualquer irregularidade. Apresenta ao diretor de produção a listagem de materiais que será necessário comprar antes das filmagens. No período das filmagens suas tarefas são preparar a câmera e todos os seus acessórios no set de filmagens, obedecendo o planejamento do trabalho e o comunicado pela folha diária de serviços distribuída pela produção. Carrega diariamente a caminhonete do material de câmera da produtora até as filmagens, acompanhando sempre o equipamento. Distribui as demais tarefas aos assistentes e estagiários da equipe de imagem. Antes da execução dos planos, após estarem carregados os chassis e colocados corretamente na câmera, executa a preparação do foco, medindo as distâncias e exercitando-se durante os ensaios com os atores. É quem aciona e corta a câmera para o operador de câmera, cobra a claquete da continuísta e informa os dados técnicos do plano para que ela possa colocar em sua folha de continuidade. Após as filmagens diárias, descarrega os negativos expostos, etiqueta as latas, prepara o boletim de câmera em conjunto com a continuísta e entrega o material exposto acompanhado dos boletins à produção do filme. Acompanha os copiões, mantém informada a continuísta sobre o volume de negativo usado, o estoque e as previsões de uso. Acompanha sempre o trabalho dos maquinistas na instalação da câmera em tripés, gruas, dollie ou cam remote, vigiando o seu equipamento, as condições de segurança para o mesmo e as facilidades de operação para o câmera. Faz a limpeza diária do equipamento no final do dia, sendo o responsável principal pelo equipamento durante a jornada de trabalho. Finda as filmagens é que tem a responsabilidade pela devolução do equipamento junto à locadora. Um assistente de câmera tem sua formação em escola de cinema e um conjunto de estágios em vários filmes de longa ou curta metragem. Recomenda-se um conhecimento mínimo de ótica e eletricidade. É uma das etapas para atingir a especialidade máxima do seu setor, a direção de fotografia.

 Clap Loader (carregador de chassis) 

 É o assistente específico para abastecer de negativo virgem e descarregar os chassis de negativo exposto, enviando ao laboratório para revelação e telecinagem. É um técnico contratado apenas em filmagens que trabalham com várias câmeras cinematográficas. 

 Figurinista 

 É o profissional de cinema que cria as indumentárias (a partir de pesquisa de época) ou figurinos para os personagens contidos no roteiro cinematográfico previamente fornecido pela produção. São de sua responsabilidade os figurinos da figuração, assim como todos os acessórios que compõem a vestimenta: bengalas, bolsas, chapéus, luvas, óculos etc. Os desenhos são apresentados ao diretor do filme, supervisionados pelo diretor de arte. Uma vez aprovados seus custos são orçados. Feita a compra dos tecidos, materiais e aviamentos é montada sua oficina e equipe de execução. A escolha de materiais empregados sofre uma consulta por parte do diretor de fotografia para testes prévios dos tecidos e cores, assim como do técnico de som, evitando futuros ruídos que incomodem a captação do som. Todos os figurinistas indicam seus auxiliares (assistentes, costureiras, bordadeiras, lavadeiras, tingidoras etc.) para comporem temporariamente sua equipe na fase de confecção e provas e testes com os atores diante das câmeras, sob as luzes, e sua resposta no negativo adotado para o filme. Após os consertos, os figurinos dados como prontos são numerados por personagens e cenas com a continuísta para um bom andamento das filmagens no que se refere a guarda-roupa. A partir das filmagens sua equipe é reduzida a guarda-roupeiras (que darão manutenção às roupas e providenciarão lavagens). Findas as filmagens os figurinos pertencem à empresa produtora. São acondicionados em caixas e entregues com uma lista à direção de produção. Os figurinistas são advindos de escolas de corte e costura ou de curso de estilismo do SENAI e similares nacionais e estrangeiros. É necessário um conhecimento de moda, de história e sobretudo dos hábitos e acessórios usados correspondentes a tais figurinos.

 Guarda-roupeira 

 É a profissional de cinema que durante o período das filmagens dá manutenção aos figurinos: executa reparos, manda lavar e os mantêm sob sua guarda, ajudando os atores principais e figuração a se vestirem para as cenas. Conhece as roupas pelos personagens e seus números de indumentária referenciados pelo roteiro e a decupagem de figurino, em comum acordo com a continuísta. 

 Técnico de som

É o profissional responsável pela captação com qualidade técnica de diálogos dos personagens, músicas e ruídos ambientais da cena necessários à montagem dos planos filmados. Comanda a escolha dos microfones apropriados e acessórios no posicionamento dos microfones feito pelo seu auxiliar imediato: o microfonista. É de sua responsabilidade catalogar todos os planos com identificação semelhante aos da câmera e da decupagem previamente feita no roteiro dramático. No set deve ensaiar a movimentação do boom com o microfone utilizado sem que provoque sombras sobre os personagens ou os cenários. Assim como deve camuflar os seus demais microfones distribuídos no set de filmagem ocultando-os da captação da câmera. Na fase de preparação deve visitar as locações escolhidas e conferir o material locado em testes para aprovação do nível de ruído. E se os locais escolhidos para filmar precisarem de algum tratamento acústico ou se apresentarem falta de condições para captação do som direto. No caso de som guia deve municiar o montador de sons isolados da seqüência para serem montados em pista independente e mixados. Durante os takes auxilia a continuísta e o diretor em relação a textos sobrepostos, dicção defeituosa dos atores ou cortes de ação por defeitos técnicos de câmera, cabos ou ruídos parasitas à cena (ruídos de máquinas, aviões, animais etc.) ou mesmo a precipitação do diretor no corte da ação. Na finalização é responsável pela conferência da qualidade, transcrição do som para a edição e o resultado em ótico para exibição. Os técnicos de som são emergentes de escolas de cinema ou formados em estúdios de som, escolas técnicas de eletrônica, devendo ter noções de linguagem cinematográfica e acústica e um período de estágio e aprendizado no set para o bom desempenho de suas funções durante as filmagens. 

Microfonista

É o técnico de cinema e televisão que auxilia o técnico de som na operação do boom, da girafa e instalação dos microfones na captação dos sons ambientais e de diálogos em um set de filmagens. Deve ter conhecimento de eletrônica, acústica e ser emergente de uma escola técnica em eletrônica ou uma escola de cinema na especialidade de som. É conveniente um estágio em estúdio de som antes de frequentar uma equipe de som. É a carreira de acesso para tornar-se um técnico de som.

 Cenógrafo

É o profissional de cinema, vídeo e televisão que cria os cenários em estúdio ou adapta locações para serem utilizadas como set de filmagens. A partir de um roteiro cinematográfico apresentado pela empresa produtora ou produtor executivo, executa um projeto cenográfico composto por plantas baixas e perspectivas com as cores definitivas propostas e suas dimensões previstas. O projeto é aprovado pelo diretor do filme e submetido a orçamento incluindo os materiais, pessoal temporário especializado (carpinteiros, trabalhadores braçais, cortineiros, tapeceiros, pintores de arte, escultores etc.) visando a adequação orçamentária do filme e os prazos de execução para viabilizar o planejamento das filmagens pela produção. Antes de sua execução deverá ser proposto ao diretor de fotografia um comum acordo em relação às tintas e cores que poderão interferir ou colaborar no resultado fotográfico do filme. Em muitos casos, quando o filme é quase todo realizado em locações reais de época, adaptadas, o cenógrafo transforma-se num diretor de arte. Em filmes muito trabalhosos existem as duas funções, cabendo ao diretor de arte o comando visual da parte cenográfica do filme. Tem como auxiliar direto seu assistente de cenografia. São formados em arquitetura, com noções de construção, resistência de materiais e normas de segurança. Muitos cenógrafos são emergentes de escolas de belas-artes, de experiência teatral ou televisão. Muitos são carnavalescos que se adaptam às técnicas de cinema. Devem ser bons desenhistas, ter noção de perspectiva, conhecer as lentes cinematográficas e a movimentação dos equipamentos de maquinaria e iluminação para determinadas previsões em seus cenários. Devem saber ler uma planta de execução e ter noções de construções em madeira e outros materiais. É ferramenta de trabalho o conhecimento de estilos de construção e um profundo conhecimento de história da arte. 

 Cenotécnico

É o técnico de cinema que, seguindo uma planta desenhada pelo cenógrafo, executa e comanda a construção dos cenários e alguns tipos de móveis cenográficos para o cenário do filme. Chefia a equipe de carpinteiros, pintores e escultores que compõem o departamento de cenografia de um filme ou vídeo.

 Roteirista

É o criador de um texto literário com trama especializada para cinema ou televisão (com duração temporal previamente estabelecida) de fatos reais ou ficcionados de situações que se encadeiam, dialogadas ou não, em determinados casos adaptado de uma obra literária onde evolui uma trama dramática desenvolvida pelos personagens acompanhada com clareza pelo espectador. Um roteiro não é um romance, daí sua especificidade de escritura dividindo-o em sequências por locação, determinando o período da jornada (se dia ou noite) e precisando o espaço cênico onde se desenrola a ação. Um roteirista pode ser proveniente de uma escola de letras, de jornalismo, de cinema ou com experiência na escritura de textos teatrais, desde que tenha vocação para escrever situações e criar personagens. O seu diálogo deve ser eminentemente coloquial e verossímil. Existem profissionais especializados em trabalhar apenas em uma fase ou tratamento do roteiro, que são os: argumentistas, dialoguistas, gags men e os pesquisadores.

 Argumentista

É o que redige em uma sinopse de cinco páginas a trama central da história e seus personagens principais. Esta etapa não possui diálogos ou indicações e subdivisões de cenas em sequências por locações. É apenas a trama, a carpintaria dramática do princípio ao fim. 

Dialogista

 É o especialista em criar diálogos coloquiais ou regionalismos em uma cena onde os personagens conversam e têm um tipo físico determinado ou exercem uma função que deverá possuir em seu vocabulário expressões e jargões da atividade. É o caso de filmes policiais que empregam a gíria do submundo.

 Gags man 

 É o especialista em criar situações cômicas ou diálogos de humor em cenas preexistentes de um roteiro definitivo.

 Pesquisador
 
 É o profissional contratado para colher informações sobre a época, hábitos, vestimentas para roteiros que serão escritos sobre determinados temas históricos ou especializados. Tomemos por exemplo um filme que se passa nos bastidores de astronautas, ou de médicos na Antiguidade. O profissional pode também ser contratado após vários tratamentos do roteiro para corrigir erros de data em roteiros históricos ou baseados em fatos reais. O desenho animado É a técnica de criar movimentos naturais em cinema e vídeo de objetos ou personagens, desenhando-se, recortando-se papéis ou moldando massas; a decomposição do movimento em vários quadros (frames ou fotogramas), filmados a seguir em câmera adaptada a uma truca vertical, ordenados um a um. A ordem de execução destes desenhos é preestabelecida em um roteiro visual semelhante a uma história em quadrinhos, denominado story board, onde estão contidos todos os "desenhos-chaves" que narram a história a ser posta em movimento. A partir deles temos que criar as posições intermediárias do movimento antes de filmar definitivamente e criar a sensação do movimento humano. Assim como estabelecer os cenários e as demais partes do desenho onde essas figuras evoluem. Estudar os movimentos simultâneos em tempos diferentes. Um desenhista pode empregar o método de animação de 24 quadros (ou frames) por segundo em uma truca "quadro a quadro" (Oxberry) ou pelo sistema de computação gráfica, usando programas de animação para computadores. Na técnica tradicional os desenhos são pintados em acetato transparente a partir dos originais desenhados em papel vegetal. As cores são adicionadas (pela parte de trás dos acetatos) uma a uma. A seguir desenha-se o cenário de fundo onde esta figura evoluirá. Para cada elemento que se sobreponha, a imagem e o seu movimento acontecem simultaneamente: deverá ter um acetato exclusivo para ele, desenhado à parte, que será filmado junto na hora em que formos para a truca. Na truca cada acetato estará colocado em uma prateleira com o quadro vazado para que todos sejam vistos e filmados pela câmera. Estes quadros (frames ou fotogramas) deverão estar marcados por um número, num roteiro ou plano de animação, para a filmagem correta. Um desenhista de animação deverá a priori ter vocação artística de desenhista ou cursar uma escola especializada de desenho. Alguns desenhistas de animação vêm das histórias em quadrinhos, são chargistas de jornal ou são egressos de escola de belas-artes. Porém o ideal é frequentarem escolas de cinema onde existem cursos de animação, como no Canadá, Bélgica, França, Checoslováquia e USA. Dentro desta especialidade existem vários nichos de mercado de trabalho, tais como: trucagens, animação técnica e publicidade.

 Assistente de direção 

 É o técnico de cinema responsável por tudo o que deverá acontecer no local de filmagem, seja do ponto de vista técnico ou artístico. É o profissional que substitui o diretor do filme na preparação do set. Controla todos os setores para que tudo esteja pronto na hora em que o diretor chegar para filmar. Seu trabalho começa desde o detalhamento plano a plano do roteiro, na etapa de pré-produção. Ele visita as locações escolhidas pelo diretor, o diretor de fotografia e o diretor de produção, analisando os prós e contras que possam interferir no andamento das filmagens e no resultado artístico da cena. Toma conhecimento de todas as intenções do diretor, das possibilidades técnicas e das providências de produção que devem ser tomadas para que as filmagens aconteçam ali a tempo e hora previstos no plano de trabalho elaborado pela produção com a sua participação. Ele tem que obter e controlar todas as informações com antecedência, conferindo tudo, evitando falhas, atrasos ou interrupções desnecessárias das filmagens. Tem sempre de estar apto a responder qualquer pergunta do diretor e demais membros da equipe e providenciar soluções imediatas a problemas que se coloquem de forma imprevista. Auxilia o diretor na preparação e realização artística do filme. Subordinado diretamente ao diretor do filme, trafega com desenvoltura entre todos os departamentos da equipe. Tem de conhecer linguagem cinematográfica, equipamentos e sua utilização. Todo o aspecto de montagens e desmontagens dos sets e providências de produção. Supervisiona os trabalhos de todos os departamentos, inclusive o de elenco, ensaiando os textos antes das filmagens. É o homem de ligação e coordenação entre a direção, de um lado, a produção e o conjunto da equipe, do outro. A sua função é aparentemente genérica mas de grande complexidade, daí dividir suas tarefas por vários assistentes, fazendo face às responsabilidades. Tem de ser um líder sem ser autoritário. Dar ritmo ao set sem atropelar os profissionais. O assistente é formado em escolas de cinema, e muito estágio como 2 ou 3 assistente de direção em muitos filmes, antes de assumir o cargo de 1 assistente de um filme ou vídeo.

 Operador de câmera/Câmera

É o técnico de cinema que opera as câmeras de cinema ou de vídeo. É o responsável pelos enquadramentos dos planos que compõem uma cena, sejam planos fixos ou em movimento. Tem de estar apto a operar a câmera com cabeças fluidas ou a manivela. No tripé ou sobre equipamentos de maquinaria, tais como: carrinhos, gruas, dollie, Pee wee, cam remote ou camera car. Tem de conhecer os tipos de lentes, filtros, acessórios de câmera e todos os modelos de câmeras (35mm, 16mm, super 16mm e Panavision) usados no mercado cinematográfico, controlar a qualidade do foco ou o movimento de zoom operado pelo 1 assistente de câmera durante a execução dos planos, assim como a qualidade de execução dos movimentos de maquinaria. Durante os ensaios é de sua obrigação perceber se há algum equipamento em quadro no take, defeitos tais como reflexo ou sombras de câmera. Alertar sobre quaisquer fatos que possam dispersar o espectador: ator que olha para a lente, figuração não prevista no quadro, publicidade exposta no enquadramento. Deve exigir instalação confortável e segura de seu equipamento para operação do mesmo durante as filmagens. É de sua responsabilidade zelar pelo equipamento que opera, protegendo-o do sol, da chuva ou outras intempéries. Não deve permitir expor o equipamento a situações de risco sem autorização do produtor executivo. Deve colaborar com os companheiros de equipe na montagem e no deslocamento do equipamento dentro do set de filmagem. Acata as ordens do diretor de fotografia e alerta-o quando do emprego de filtros e outros efeitos. Deve conhecer linguagem cinematográfica, composição e dramaturgia. É formado nas escolas de cinema, cursos promovidos pelas emissoras de televisão, ou egresso dos postos de assistente de câmera.

 Operador de stady cam 

 O stady cam é um equipamento complementar das filmagens. Trata-se de um estabilizador contra solavancos e trepidações de câmera, quando é operada na mão. É indicado para as cenas de ação. É um equipamento locado com operador. Este câmera apenas opera a câmera sobre este equipamento nas cenas programadas no filme. Não faz parte efetiva da equipe de filmagens. É contratado por um período predeterminado. Trabalha sob as ordens do diretor de fotografia na execução de planos previstos na decupagem pelo diretor do filme. 

Produtor executivo

É o profissional de cinema que atua na área empresarial. É o captador de recursos para um projeto por ele elaborado ou empresa que o contratou. Na maioria dos casos o produtor executivo é o proprietário da empresa produtora que recebe a proposta de co-produção de um diretor que dispõe de um roteiro original. Ou ainda, compra os direitos de adaptação de uma obra literária e investe nos trabalhos de um adaptador (roteirista) e elabora a montagem do projeto do ponto de vista técnico-artístico e financeiro. Convoca técnicos especializados de vários setores para avaliarem o seu roteiro, do ponto de vista de seus setores, visando formular um anteprojeto de venda de cotas de produção. Formula uma equipe provável, assim como um elenco e diretor a ser contratado para realizar aquela obra audiovisual. Após captar os recursos necessários à realização do filme contrata um preposto (um diretor de produção) para o gerenciamento dos recursos, execução de preparação e filmagens segundo um plano de trabalho apresentado. Durante a realização das filmagens prevê a cobertura jornalística constante sobre o produto audiovisual que elabora, organiza a finalização e prepara o seu lançamento e vendas para o exterior, assim como a sua participação em festivais de cinema nacionais e internacionais que credenciarão o seu filme para o circuito comercial de exibição. Todo produtor executivo tem uma infra-estrutura montada de escritório, contador e pessoal capacitado na preparação de um projeto cinematográfico, a fim de administrá-lo no mercado de capitais para a captação de recursos através de leis de incentivos. 

 Assistente de produtor executivo 

 Dependendo do porte do filme a empresa pode contratar um diretor de produção de sua confiança e nomeá-lo como assistente de produtor executivo para supervisionar os custos e o planejamento proposto pelo diretor de produção. É um representante da empresa produtora do filme em questão. É muito comum nos grandes estúdios onde se realizam muitos filmes ao mesmo tempo de uma mesma produtora. 

 Assistente de produção 

É o técnico de cinema e vídeo que se responsabiliza por parte das tarefas delegadas pelo diretor de produção. Os assistentes de produção têm a coordenação do primeiro assistente de direção em relação ao diretor do filme. Ocupam-se de tarefas tipo: transporte, alimentação, chamada geral dos atores, ensaio e convocação da figuração, providenciar veículos e animais de cena, autorizações oficiais, acompanhamento de preparação de locações, testes de maquiagem, de cabelos, de figurino etc. São profissionais egressos de escolas de cinema ou de comunicação, que pretendem seguir a carreira de diretor de cinema e estão nesta função para sua formação prática e amadurecimento dos conhecimentos teóricos que assimilaram nas escolas especializadas. Devem conhecer linguagem cinematográfica, ter espírito prático, ser simpáticos, observadores, organizados e conhecer os mecanismos de uma produção, sobretudo os documentos que circulam em uma filmagem: boletim de câmera, de som, plano de trabalho e folhas de serviço (as quais devem distribuir ao final de cada dia de filmagem a todos os membros da equipe). Devem organizar uma agenda com todos os endereços de fornecedores de serviços e equipamentos para cinema. Devem ter uma noção dos equipamentos que terão de providenciar, quando convocados pelo diretor de produção. 

Chefe eletricista/Eletricista

É o técnico de cinema e vídeo responsável por todos os serviços de instalação elétrica e dos refletores cinematográficos e seus acessórios em um set de filmagens. Trabalha sob as ordens do diretor de fotografia. Acompanha o diretor de fotografia nas visitas às locações, visando fazer um levantamento de necessidades, autorizações e providências que devem ser tomadas do ponto de vista técnico para que possamos ter alimentação energética no local suficiente para alimentar todos os refletores desejados pelo diretor de fotografia na realização dos planos previstos no roteiro criados pelo diretor do filme. Lista os acessórios necessários e complementares aos equipamentos solicitados pelo diretor de fotografia. Calcula os tempos necessários para as instalações e desmontagens ou eventuais deslocamentos com os materiais para outras locações durante o filme, para que o diretor de produção possa planejar as filmagens. Relaciona a quantidade de auxiliares que necessitará em função da complexidade das instalações e materiais a serem montados e operados. Quanto maior o filme, maior a estrutura de iluminação, e conseqüentemente maior o número de auxiliares que necessita. Este profissional se forma em escolas técnicas de eletricidade - SENAI e outras instituições similares. Deve conhecer bem os equipamentos, trabalhando como eletricista auxiliar, e depois de alguns anos de prática galgar o posto de chefe eletricista. Possui suas próprias ferramentas, tais como voltímetro/amperímetro. Deve estar apto a avaliar as condições de fornecimento de energia em uma locação e solicitar ou não a locação de geradores, instalação de luz festiva ou autorização do proprietário do imóvel para retirar energia do seu PC. 

 Eletricista 

 É o técnico de cinema e vídeo que monta os refletores, distribui os cabos que servirão para a passagem das "fases" e faz a ordenação das linhas de alimentação energética dos refletores. Monta o quadro de segurança e distribui no set, monta as caixas intermediárias, espalha os tripés e garras onde serão instalados os refletores solicitados pelo chefe eletricista. Leva a linha até o gerador ou PC, trabalhando em parceria com o geradorista ou eletricista do imóvel local. É quem afina e posiciona filtros e difusores nos refletores durante a iluminação do set e mantém o serviço de ligar e desligar os mesmos. Organiza o caminhão da elétrica e dá manutenção aos materiais de iluminação durante as filmagens. Findas as filmagens é o responsável pela conferência do material e a sua devolução na empresa locadora. Seu trabalho começa três a quatro dias antes das filmagens e termina no mesmo prazo, findas as mesmas.

 Geradorista 

 É o técnico de cinema e vídeo que acompanha o gerador vindo da locadora. É o responsável pela alimentação de energia dos refletores. Está sob o comando do chefe eletricista, mantendo o gerador sempre ativo, na amperagem e voltagem corretas, para o consumo do set. É um profissional que conduz o caminhão que transporta o gerador até o set e leva-o de volta finda a jornada. 

 Chefe maquinista/Maquinista

É o técnico de cinema e vídeo responsável pela instalação de todos os equipamentos que podem dar suporte aos equipamentos de iluminação e câmera (três tabelas, praticáveis, torres, etc.), com segurança e muita rapidez. Opera os equipamentos que movimentam as câmeras em um set, a saber: gruas, carrinhos, dollies, panther, Pee wee, "ligeirinhos" etc. A qualidade de uma imagem depende diretamente da operação de qualidade de um equipamento pelo maquinista e sua interação com o câmera. Dão apoio aos eletricistas na montagem dos parques de luz em um estúdio, locação adaptada ou estúdio. Montam tripés, auxiliam na puxada de grossos cabos, manobram rebatedores e auxiliam na montagem de acessórios de iluminação como o butterfly. Numa equipe numerosa o profissional mais experiente é o maquinista e os demais seus auxiliares. Deve possuir amplo conhecimento sobre alta tensão e eletricidade caseira. Formam-se em escolas técnicas de marcenaria/ carpintaria (SENAI) ou congêneres. Muitos são formados em empresas estatais (Central Técnica da FUNARJ) ou em barracões de escolas de samba em convênio com os sindicatos de classe. Devem possuir conhecimento de laçadas de segurança, operar equipamentos auxiliares de elevação, tais como: carretilhas, contrapeso e trucks. Devem dominar bem soluções de segurança para a câmera, instalando-a sobre um veículo etc. São os homens das soluções inteligentes, seguras e rápidas.

 Maquinista 

 É o profissional que executa as tarefas de montagens de suportes para equipamentos de luz e de câmera sob o comando do chefe maquinista. É o responsável pela execução dos movimentos de aparelhos que conduzem as câmeras. Operador de video assist É o técnico de cinema responsável pela captação em vídeo, em paralelo com a câmera cinematográfica, das imagens que estão sendo impressas no interior da mesma em película cinematográfica, projetando-as num monitor de vídeo, no momento da cena ou após a cena filmada. 

 Contra-regra

É o técnico de cinema e vídeo responsável por todos os objetos de cena que integram uma ação em um cenário (não estão incluídos aí os que fazem parte do figurino). Participa de um filme desde a preparação, quando se faz o detalhamento dos objetos de cena junto com o cenógrafo, preparando suas providências ou construção. Esta lista é passada ao diretor de produção, que providencia sua locação ou materiais para a sua construção. Durante as filmagens, seguindo o plano de trabalho e a folha de serviço, providencia os objetos a serem colocados em cena no momento de execução dos planos sob a supervisão da continuísta. A maioria dos contra-regras são egressos do teatro ou da televisão e fazem parte da equipe de cenografia.

 Maquiador/Cabeleireiro

É o técnico-artista de cinema e vídeo que prepara a maquiagem convencional de embelezamento ou de efeito dos personagens, segundo a descrição acordada na decupagem com o diretor do filme. O uso de determinados materiais deve ser submetido ao diretor de fotografia, evitando erros e desencontros na imagem. Todas as maquiagens e cabelos a serem adotados nos filmes pelo elenco devem ser testados com a luz definitiva do filme antes de começarem as filmagens. É a formatação do "tipo" dramático do personagem. Existem profissionais que apresentam seus projetos em computador ou desenhados para aprovação prévia pelo diretor do filme. Conforme o tamanho do elenco a ser maquiado e penteado, ele apresenta as previsões de tempo ao diretor de produção, assim como a necessidade da contratação de auxiliares temporários em cenas que envolvam muito elenco e figuração. Apresenta uma lista de cosméticos a serem adquiridos pela produção e mantém a tempo e hora os personagens maquiados e constantes correções durante as filmagens. Os apliques postiços deverão também ser providenciados pela produção e testados convenientemente antes de serem usados em cena diante das câmeras.

 Montador/Editor 

 É o técnico de cinema e vídeo que reúne, ordena e dá ritmo às imagens filmadas e sons captados fracionadamente no set, dando um sentido narrativo à história proposta pelo roteiro literário do filme seguindo uma decupagem prévia do diretor do filme. O montador deverá sugerir mudanças de lugar e duração das sequências, visando obter maior clareza narrativa e impacto emocional sobre o espectador para conduzi-lo sem que perceba durante 100 a 120 minutos de exibição. Prepara todas as pistas de som: diálogos (captados em direto), dublando (falas que faltaram ou que se tornaram inaudíveis), preencherá os vazios sonoros com ruídos de sala, música incidental, e colocará a trilha do filme em seus devidos lugares. Providenciará a edição dos traillers comerciais e o mapa de mixagem. O seu trabalho começa logo após duas ou três semanas de iniciadas as filmagens, ordenando o material bruto vindo do laboratório. Caso este material seja finalizado em ilha digital, deverá passar, após a revelação dos negativos, por uma telecinagem (transferência da imagem fílmica para sinal digital e imagem em vídeo). Feito isto, transposto todo o material ("importado") para os computadores, começa então o seu primeiro corte chamado de "corte largo". Após as filmagens concluídas, o diretor assiste ao material pré-montado. Após a sua aprovação começa então a montagem propriamente dita. Mudam-se seqüências de lugar, são encontradas soluções de linguagem obtidas em laboratório (fusões, congelamentos etc.). E finalmente dá-se o 2 corte. Aprovado pelo diretor, começam então o corte final, "o corte fino", e os ajustes sonoros e a retirada de alguns "tempos mortos" da montagem. Passa-se à mixagem e a cópia está pronta para ser trabalhada no estúdio de som (no caso de Dolby stereo) e a cópia final ótica em laboratório com a devida marcação de luz pelo diretor de fotografia e a colocação dos letreiros de apresentação, com nome do elenco e equipe técnica. Faz-se a projeção final desta cópia para o diretor do filme, com a presença do montador e do diretor de fotografia. O material está então pronto para exibição comercial. O seu trabalho desenrola-se dentro de um prazo de dois a três meses. Os montadores são egressos de escolas de cinema ou são formados em uma ilha de edição ou moviola (mesa de montagem tradicional de filmes). Devem ter amplo conhecimento de linguagem cinematográfica, além de uma formação de operação de ilha informatizada. A melhor formação para um montador é exercer primeiramente a função de continuísta e em seguida passar para uma sala de montagem ou ilha de edição. 

Trilheiro/Músico de cinema 

 É o artista responsável pela criação de todas as músicas pontuativas, incidentais e temáticas a serem colocadas na trilha sonora do filme, acompanhando em background as imagens montadas de um filme, visando auxiliar a obtenção do "clima dramático" da cena ou plano desejado pelo diretor. Seu trabalho pode ser feito isolado em um estúdio com seus músicos e depois ajustado na montagem ou a partir das imagens visionadas previamente antes de criar as partituras. Os temas são apresentados, uma vez compostos, previamente ao diretor do filme, para aprovação, e em seguida gravados e mixados com a trilha final do filme. Existem trilhas que se tornam mais sucesso que os próprios filmes, devido à sua qualidade musical, ou o inverso, músicas que se tornam famosas pela qualidade dramática do filme e das cenas em que foram usadas. Esses músicos criadores são egressos de escolas de música ou são autodidatas. Efeitos especiais É responsável por eles o técnico de cinema e vídeo que trabalha com a ilusão, o truque e a magia. Monta traquitanas, maquetes, sistemas de explosão, modelos ampliados ou animais de controle remoto que aumentam a veracidade das cenas impossíveis, perigosas ou de grande efeito visual e impacto emocional. É uma profissão de curiosos e sobretudo maquetistas e pessoas que adoram informática aliada a conhecimentos de maquinarias por eles inventadas. Existem empresas tradicionais no mercado americano e europeu nas quais os conhecimentos passam de pai para filho.

 Laboratorista Técnico de laboratório cinematográfico 

 É o técnico de cinema que processa as imagens em laboratório. Trabalha no setor industrial do cinema. Tem conhecimentos de química de laboratório e do funcionamento dos equipamentos de revelação, lavagem e copiagem de filmes fotográficos contínuos (cinematográficos). É formado pelo SENAI ou estagiando durante anos no laboratório onde recebe sua formação. Trabalha com negativos e positivos cinematográficos. Conhece todas as etapas dos filmes em laboratório. Porém as especialidades em laboratório são muito precisas, tais como: copiagem, revelação, janela molhada, sonorização ótica, letreiros, trucagens óticas, titulagem, banda internacional, master, cópia marrom, blow up, lavagem de ultra-som, armazenamento de negativo, montagem de negativo, marcação de luz

. Marcador de luz 

 É o técnico de cinema do setor industrial, trabalhando no interior dos laboratórios, conhecido como colorista ou marcador de luz. É o operador das máquinas analisadoras (Analyser) de cores e luminância. Trabalha plano a plano, sob a orientação das indicações do diretor de fotografia na equalização das cores de todos os planos de uma seqüência e do filme como um todo. Monta um mapa das cores fundamentais (azul, vermelho e amarelo) e seus percentuais para serem corrigidos na cópia final. Uma vez revisado pelo fotógrafo e aprovado pelo produtor, este mapa será o guia de todas as cópias para a comercialização. Deve ser formado em curso específico promovido pelo sindicato de classe ou congênere. 

 Montador de negativo

É o técnico de cinema do setor industrial, trabalhando no interior dos laboratórios, que ordena os negativos brutos, localizando e colando os planos para a futura copiagem, baseando-se no copião positivo montado, enviado pelo montador. Seu trabalho é supervisionado pelo montador do filme antes de ser dado como finalizado para que possa a seguir sofrer a marcação de luz e serem efetuadas as cópias de comercialização do filme. É nesta etapa que se providenciam as trucagens de laboratório ("fusões", "congelamento de imagens", desdobramento para aumento de câmera lenta etc).

Fonte: Os Cincos "Cs" da Cinematografia.