domingo, 11 de julho de 2010

LIVRO DE BERTOLUCCI


Bernardo Bertolucci, Um dos mais importantes cineastas italianos do século XX, lançou na semana passada (30) seu livro La Mia Magnifica Ossessione, uma coleção de textos sobre cinema, já publicados em jornais e revistas (além de transcrições de discursos), recolhidos e reorganizados por dois críticos, Fabio Francione e Piero Spila. O livro, não necessariamente uma autobiografia, trata dos pensamentos, opiniões e da trajetória de um dos mais revolucionários, inventivos e consagrados diretores do cinema europeu. Aos 69 anos, Bertolucci surpreendeu ao chegar para o lançamento do livro em uma cadeira de rodas, fruto de uma doença que bloqueia parte de seu corpo e que o obriga a viver praticamente sem sair de casa. Nos últimos anos, o diretor, ganhador de 9 Oscars (entre muitos outros prêmios), se recusa a falar em público. Ao lado de Fellini e Pasolini (com quem trabalhou como assistente no início da carreira), Bertolucci é uma referência intelectual da sétima arte, embora não goste de ser assim tratado.


O engajamento em questões sociais e políticas sempre ficou claro em seus filmes, mesmo quando foi trabalhar nos Estados Unidos (1967), onde escreveu o roteiro de Era uma vez no Oeste, o clássico de Sérgio Leone, marcado como um dos filmes mais importantes da história do cinema. Mesmo em Hollywood, terra das frivolidades, Bertolucci exerceu seu talento com total franqueza e coragem. Antes de fazer cinema, o cineasta estudou na Universidade de Roma e ganhou alguma fama como poeta. Em 1961 trabalhou como assistente de direção no filme “Accattone”, de Pasolini, tendo em 1962 dirigido seu primeiro longa, La commare secca. Mas foi com Antes da Revolução que sua trajetória de sucesso começou e não parou mais.

Já nos EUA, dirigiu O Conformista (1970), e sua obra-prima, O Último Tango em Paris (1972), um impecável mergulho na decadência de um homem (Marlon Brando) que repassa seus sentimentos através de um brevíssimo relacionamento com uma moça. O filme, graças a belíssima magia erótica introduzida por Bertolucci, escandalizou os patrulheiros de plantão, mas não deixou de ser reconhecido como uma das mais belas obras dos anos 70. Alias, o escândalo e a ousadia sempre foram uma marca na trajetória desse italiano, nascido em Parma, e crítico feroz de Berlusconi (“existe desilusão e decepção entre as pessoas na Itália, e é por isso que acabamos tendo essa desgraça chamada Berlusconi como primeiro-ministro”).

Em La Luna, de 1979, Bertolucci mergulha no relacionamento incestuoso de uma grande soprano e seu filho drogado, fazendo as colunas da moralidade novamente tremerem, embora o filme seja lindo, lírico e de grande intensidade dramática. A consagração veio em 1987, com O Último Imperador, obra colecionadora de vários Oscars, um BAFTA e outras premiações. Trata-se de um filme “eternamente atual”, sublime, que narra a história de Aisin-Gioro Puyi, o último imperador da China Imperial, desde o seu esplendor até a década de 50 quando termina sua vida como um simples jardineiro em Pequim.

Em O céu que nos protege (1990), Bertolucci volta a incomodar o cinema convencional, quando narra um casal de nova-iorquinos em conflito (Debra Winger e John Malkovich) que decide viajar pela África em busca de alguma coisa que desperte a reaproximação, ou algum alento que dê sentido às suas vidas. Seu último filme,Os Sonhadores (2003), baseado no livro de Gilbert Adair (também roteirista do filme), não teve problemas com a censura, mas o estúdio Fox pediu o corte de uma longa cena de sexo e nudez masculina. A obra narra a história de um imberbe e ingênuo estudante americano, apaixonado por cinema, que se muda para Paris dias antes do levante estudantil de maio de 1968. Fica amigo de um casal de irmãos franceses que o faz mergulhar em experiências sexuais e filosóficas. O diretor, que sempre considerou a Primavera de 68 como um “um momento mágico” da história, mostra no filme um relacionamento carregado de metáforas sobre o que viria a seguir para a juventude pós-68.

Bertolucci é um dos últimos visionários da sua geração de cineastas, um autor que não teve medo de desvendar as vísceras das relações humanas e as suas múltiplas matizes sociais e políticas. O brilho está em como ele consegue fazer isso sem ser panfletário, cabotino ou risível. A cena final de “O Último Imperador” é uma assustadora visão da frustração humana, filmada sem medo, sem ódio e com incrível encantamento. Uma cena que talvez tenha tudo a ver com o atual esplendor chinês, que para mim está repleto de dúvidas sobre o seu futuro.