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sábado, 25 de abril de 2020

SOS AUDIOVISUAL

BETO MAGNO, RADA REZEDÁ E DR. FRANCISCO LEITTE

PROGRAMA CAFÉ COM LEITTE"
TV Verde Vale - Juazeiro do Norte - Ceará


CINEMA EM CRISE

Com fundo retido, setor audiovisual brasileiro corre risco de quebrar

Após período de crescimento, setor entrou em crise com governo Bolsonaro; trabalhadores e entidades cobram medidas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
 
Com a pandemia, salas de exibição estão fechadas e produções foram interrompidas - Divulgação Cinemateca Capitólio

Do boom dos anos 2000 até uma nova recessão que veio a partir de 2016, agravada pelo descaso e desinteresse do governo Jair Bolsonaro, o setor audiovisual é mais um entre tantos segmentos a sofrer com a pandemia causada pelo novo coronavírus. Com um diferencial: possui recursos do Fundo Setorial Audiovisual (FSA), estimados em R$ 724 milhões, mas que não são repassados há cerca de um ano por falta de vontade política, apontam representantes do setor. Para eles, provavelmente, muitas empresas não sobreviverão se não houver o mínimo de atenção e socorro por parte do governo federal.
Criado em 28 de dezembro de 2006, por meio da Lei 11.437,o FSA pertence ao Fundo Nacional da Cultura (FNC) e tem como finalidade estimular, por meio de editais, a produção do cinema independente, a distribuição de obras audiovisuais, a produção regional e a parceria com outros países. Seus recursos vêm principalmente da arrecadação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). Todo o produto — conteúdo audiovisual, as empresas, as teles, as TVs — pagam esse imposto e, a partir dele, as produções audiovisuais são realimentadas.
Conforme explica a presidenta da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do Estado do Rio Grande do Sul (APTC), Daniela Strack, a explosão do setor se deu principalmente a partir de 2010, com a Lei da TV Paga, por meio da qual as teles passaram a ser obrigadas a contribuir com o Condecine. “Houve um boom de uma demanda das TVs pelo conteúdo nacional. O mercado vivia um momento de plena expansão, e aqui, no Rio Grande do Sul, não era diferente. Tivemos uma série de novas produtoras surgindo, realizadores conseguindo fazer os seus primeiros ou segundos longas já financiados pelo Fundo Setorial do Audiovisual ou também por outros editais do Ministério da Cultura”, aponta.
“O audiovisual brasileiro estava a pleno desenvolvimento, no caminho de se tornar uma importante e forte indústria, gerando mais de 300 mil empregos diretos e crescendo a uma taxa média de 8,8% ao ano, quando o atual governo assumiu e paralisou a Ancine [Agência Nacional do Cinema] e o FSA”, complementa o diretor, produtor executivo e presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual RS (SIAV RS), Rogério Rodrigues.
Ao assumir o governo, Bolsonaro não nomeou o comitê gestor do FSA, o que fez com os recursos permanecem paralisados, explica Daniela. “Há um ano estamos com os recursos parados de projetos já aprovados, selecionados em editais, e esse Fundo não pode ser movimentado por uma vontade política, seria só nomear esse comitê gestor”, aponta. A estimativa é que haja, em todo o país, de 400 a 600 projetos de filmes e séries parados.
Para agentes da categoria, desde que Bolsonaro assumiu, há um desprezo e perseguição ao setor, e o enfraquecimento da Ancine. “A Ancine sofreu um abalo muito grande com esse governo, uma intervenção muito grande e não foi reestruturada. Toda a indústria audiovisual sofre muito com isso. Pela agência passa o fomento, discussão sobre legislação, toda a parte normativa da atividade. E se ela está desestruturada, tem uma consequência enorme na produção, tanto para cinema, quanto televisão”, delineia a cineasta, diretora, roteirista e sócia da produtora Casa de Cinema de Porto Alegre, Ana Luiza Azevedo.

Mesmo com setor parado, administradores liberam suas obras; na foto, Lázaro Ramos em "Meu Tio Matou um Cara" / Divulgação / CP
Dos recursos travados no Fundo, há um edital contemplado para o Rio Grande do Sul, em fase de contratação, o FAC 2, no valor de R$ 7 milhões, sendo R$ 1,5 milhão aportado pelo estado e os outros R$ 6 milhões de recursos da Ancine e do Fundo. “Há uma apreensão muito grande, inclusive uma pressão da Secretária de Estado da Cultura (SEDAC), Bia Araújo, para que esses recursos sejam aportados pela Ancine, para que a agência cumpra o contrato com o estado, de fazer esse repasse de verba”, afirma Daniela.
O Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais da Cultura, entre suas as  principais reivindicações, solicitou a necessidade de liberação imediata dos recursos do FNC e FSA, como forma de retomar a atividade da economia da cultura no país. De acordo com Bia Araújo, ainda não se obteve resposta a este pleito. “Aguardamos nova agenda com a Secretária de Cultura do governo Federal, Regina Duarte para renovar nossos pleitos”, comunica a secretária.
Conforme reforça Ana Luiza, esse dinheiro não pode ficar parado. “O dinheiro é da indústria para a própria indústria, é retroalimentado por ela. Isso acaba provocando uma crise muito grande, uma paralisia muito grande. E agora, com o isolamento social, tem a dificuldade de como produzir, várias produções foram canceladas. Como vamos sair dessa, ainda não sabemos”, afirma.
Com a covid-19
A pandemia parou produções no mundo todo, desde a potente indústria hollywoodiana às produções de novelas no Brasil. Contudo, o abalo maior se dá nos trabalhadores do setor.
“Toda a indústria cultural sofreu muito com a pandemia. Quem depende de espetáculos acabou ficando completamente paralisado. O audiovisual é uma cadeia enorme, os exibidores estão com as salas completamente fechadas, sem ter previsão de quando voltar, porque mesmo que o isolamento termine e que o público se sinta encorajados a voltar às salas de cinema, vai se passar um tempo. A gente imagina que vai ter uma mudança muito grande do comportamento do público em geral para qualquer tipo de atividade que prevê um acúmulo maior de pessoas”, ilustra Ana.
De acordo com o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), o parque exibidor brasileiro encerrou o ano de 2019 com um total de 3.477 salas de exibição em funcionamento, ultrapassando o recorde de 3.347 salas em 2018 e distanciando-se ainda mais do recorde histórico anterior de 3.276 salas em 1975.

Sudeste e Nordeste foram as que mais cresceram em números de salas de exibição em 10 anos / Fonte: OCA - Ancine
Para Ana Luiza, é difícil fazer uma previsão do que acontecerá com o setor. “Talvez muitas salas de cinema não aguentem, muitas vão acabar sendo fechadas, tudo isso é especulação. Talvez termine tudo e as pessoas queiram ir para a rua, para o cinema. É difícil prever o que vai acontecer”.            
Conforme pontua Rogério, o setor audiovisual é muito específico e não está sendo atendido pelas medidas anunciadas pelo governo federal. De acordo com ele, poderia se autorizar um socorro de emergência para o setor com recursos do próprio fundo. “Basta existir vontade política em um momento de emergência”, pontua.
Como solução, exemplifica o diretor, o FSA poderia criar editais de emergência de desenvolvimento de projetos, núcleos criativos e editais de finalização, processos de trabalho adaptáveis ao isolamento social, com valores relativamente baixos para permitir a maior abrangência possível de produtoras e de profissionais.
“Já temos grupos de trabalho neste sentido e esperamos nos próximos dias nos unirmos a outras entidades em busca de uma proposta do setor, mas o grande entrave são as regras de seleção e contratação do FSA, que precisam ser flexibilizadas em um momento de emergência como este que exige união, solidariedade e respeito”, conclui.
Mapeamento da situação dos profissionais
Assim como muitos setores da cultura, os profissionais do audiovisual vivem em uma situação híbrida entre ser arte e ser indústria, ilustra Daniela, e muitos se encontram em um limbo no tocante às leis trabalhistas. “Pouquíssimos deles são contratados via CLT, a maioria tem suas empresas individuais, ou uma MEI, ou uma ME”, destaca Daniela. De acordo com ela, isso coloca numa situação de fragilidade porque grande parte dos profissionais não se enquadra nos projetos de renda mínima elaborados pelo governo federal.
Para traçar um panorama da situação dos profissionais do setor, a APTC lançou um mapeamento no último dia 15. Com mais de 300 questionários preenchidos, o diagnóstico preliminar aponta que 80% não possuem vínculo empregatício; 44% são usuários do Sistema Único de Saúde (SUS); 44% se dizem não elegíveis para concessão emergencial; 46% contribuem com a Previdência Social; 80% tiveram trabalhos cancelados por conta da pandemia; e 21% estão com dificuldade de receber cachês tanto de trabalhos interrompidos pela pandemia, quanto de trabalhos realizados. Diante da pergunta “com a atual paralisação do setor, você teria condições de manter o sustento seu e da sua família por quanto tempo?”, 24% responderam que teriam por pelo menos 30 dias, 39% responderam ter sustento por 30 a 60 dias e 11% responderam acima de 90 dias.
Amparo ao trabalhador
“Sugerimos, junto com outras entidades, a criação de um Fundo de Amparo ao Trabalhador. Mas o que acho mais importante, e que reiteramos em uma reunião com a secretária Bia Araújo, foi a criação de um comitê de crise da cultura no estado, do qual as entidades façam parte assim como os colegiados setoriais, para que possamos pensar em políticas públicas que abranjam todos os profissionais dessa cadeia. Há uma série de profissionais que não se sentem contemplados pelas ações que a secretaria vem desenvolvendo até o momento”, destaca Daniela. 
Mesmo com toda a adversidade, afirma Ana, todo mundo está solidário. “Agora não podemos largar a mão de ninguém. Não é hora de ganhar dinheiro com isso, pelo contrário, é hora de ser solidário, estarmos juntos e apoiando quem tem que estar lá na linha de frente, que são os profissionais de saúde. Então tudo que nós pudermos fazer para que as pessoas possam ficar em casa, para que o sistema de saúde não se sobrecarregue, vamos fazer, e o que podemos fazer é contribuir com o nosso trabalho”, aponta a cineasta. Entre as ações está a disponibilização de filmes feitos pela própria Casa de Cinema, pela Cinemateca Capitólio e pela Cinemateca Paulo Amorim.
Nesse sentido, a Casa de Cinema de Porto Alegre e Caetano Veloso lançaram um clipe para arrecadar fundos a universidades. A iniciativa foi do diretor Jorge Furtado, com o apoio do movimento #342 Artes. Objetivo é reforçar a importância do isolamento social e promover doações às áreas de pesquisa em testes de coronavírus na UFRGS, UFRJ e USP.
Cadê Regina?

Imagem circula nas redes sociais cobrando providências da secretária da Cultura / Reprodução
“Esse governo decretou os artistas como seus inimigos número 1, é um governo que funciona tendo que ter um inimigo. E a própria secretária de cultura (Regina Duarte), não sei onde ela anda, não se manifesta. Nem mesmo na morte, tanto do Morais Moreira quanto do Rubens Fonseca, que foram perdas enormes da cultura, ela se mostrou”, frisa Ana. O ator Marcos Caruso, em sua rede social, lembrou esse fato também. De acordo com ele, cultura também é cultivar bons hábitos.
Ao se analisar a conta oficial da secretária no Instagram, esse silêncio é comprovado. Diante disso, um grupo de atores, diretores e produtores iniciou uma campanha virtual perguntando onde está a secretária e cobrando providências para o setor, em destaque a liberação do Fundo Nacional.
Medidas aprovadas
Nesta quarta-feira (22), a Ancine anunciou medidas para o setor. Entre elas está a linha de crédito emergencial para o setor audiovisual. De acordo com a agência, o objetivo é a  manutenção dos empregos e das empresas do setor, inclusive exibidores proprietários de salas de cinema atualmente fechadas. Os recursos já disponíveis são R$ 250 milhões para operações diretas (BNDES); e R$150 milhões para operações indiretas (BRDE). Também a suspensão temporária por seis meses para pagamento das parcelas de crédito contratadas junto ao BNDES, com recursos do FSA, visando a preservação da capacidade financeira das empresas de infraestrutura audiovisual. Ainda um apoio não reembolsável ao pequeno exibidor, com o objetivo de manter os empregos e as empresas exibidoras de cinema de pequeno porte, com recursos de R$11 milhões. As Propostas precisam agora passar pela aprovação do Comitê Gestor do FSA. Mais detalhes podem ser acessados aqui.
Também no dia 22, o Senado aprovou a inclusão de artistas de várias áreas no auxílio emergencial do governo.
Ação Solidária
Após ouvir relatos da equipe com quem trabalha, o diretor de fotografia Lucas Cunha, juntamente com Wilton Soares Martins, criou uma rede para arrecadação de fundos para aquisição de cestas básicas. Posteriormente, se somou à equipe Beto Picasso, diretor de produção. A ação que começou no dia 7 de abril conseguiu, até o momento, distribuir 76 cestas básicas. “Temos indiretamente beneficiado 248 familiares. Nossa ação continua arrecadando, temos garantido o mês de maio”, relata Lucas. 
A realidade dos 65 profissionais cadastrados, de acordo com Lucas, é preocupante. “Muitos profissionais ganham por diária. Só trabalham nessa área. Estamos conseguindo dar alimento, mas tem pessoas que não tem como pagar aluguel. Dá para contar na mão os que não precisaram, que estão conseguindo se manter, mas 90% não sabem como pagarão o aluguel .” Sobre o auxílio, Lucas pontua que muitos profissionais não sabem se cadastrar ou não se encaixam nos requisitos.
Para contribuir com a ação solidária do audiovisual, você pode entrar em contato com Lucas Cunha por meio do telefone (51) 9.8201.1988.
Edição: Marcelo Ferreira