quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

NO TEMPO DO CINEMASCOPE

Por André Setaro
Em 1953, a Fox, temerosa da concorrência da televisão, que fechou metade das salas exibidoras dos Estados Unidos, lançou, com grande marketing, o formato CinemaScope e som estereofônico, ainda que já tivesse sido descoberto décadas antes pelo francês Henry Chrétien. O primeiro filme em CinemaScope foi O manto sagrado (The robe), de Henry Koster, com Richard Burton e Jean Simmons. Conta-se do espanto dos espectadores quando Burton, a recitar teatralmente, anda do lado direito para o esquerdo da tela com a sua voz se deslocando (era o processo estereofônico). Nos primeiros filmes em CinemaScope, a predominância era dos planos gerais, geralmente ambientes amplos e repletos de personagens. Os filmes eram mais paisagísticos do que introspectivos.
Quem trouxe o ser humano e os closes ups intensos para o CinemaScope, revolucionando-o, foi George Cukor em Nasce uma estrela (A star is born, 1955), com Judy Garland e James Mason. Mas não se poderia deixar de citar Aconteceu em Veneza Sait-on jamais...), de Roger Vadim, com aquele close fascinante dos olhos de Françoise Arnoul a tomar conta de todo o espaço da tela. Exibindo O manto sagrado na sua grade de programação, o Telecine Cult, há alguns anos, teve o acinte de apresentá-lo na abominável tela cheia, full screen, destruindo todas as composições de enquadramento desse filme pioneiro, ainda que superado e velho, datado.
De cult, The robe não tem nada. Mas, a Paramount, para entrar na concorrência, inventou o Vistavision, cujo formato é menos largo do que o CinemaScope. (O Telecine, que se diz cult, está, agora, a exibir Satyricon, de Fellini, em horrenda tela cheia).
alguns dias, programei o sábado à tarde para ver Viva Maria, de Louis Malle. O filme começa em CinemaScope, com a saltitante Brigitte Bardot em cima do trem a andar e, de repente, finda a apresentação dos créditos, o filme se espicha de uma forma que me fez desligar, num ex-abrupto, a televisão, quase quebrando-a.
Se, com a entrada deste formato todos os cinemas tiveram que se adaptar a ele, com as lentes anamórficas e mudança de telas, os exibidores, no entanto, não modificaram as janelas dos projetores adequados para o Vistavision. Resultado: todos os filmes da Paramount (incluindo a maioria dos de Hitchcock) foram exibidos no Brasil cortados pelos lados. Somente agora, com as cópías em DVD é que, pela primeira vez, os brasileiros estão a ver os filmes em Vistavision na sua integridade.
Infelizmente, a maioria das pessoas tá pouco se lixando para o formato dos filmes. O que interessa é a história, a trama, a intriga. Fiquei estarrecido quando ouvi de um jovem que prefere ver os filmes dublados porque tem preguiça de ler as legendas. A incultura cinematográfica cresce a passos largos. O cinéfilo do pretérito virou um simples consumidor de filmes e, como já disse aqui, o ir ao cinema atualmente é diferente do ir ao cinema no passado. O ir ao cinema hoje é uma das fases do processo do 'shoppear'. Não se vai mais ao cinema, mas se vai ao shopping e, estando nele, ao cinema. Os consumidores, débeis mentais, não possuem, portanto, um propósito estabelecido a priori de ir ao cinema ver determinado filme. Entra-se numa sala 'multiplexada' por causa de um cartaz, de um rosto bonito, de determinado ator ou atriz ou pela sugestão da ação, violência e sexo.
Lembro-me que, em priscas eras, comprava o jornal para saber das estréias, estabelecendo, por exemplo, "amanhã, sem falta, vou ver Matar ou morrer logo na primeira sessão, às 14 horas, no cinema Guarany".
Era uma outra cultura, uma outra época. O cinema como casa de espetáculos já morreu e está devidamente morto e enterrado.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

ESQUEMA NOVO ANUCIA OS VENCEDORES DE 2009

Bruno Vianna premiado com o filme Ressaca
Foto: Ana Carolina

Por Jean Romeiro

O CineEsquemaNovo 2009 – Festival de Cinema de Porto Alegre (CEN) anunciou sábado (24/10) no Centro Cultural Usina do Gasômetro os filmes vencedores da sua sexta edição. Foram distribuídos 17 prêmios para produções de diversos gêneros, formatos e linguagens, vindas de várias regiões do Brasil, priorizando sempre as idéias audiovisuais expressas na sala de exibição. Os filmes foram escolhidos pelo júri de premiação, composto por Cezar Migliorin, Christian Saghaard, Maria Helena Bernardes, Maria Henriqueta Satt e Lina Chamie, além do voto popular, os participantes da Oficina de Crítica Cinematográfica e a equipe do festival.
A lista contempla as obras em sua individualidade e suas características mais marcantes, gerando prêmios diversos para filmes diversos. Excetuando-se as categorias de Melhor Longa-metragem e Melhor Curta ou Média-metragem, todas as produções em mostras competitivas do CineEsquemaNovo concorreram juntas aos troféus e prêmios em serviços, entregues pelos apoiadores Link Digital, Som de Cinema, Tec Áudio, Lume Filmes, Heco Produções e Revista Aplauso.
“Ressaca”, longa-metragem de Bruno Vianna (RJ), montado em tempo real dentro da sala de cinema, através de um mecanismo desenvolvido pelo diretor, foi um dos grandes premiados da noite levando quatro troféus: Melhor Longa-metragem e Melhor Ator para João Pedro Zappa, pelo Júri de Premiação, além do Prêmio da Nova Crítica, concedido pelos participantes da Oficina de Crítica Cinematográfica e ainda o Melhor Longa pelo voto popular.
Os longas “Loveless” e “A Casa de Sandro” também foram premiados: o primeiro, dirigido por Cláudio Gonçalves (RJ) recebeu menção honrosa “pela composição dos planos e o tratamento rigoroso de enquadramento e decupagem”, enquanto Gustavo Beck foi escolhido o Melhor Diretor por “A Casa de Sandro” (RJ), ambos pelo júri de premiação.
“Sweet Karolynne”, de Ana Bárbara Ramos (PB) foi escolhido pelo Júri de Premiação o Melhor Curta-metragem. Pelo voto popular conquistou o segundo lugar na Mostra de Curtas. O primeiro lugar pelo voto da audiência ficou com o curta mineiro “Perto de Casa”, de Sérgio Borges, que também recebeu menção honrosa do júri de premiação “pela atenção à picardia e pela felicidade na relação cinema, família e mundo”. A melhor direção de fotografia ficou com o mineiro Matheus Rocha, de “A arquitetura do Corpo”, dirigido por Marcos Pimentel.

As produções cearenses também se destacaram nesta mostra. O diretor Guto Parente (CE), que conquistou em 2008 o prêmio de Melhor Curta do CEN por “Espuma e Osso”, foi contemplado neste ano com a Melhor Direção por “Passos No Silêncio” e recebeu o prêmio de Melhor Argumento Experimental, para “Flash Happy Society”. A Melhor montagem foi para outro cearense, “Muro”, de Tião.
Na Mostra Aula de Cinema foram eleitos “1978”, de Tyrell Spencer e André Garcia (Unisinos/RS), que ficou em primeiro lugar, à frente do segundo colocado “Hollywood”, de Laura Montalvão, Marcos Serafim e Thiago Benites (FAP/PR).
Já o Troféu CineEsquemaNovo, concedido pela organização do festival, foi entregue para Carlosmagno Rodrigues (MG), “pela consolidação de uma obra que é acompanhada pelo festival desde a sua primeira edição”.
Confira a seguir a relação completa dos premiados, acompanhados das justificativas do Júri de Premiação e das médias de votação (1 a 5) do Voto Popular:

MELHOR LONGA-METRAGEM – JÚRI DE PREMIAÇÃO“Ressaca”, de Bruno Vianna (RJ / 2009 – 75:00)
Comentário do Júri: “Pela direção dos atores, a força das cenas e o experimento realizado com a montagem ao vivo”.

MELHOR CURTA ou MÉDIA-METRAGEM – JÚRI DE PREMIAÇÃO“Sweet Karolynne”, de Ana Bárbara Ramos (PB /2009 – 15:00)
Comentário do Júri: “Pelo modo como o filme se aproxima com delicadeza e inteligência de seu personagem e tema. Destaca-se a maneira como o filme dessacraliza a morte e elogia a vida”.

MELHOR LONGA-METRAGEM – JÚRI POPULAR“Ressaca”, de Bruno Vianna (RJ / 2009 – 75:00)Média: 4,115

MOSTRA DE CURTAS E MÉDIAS – JÚRI POPULAR – PRIMEIRO LUGAR“Perto de Casa”, de Sérgio Borges (MG / 2009 – 09:30)Média: 4,078
MOSTRA DE CURTAS E MÉDIAS – JÚRI POPULAR – SEGUNDO LUGAR“Sweet Karolynne”, de Ana Bárbara Ramos (PB / 2009 – 15:00)Média: 3, 945

MOSTRA DE LONGAS-METRAGENS – JÚRI DE PREMIAÇÃO – MELHOR ATORJoão Pedro Zappa, por “Ressaca”, de Bruno Vianna (RJ / 2008 – 100:00)
Comentário do Júri: “Pela delicadeza e competência na construção de seu personagem”.

MOSTRA DE LONGAS-METRAGENS – JÚRI DE PREMIAÇÃO – MELHOR DIRETOR Gustavo Beck, diretor de “A Casa de Sandro” (RJ / 2009 – 75:00)
Comentário do Júri: “Pelo rigor narrativo e pelas composições temporais e pictóricas. Existe no filme uma investigação em torno da distância entre personagem e narrador”.

MOSTRA DE CURTAS E MÉDIAS – JÚRI DE PREMIAÇÃO – MELHOR DIREÇÃO“Passos No Silêncio”, de Guto Parente (CE /2008 – 17:00)
Comentário do Júri: “Pela construção da narrativa em seu mergulho no intraduzível da poesia”.
MOSTRA DE CURTAS E MÉDIAS – JÚRI DE PREMIAÇÃO – MELHOR MONTAGEM“Muro”, de Tião (CE /2008 – 18:00)
Comentário do Júri: “Montagem através da qual o filme efetiva uma forma potente de evocação de sentidos.”
MOSTRA DE CURTAS E MÉDIAS – JÚRI DE PREMIAÇÃO – MELHOR ARGUMENTO EXPERIMENTAL“Flash Happy Society”, de Guto Parente (CE / 2009 – 08:00)
Comentário do Júri: “Pela construção de uma narrativa imagético-sonora e pela experiência com imagens do cotidiano”.
MOSTRA DE LONGAS-METRAGENS – JÚRI DE PREMIAÇÃO – MENÇÃO HONROSA“Loveless”, de Cláudio Gonçalves (SP / 2009 – 61:00)
Comentário do Júri: “pela composição dos planos e o tratamento rigoroso de enquadramento e decupagem”

MOSTRA DE CURTAS E MÉDIAS – JÚRI DE PREMIAÇÃO – MENÇÃO HONROSAPara Matheus Rocha, Diretor de Fotografia de “A arquitetura do Corpo”, de Marcos Pimentel (MG / 2008 – 21:00)
Comentário do Júri: “pela precisão e expressividade da fotografia”

MOSTRA DE CURTAS E MÉDIAS – JÚRI DE PREMIAÇÃO – MENÇÃO HONROSAPerto de Casa, de Sérgio Borges (MG /2009 – 09:30)
Comentário do Júri: “Pela atenção à picardia e pela felicidade na relação cinema, família e mundo”

TROFÉU CINE ESQUEMANOVO – JÚRI EQUIPE ORGANIZADORA DO CEN
Carlosmagno Rodrigues (MG)
Justificativa: “pela consolidação de uma obra que é acompanhada pelo festival desde a sua primeira edição”.

MOSTRA DE LONGAS-METRAGENS – PRÊMIO DA NOVA CRÍTICA (Júri Alunos da Oficina de Crítica Cinematográfica)“Ressaca”, de Bruno Vianna (RJ / 2009 – 75:00)
Justificativa: Pela criação de um dispositivo inovador, que está à serviço de uma experiência estética única.

MOSTRA AULA DE CINEMA – JÚRI POPULAR – 1º LUGAR“1978”, de Tyrell Spencer e André Garcia (Unisinos/RS, 2009 – 05:00)Média: 4,275

MOSTRA AULA DE CINEMA – JÚRI POPULAR – 2º LUGAR“Hollywood”, de Laura Montalvão, Marcos Serafim e Thiago Benites (FAP/PR, 2009 – 08:17)Média: 3,774
Mostra Itinerante pelo Brasil

O CEN 2009 traz parte da sua programação para lojas da Livraria Cultura por todo o Brasil. De 29 a 31 de outubro, serão exibidos filmes selecionados e premiados nas mostras competitivas do festival este ano: Mostra de Curtas e Médias-Metragens e Mostra Aula de Cinema. O evento ocorre simultaneamente em Porto Alegre, São Paulo, Brasília, Recife e Campinas, com sessões na quinta e sexta-feira, às 18h e 20h e no sábado às 16h, 18h e 20h.
Sobre o CineEsquemaNovo 2009.

A sexta edição do CineEsquemaNovo – Festival de Cinema de Porto Alegre (CEN) aconteceu de 17 a 24 de outubro, Porto Alegre, na Sala P.F. Gastal, o Cine Santander Cultural e o Cine Bancários.

O festival é organizado por Alisson Avila, Gustavo Spolidoro, Jaqueline Beltrame, Morgana Rissinger e Ramiro Azevedo. Conta com o financiamento da Lei Federal de Incentivo à Cultura e patrocínio da Petrobras. Co-realização da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através da Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal de Cultura. Apoio especial: Santander Cultural. Apoio: Cine Bancários e Livraria Cultura.
Conta com colaboração especial da Nau, Tokyo Filmes e Procempa. Apoio de mídia da MTV, RBS TV e TV Com, TVE, Cine Brasil TV, Ulbra TV, TV Unisinos, Pop Rock, FM Cultura, Unisinos FM, Tordesilhas, Estação Elétrica e Academia de Filmes. Apoio de produção do Master Hotéis, Farofa, Aquavit, Via Imperatore, Atelier de Massas, Copacabana, Sharin, Shullas e Bar do Beto.
Apoio de premiação da Som de Cinema, Tec Audio, Link Digital e Revista Aplauso.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

ROBERT MULLIGAN: CINEASTA DA EVOLUÇÃO

Robert Mulligan: cineasta da evocação

Por André SetaroApesar de não ter alcançado a glória de seus ilustres colegas (Billy Wilder, Hitchcock, George Stevens, Cukor...), Robert Mulligan é um cineasta bem acima da média e que não foi devidamente valorizado, fora alguns filmes ocasionais mais louvados por outros motivos que pela mise-en-scène (como são os casos de O sol é para todos, que deu o Oscar a Gregory Peck, e Houve uma vez um verão).

O blogueiro (ou blogüista), por coincidência, começou a sua trajetória de cinéfilo na mesma época em que Robert Mulligan deu início a seu percurso como realizador cinematográfico, ou seja, em 1957. E, portanto, acompanhou toda a sua filmografia, ainda que os primeiros filmes tenham sido vistos nas constantes reprises que existiam no cinema do passado (a televisão matou a reprise dos filmes). A começar do princípio, não se podia prognosticar o futuro Mulligan em Vencendo o medo (Fear strikes out, 57), uma tentativa biográfica do jogador de beisebol Jim Piersall, interpretado por Anthony Perkins, que se ajusta ao papel, pois o biografado era homem extremamente neurótico, cheio de tiques, manias, e o filme desvenda uma explicação meio freudiana e mostra a causa do desequilíbrio do jogador na infância difícil, dominada por pai severo e rude (Karl Malden). Ainda no cast: Norman Moore.

Mulligan, após Vencendo o medo, passa três anos a esperar a oportunidade de dirigir o seu segundo longa, ainda que, neste interregno, tenha trabalho muito em episódios e seriados da televisão americana. É um cineasta oriundo da tv, mais liberto das normas pétreas dos estúdios, assim como Sidney Lumet, que com mais de 80 anos dirigiu um dos melhores filmes de 2008: Antes que o diabo saiba que você está morto (Before the devil knows you're dead). O filme que se segue a Fear strikes out é A taberna das ilusões perdidas (The rate race, 1960), baseado em peça de Garson Kanin, com Tony Curtis e Debbie Reynolds.

A lembrança que se tem de O grande impostor (The great impostor, 1961) é muito boa, ainda que memória de adolescente que nunca mais teve a oportunidade de revê-lo. A vida de um homem (Tony Curtis) que, durante a sua existência, adotou perto de vinte identidades diferentes, saindo ileso de todas as confusões. Além de Curtis, Edmond O'Brien, Karl Malden, e música do grande maestro Henry Mancini. Neste mesmo ano, 61, uma sophisticated comedy que causou enorme sucesso de bilheteria, mas que, crê-se, vista hoje, não se sustentaria: Quando setembro vier (Come september), com Rock Hudson (o queridinho das comédias românticas), Gina Lollobrigida (a italiana sensual), Walter Slezak, Sandra Dee, Bobby Darin. Rock é um milionário que descobre que seu caseiro transformou sua belíssima villa na Itália em hotel. Mas ele se apaixona por uma das hóspedes, a sensual Lollobrigida. As canções foram compostas (e cantadas) por Bobby Darin. Recorda-se que o primeiro plano do filme, em cinemascope, colorido, mostra um imenso avião que, abrindo seu compartimento de bagagens, faz sair, dele, um Rolls Royce de prata. O script é perfumaria de Stanley Shapiro.

Rock Hudson é convidado para estrelar Labirinto de paixões (The spiral road, 1961), que tem, ainda, Gena Rowlands (a atriz estupenda e esposa de John Cassavetes), Burl Ives, entre outros menos votados. Na verdade, um melodrama, que viu-se no Rio, no poeira Politeama, quando este saudoso cinema, que ficava no Largo do Machado, passava programa duplo, um vehicle para Rock Hudson. No máximo, uma direção eficiente do ponto de vista artesanal.

O grande Mulligan põe sua manga de fora no ano seguinte, em 1963, em O sol é para todos (To kill a mockinbird, 1962), filme que deu o Oscar de melhor ator a Gregory Peck no papel de um advogado humanista que defende um negro. A ação se localiza numa cidadezinha de Alabama em 1920, racista e preconceituosa. O negro é injustamente acusado de violentar uma branca. Tudo é contado pelo ponto de vista do casal de filhos do advogado e há um tom evocativo que Mulligan viria a adotar em outros de seus filmes. Com Mary Badham, Rosemary Murphy. Baseia-se num livro escrito por Herman Lee, amiga de Truman Capote.

Em 1963, Mulligan resolve fazer um filme in loco em Nova York: O preço de um prazer (Love with the proper stranger, 1963). Cineasta oriundo da televisão, como já aqui se referiu, com os talentosos Frankenheimer, Lumet, há, neste filme, um enfoque que se pretende menos hollywoodiano e com certa influência do neo-realismo italiano (Hitchcock, o grande Hitchcock, o mestre dos mestres, já fizera uma experiência quase neo-realista em O homem errado (The wrong man, com Henry Fonda como o músico que é confundido com um assassino e, no final, quando a polícia descobre o verdadeiro culpado, e os dois se encontram face a face, Fonda tem pena do homicida, porque sabe que vai passar pelo mesmo calvário que ele.) Mas O preço de um prazer é sobre uma caixeira do Macy’s, que não é outra senão a sublime Natalie Wood, que engravida depois de passar uma noite com um estranho (Steve McQuenn). Ela, então, pede sua ajuda para encontrar um médico para que realize um aborto. A partitura é de Elmer Bernstein e a fotografia (em expressivo preto e branco), de Milton Krasner.

Ainda em 1965, Mulligan, apesar de já ter demonstrado ser um realizador acima da média, fora notado apenas por alguns exegetas da crítica francesa, e certos hermeneutas americanos como Andrew Sarris e Peter Bogdanovich, mas, neste ano, realiza O gênio do mal (Baby, the rain must fall), aproveitado o astro (McQuenn) do filme anterior, que, aqui, é um homem que sai da prisão, volta para a mulher (Lee Remick) e tenta ganhar a vida como guitarrista e cantor. Mas o xerife da cidade (Don Murray) vem a se apaixonar por ela, criando, com isso, o conflito básico. O afamado Glenn Campbell aparece no conjunto no qual McQuenn toca.

O touch mulliganiano está acesso com sensibilidade e a devida evocação na obra que se segue: À procura do destino (Inside Daisy clover, 1966), cujo tratamento temático é avançado para a época. Mulligan procura fazer de sua personagem principal, uma estrela juvenil problemática de Hollywood, o protótipo de todas as atrizes que tiveram problemas na sua trajetória (de Judy Garland a Marilyn Monroe): o patrão tirânico, o marido homossexual, a avó psicótica. Com Natalie Wood, em seu esplendor na relva, Robert Redford, Christopher Plummer, colhendo os louros como o Capitão Trapp de A noviça rebelde/The sound of music, e a sempre inexcedível Ruth Gordon.

Subindo por onde se desce (Up the down staircase, 1967) é também um filme in loco, que procura enfocar a problemática de uma professora de escola de periferia de Nova York, Sandy Dennis, obra que procura sempre um tom realista no desenvolvimento de sua narrativa. Ainda que não seja um grande filme, lembra Sementes da violência, de Richard Brooks, com Glenn Ford e Sidney Poitier.

Os anos 60 se aproximam do fim e Maio de 68 se anuncia. Mas Mulligan, alheio ao que se passa, se refugia no western, mas western de primeira linha, um de seus melhores filmes: A noite da emboscada (The stalking moon, 1969), com Gregory Peck, militar do exército que, prestes a se aposentar, encontra, desamparados, uma mulher (Eva-Marie Saint) e seu filho, fruto de uma relação com apache violento, e decide transportá-los a lugar seguro, mas o índio, ao tomar conhecimento, resolve perseguí-los. A perseguição, num desenvolvimento que faz lembrar, tal a tensão, um thriller eletrizante, em nenhum momento faz aparecer o apache. Tudo é tensão, atmosfera, clima. Uma direção de brilhantismo indiscutível.

Em 1970, porém, volta-se aos jovens contestadores, apoiando-se num argumento bem de acordo com sua época contestatória e faz uma espécie de documento sociológico em O caminho da felicidade (The pursuit of happiness). Michael Sarrazin é um rebel without a cause que, com seu carro, para escapar de pagar o estacionamento, mata um operário e vai para trás das grades, mas foge e, com sua namorada (Barbara Hershey) empreendem uma fuga alucinante que parece não ter fim num autêntico road movie.

E vem Houve uma vez um verão (Summer of ’42, 1971), obra delicada e feita com sensibilidade sobre a iniciação sexual de um adolescente (Gary Grimes) que, num verão de 1942, quando os Estados Unidos entram em guerra, seduz a esposa (Jennifer O’Neil, carioca de nascimento, que Howard Hawks, por causa deste filme, aproveitaria em seu derradeiro western, Rio Lobo, ao lado de John Wayne) de um oficial que está ausente envolvido no conflito bélico de então. Mulligan conduz o relato com extrema finesse e o filme é uma mostra da vacuidade de certas mulheres que, deixadas sozinhas por circunstâncias alheias à sua vontade, ficam ao relento do desejo e das paixões. Há um tom evocativo que o cineasta repete com plena consciência de suas possibilidades poéticas, principalmente quando a partitura é de um maestro como Michel Legrand. E a fotografia de Robert Surtees é um assombro.

Talvez não exista um filme que trata da maldade embutida na infância do que A inocente face do terror (The other, 1972). Ambientado em Connecticut, em 1935 – e novamente aquele atmosfera de evocação tão peculiar a Mulligan, dois garotos gêmeos se deparam com a maldade e a perversidade. A mise-en-scène do realizador atesta o seu vigor, a sua singularidade, a sua marca no cinema americano. Mas o melhor, por incrível que possa parecer, ainda estaria por vir: Jogos do azar, testamento do cineasta, uma obra de densidade exemplar, um pulsar envolvente, magistral, cinema puro na sua procura de decifrar e fazer ver a beleza possível de uma mise-en-scène. O intérprete principal de Jogos de azar (The nickel ride, 1974) é Jason Miller, que viria, neste mesmo ano, a fazer um padre em O exorcista, de William Friedkin.

Encerra-se esta breve homenagem a Robert Mulligan com as palavras de Carlos Reichenbach, que fecha com chave de ouro a trajetória desse importante realizador, destacando, o Comodoro, a beleza de um filme como The nickel ride.

“É curioso notar que outros cineastas da mesma geração, como Robert Mulligan, por exemplo, que não foram tão incensados pela crítica no começo, acabaram realizando uma obra menos pretensiosa e muito mais coerente. No caso de Mulligan, o sucesso popular e o prestígio em Hollywood, só veio a acontecer no meio da carreira, com Houve uma vez no verão (Summer Of 42) e A inocente face do terror (The other), ambos de 72, embora ele já tivesse realizado filmes mais notáveis como Fear strikes out (Vencendo o medo - 57), To kill a mockingbird (O Sol é para todos - 63), Baby, the rain must fall (título deslumbrante, burramente "traduzido" como O gênio do mal - 64), Inside daisy clover (À Procura de um destino - 66), Up the down staircase (Subindo por onde se desce - 67) e The pursuit of happiness (uma ode radical ao inconformismo, lançada no Brasil com o título de O caminho da felicidade - 70). É verdade que, após o sucesso com os dois filmes citados acima e o fim de sua parceria com o produtor Alan Pakula - que também se tornou diretor de cinema, mas num estilo mais cool e menos arrojado que Mulligan - sua obra caiu em desgraça. Embora tenha produzido e dirigido o filme mais anticomercial de Hollywood, The nickel ride (Jogos de azar - 74) - um drama chumbo grosso e depressivo sobre viciados em jogo, fotografado inteiramente com iluminação vertical onde mal se vê os olhos do atores - encerrou a carreira com uma péssima adaptação ianque de Dona Flor E Seus Dois Maridos e o chorumela Clara´s heart."

domingo, 29 de novembro de 2009

FILME SOBRE OS NOVOS BAIANOS É PREMIADO EM BRASILIA

HENRIQUE DANTAS E MORAES MOREIRA NO FESTIVAL DE CINEMA EM BRASILIA

Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano


titulo original: (Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano)


lançamento: 2009 (Brasil)


direção: Henrique Dantas


atores: Tom Zé , Orlando Senna , Rogério Duarte , Mário Luiz Tompson de Carvalho , Solano Ribeiro


duração: 75 min


gênero: Documentário


status: inéditos