domingo, 8 de setembro de 2013

A COLEÇÃO INVISÍVEL

Vladimir Brichata e Walmor Chagas

Por Blog da Maria Preta

                           Bernard Attal, dedicou o prêmio ao povo da Região Cacaueira da Bahia.

"A imagem que guardo do Walmor Chagas é o riso dele. E isso é ainda muito forte", recordou no debate de sábado (17) do longa A Coleção Invisível um dos filmes premiados do Festival de Cinema de Gramado, o francês Bernard Attal, último cineasta a dirigir o ator, morto em janeiro, aos 82 anos e homenageado na noite de premiação do evento com o Kikito de Melhor Ator Coadjuvante. 

"Eu era muito fã do Walmor, mas foi o último papel que eu escalei. Eu nem sabia se ele ainda trabalhava, porque fazia tempo que não saía nada dele no cinema", continuou o diretor, que rodou o longa na Bahia, em 2011. "Mandei o roteiro para ele, ele gostou, então fui buscá-lo no sítio (onde Walmor morava, no interior de São Paulo), algo bem comparável à viagem de Beto”, declara Attal.

“A Coleção Invisível”, filme do baiano-francês Bernard Attal,apresenta Vladimir Brichta pela primeira vez como protagonista e Walmor Chagas em seu último longa-metragem. Baseado em conto homônimo do austríaco Stefan Zweig, estreia no dia 06 de setembro em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. O longa recebeu o Prêmio de Melhor Filme no Fest-In de Lisboa. Em Gramado, além do prêmio para Chagas o filme também levou Atriz Coadjuvante para Clarisse Abujamra e Melhor Filme, pelo juri popular, Bernard Attal dedicou o premio ao povo da Regiao Cacaueira da Bahia.

A produção mostra a trajetória de Beto (Vladimir Brichta) quese aventura pelo interior da Bahia em busca de uma coleção de gravuras raras, para resolver a crise financeira da loja de antiguidades da família. Ao longo da viagem, encontra Samir (Walmor Chagas), o colecionador, e a sua família arruinada pela decadência das plantações de cacau. O encontro o faz mergulhar na própria historia familiar e mudar sua visão do mundo.

O filme tem como cenário as plantações de cacau do Sul da Bahia, paisagens que Attal, apaixonado por literatura, conheceu nos romances de Jorge Amado. O cineasta percorreu a região cacaueira durante muito tempo, entrevistando as pessoas que tinham vivido no esplendor da “época de ouro do cacau”, as viagens deram origem ao premiado documentário “Os Magníficos” (2009), e agora inspiraram “A Coleção Invisível”. Cenas inéditas serão disponibilizadas no canal do filme no YouTube.

O roteiro de“A Coleção Invisível” é inspirado no conto homônimo do Stefan Zweig. Refugiado no Brasil no final dos anos trinta, após o avanço do nazismo, Zweig é também o autor da obra “Brasil, país do futuro”.

A Coleção Invisível será lançado em Setembro, nos cinemas.

Sobre o diretor – O baiano-francêsBernard Attal dirigiu três curtas-metragens, “29 Polegadas”, “Ilha do Rato”, “Um Passeio de Bicicleta”, e “Os Magníficos”, um documentário para a TV Pública Brasileira. Todos os filmes participaram e ganharam prêmios em Festivais ao redor do mundo, incluindo Palm Springs, Londres-BFI e Clermont-Ferrand. 

A COLEÇÃO INVISÍVEL 

Diretor:Bernard Attal

Elenco: Vladimir Britcha (Beto), Walmor Chagas (Samir), Ludmila Rosa (Saada), Conceição Senna (Dona Iolanda), Clarisse Abujamra (Dona Clara), Frank Menezes (Néemias), Wesley Macedo (Wesley) e Paulo-César Pereio (locutor de rádio). 

Duração: 89 min 

Classificação indicativa: 14 anos 

Distribuição: Pandora Filmes 

Sinopse - Beto, um jovem sem rumo, atravessa uma crise pessoal e financeira que o leva a viajar pela região cacaueira. A partir do encontro com um velho colecionador de arte, mudará definitivamente sua visão de mundo. Entre o jovem Beto e Samir, um intervalo de tempo se interpõe e se completa, Beto irá descobrir um segredo guardado no tempo e Samir o fará reencontrar-se com sua própria história familiar. 

Trailer: 

Fonte Kalik Produções Artísticas

sábado, 7 de setembro de 2013

JOBS - Trailer (leg)



A história da ascensão de Steve Jobs, de rejeitado no colégio até tornar-se um dos mais reverenciados empresários do universo da tecnologia no século 20. A trama passa pela jornada de autodescobrimento da juventude, pelos demônios pessoais que obscureceram sua visão e, finalmente, pelos triunfos que transformaram sua vida adulta.

MADRIGAL DE MEMÓRIAS



" Entre o cinema e a poesia, a memória e a imagem, o Cine Madrigal não delimita espaços e molduras; ele percorre as lembranças não apenas da arte. Outros olhares o invade, tocamos e transitamos por ele, seguindo esses passos que nos levam para as bordas da imagem, sobre outros planos da migração do olhar de três homens que fizeram parte dessa história".

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

ENTREVISTA COM GLAUBER ROCHA

UM POUCO DE TRUFFAUT



Por André Setaro

Ao contrário do cinema de seus companheiros da Nouvelle Vague – Godard, Rohmer, Chabrol, Rivette, Resnais…-, racionalista e cerebral, o de François Truffaut é feito com a emoção e o coração, com extrema sensibilidade e uma simpatia incomum pelos seus personagens, que são tratados com ternura, generosidade e afeto. O crítico ferrenho, radical, intransigente, das revistas Cahiers du Cinema e Arts et Spetacules, que ataca em seus escritos o cinema clássico francês e o realismo psicológico de acadêmicos como Claude Autant Lara, Julien Duvivier, entre outros, sofre uma espécie de metamorfose quando passa a realizar filmes, transformando-se num cineasta terno e amável.
Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, cuja tradução literal é Os Quatrocentos Golpes), além de inaugurar a Nouvelle Vague – juntamente com Acossado, de Godard, Hiroshima, de Resnais… -, dá início à carreira de Truffaut como realizador de longas. E, neste 2009, a distância deste filme é de exatos 50 anos. Aqui também começa o ciclo dedicado a Antoine Doinel (sempre interpretado por Jean Pierre Léaud), um personagem com evidentes elementos autobiográficos, através do qual aborda o rito de passagem da infância à idade adulta. É a nostalgia da adolescência que Truffaut reflete nos filmes do ciclo Doinel, a fugacidade do tempo e a ânsia de amar, a chegada à idade adulta, o casamento… (Antoine et Colette, 1982, episódio de O Amor aos Vinte Anos/L'Amour a vints ans; Beijos Proibidos/Baisers Volés, 1968, Domicílio Conjugal/Domicile Conjugal, 1970, e; Amor em Fuga/L'Amour en Fuite, 1978).
(Em Os Incompreendidos, Truffaut, avant la lettre, considerando a época, alude à Nouvelle Vague e a seu amigo e colega Jacques Rivette, quando os pais de Antoine – que, por sinal, nos outros filmes do ciclo estão sempre 'indo ao cinema' – decidem ir ver Paris Nous Appartient, de Rivette, filme emblemático, apesar de pouco conhecido do movimento francês, e, de volta, no automóvel, consideram-no 'muito bom' – melhor homenagem impossível).
Romântico, sem, contudo, abandonar a visão irônica e dolorosa das relações afetivas, Truffaut tem a sua obra-prima já na terceira incursão longametragista: Uma Mulher para Dois/ Jules et Jim (1961), crônica de uma relação triangular (Oskar Werner, Jeanne Moreau…) baseada no texto literário de Henri Pierre Roché, autor que lhe serviria de inspiração para realizar, dez anos depois, abordando a mesma temática da dificuldade de amar, As Duas Inglesas e o Continente/ Les Deux Anglaises et le Continent (1971). O problema da comunicação no amor, aliás, do amor impossível,en fuite, é uma constante na filmografia de Truffaut, como revelam A História de Adele H/ L'Histoire de Adele H (1976), com Isabelle Adjani, A Mulher do Lado/ La Femme de la Cote (1981), entre outros.
Se seus colegas da Nouvelle Vague procuram elaborar uma linguagem que desconstrói o discurso cinematográfico tradicional, revertendo os cânones da lei de progressão dramática griffithiana, François Truffaut não pretende nunca em seus filmes dissolver a estrutura lingüística, mas, ao contrário, busca desesperadamente a fluência narrativa, o toque mágico capaz de envolver o espectador a fazê-lo pensar que não está no mundo. É verdade que brinca com a metalinguagem, mas num sentido de reverência e ao cinema como em A Noite Americana/ La Nuit Americaine (1973), belíssima homenagem ao processo de criação cinematográfica onde Truffaut comparece como ele mesmo no papel de um diretor que faz um filme. O filme dentro do filme, portanto.
Outra vertente temática na obra truffautiana é a dominante policial, influência, na certa, de sua admiração por Alfred Hitchcock – seu livro de entrevista com este, Hitchcock/Truffaut, da Brasiliense (e, agora, em outra edição pela Companhia das Letras), é, simplesmente, uma aula magna de cinema. Há Hitchcock em Fareinheit 451 (1966), que faz na Inglaterra, com o mesmo Oskar Werner de Jules et Jim, baseado na ficção-científica de Ray Bradbury. Outra obra alusiva ao mestre é A Noiva Estava de Preto/ La Mariée Était em Noir (1967), com Jeanne Moreau ou, mesmo, Tirez sur le Pianiste, segundo filme (1960), e A Sereia do Mississipi/ La Sirene du Mississipi (1969), no qual declara, através das imagens em movimento, a sua paixão momentânea, Catherine Deneuve, que trabalha, aqui, ao lado de Jean Paul Belmondo. E no seu canto de cisne De Repente num Domingo/ Vivement Dimanche (1984), cujo 'claro/escuro', proposital, vem em auxílio de uma proposta estilística em função do film noir francês. Sem esquecer o elaborado, como mise-en-scène, Um só pecado (Le peau douce, 1963).
Autor, porque dono de um estilo próprio, marcante, ainda que com um universo temático diversificado, François Truffaut, na sua filmografia, envereda por assuntos diversos, a exemplo de O Garoto Selvagem/ L'Enfant Sauvage (1970), filme sobre a luta de um médico, no século XIX, para 'domar', um menino bárbaro criado sem contato com a civilização – influência possível para Werner Herzog em O Enigma de Kaspar HauserNa Idade da Inocência/ L'Argent de Poche (1976), experiência na qual, repetindo Jean Vigo (Zero de Conduite), o universo que retrata é constituído somente de crianças. Sem esquecer O Último Metrô/ Le Dernier Metro (1980), uma volta ao passado, Segunda Guerra Mundial na França ocupada, para valorizar, numa situação-limite, a importância dos pequenos gestos.
Em todos os filmes de François Truffaut, um denominador comum: a narrativa que sobrepuja a fábula, a doce fabulação que advém de um sentido preciso de mise-en-scène, o touch truffautiano, sempre terno, apaixonado, capaz de levar ao espectador o prazer do autor com o que está a filmar e o prazer, imenso, de se assistir ao que se está a ver.

NA QUADRADA DAS ÁGUAS PERDIDAS

 Matheus Nachtergaele 

Por Sérgio Alpendre

Em "Na Quadrada das Águas Perdidas", de Wagner Miranda e Marcos Carvalho, temos basicamente Matheus Nachtergaele como um sertanejo que se desloca pela caatinga.
Não fica claro seu destino. E nem precisa. O importante, no caso, é o árido percurso que enfrenta. O sertanejo encontra cobras perigosas, onça, assombrações, come o que vê pela frente, faz escambo num pequeno mercado, e sonha.
Utilizando uma construção que prescinde de diálogos, mas abusa no uso de música, o filme fica entre o onírico e a crueza, o minimalismo e o excruciante. Mas não abraça nenhuma dessas características.
O estilo adotado é equivocadamente fragmentado, quando não vemos na tela a menor justificativa para picotar tanto as imagens. Sentimos que o tempo do personagem é outro, pede a contemplação, não a fragmentação. Os cortes brigam com o ritmo lento que ameaça se impor.
Incomoda a opção de mostrar cenas de diversos ângulos. Parece que não há confiança nas possibilidades de mise-en-scène, nos tempos mortos, na vagarosa luta pela sobrevivência desse bravo homem.
Um exemplo: logo no início, os diretores precisam de quatro planos, de ângulos diferentes, para mostrar uma curta caminhada de Nachtergaele. Uma câmera bem posicionada em simples panorâmica teria resolvido a cena de maneira muito mais eficaz e dramática.
Parece algo estritamente técnico, mas não é. A fragmentação desnecessária compromete a fluência narrativa.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

AINDA HA ESPAÇO PARA INVENÇÃO?

Beto Magno

Por André Setaro

Nascido oficialmente em 28 de dezembro de 1895, o cinema tem apenas 118 anos e meio. Para uma arte, em comparação com as outras, uma curta existência. Ainda que vários indivíduos procurassem quase simultaneamente projetar numa tela imagens em movimento, as honras da invenção do cinema couberam aos irmãos franceses Louis e Auguste Lumière, considerados aqueles que melhor desenvolveram o movimento das imagens num espaço plano. Há, no entanto, controvérsias. Nos Estados Unidos, o inventor da chamada sétima arte é Thomas Alva Edison, assim como os pioneiros da aviação são os Irmãos Wright e não nosso Santos Dumont.

O fato é que, descoberto o cinema em 1895, este passou muito tempo sem ter uma linguagem formada, específica. Os elementos determinantes desta (planificação, movimentos de câmera, angulação, montagem) foram sendo descobertos isoladamente, e sistematizados, com eficiência dramática, numa narrativa desenvolvida, pelo americano David Wark Griffith em dois filmes fundamentais: "O nascimento de uma nação" ("The birth of a nation", 1914) e "Intolerância" ("Intolerância", 1916). Assim, entre 1895 e 1914, quase 20 anos, portanto, a linguagem cinematográfica foi sendo "formatada" aos poucos.

Mas, estabelecida com Griffith, a linguagem ainda precisaria de aprimoramentos, de invenções que pudessem enriquecê-la. Considerado o pai da narrativa cinematográfica, Griffith é também, por conseqüência, o pai de sua linguagem do ponto de vista da montagem narrativa dotada de uma "lei" de progressão dramática "in crescendo" (apresentação, desenvolvimento do conflito, clímax e desenlace).

Ainda estava por vir Sergei Mikhalkovich Eisenstein para subvertê-la com a sua montagem de atrações baseada no choque das imagens, cujos exemplos mais eloqüentes estão em "Outubro" (1927), principalmente, "O encouraçado Potemkin" (1925), entre outros. Mas se Griffith e Eisenstein provocaram uma descoberta e uma evolução na linguagem e na estética do cinema, ainda se precisaria de algumas décadas para esta se consolidar.

A estética da arte muda, quando atingiu a sua perfeição, veio a ser destroçada pelo advento do cinema falado em 1927, ainda que alguns cineastas (a exemplo de Charles Chaplin e René Clair, dissidentes da aplicação sonora, tenham resistido até onde puderam).

A linguagem cinematográfica foi sendo "inventada" durante as seis primeiras décadas do século XX até se cristalizar com o ponto de partida do cinema moderno, que foi "Cidadão Kane" (1941), de Orson Welles, e as experiências da "desdramatização" propostas por Roberto Rossellini ("Viagem à Itália", 1953) e por Michelangelo Antonioni (neste, o domínio da antinarrativa na sua famosa trilogia constituída por "A aventura" ("L'avventura", 1959), "A noite" ("La notte", 1960), e "O eclipse" ("L'eclisse", 1962). O cinema, ainda recebeu contribuições valiosas de Alain Resnais (“Hiroshima, mon amour”, 1959, “O ano passado em Marienbad”, 1961) e Jean-Luc Godard (“Acossado”, 1959), Federico Fellini (“Oito e meio”, 1963), entre outros, para não se encher a coluna de citações.

O cinema, então, tem sua linguagem consolidada por volta de meados da década prodigiosa dos 60. Isto quer dizer: nesta época, terminou a era dos “inventores de fórmulas” e o que se pode verificar é que a linguagem, “criada”, passou a servir como um instrumento da “escrita” cinematográfica, mais como um instrumento de estilo do que, propriamente, de linguagem. O repertório “gramatical”, por assim dizer, evoluído, põe-se a serviço da explicitação temática, e a maneira de articular seus elementos é que vem a se constituir no estilo do cineasta. Mas, antes, os realizadores também não se exercitavam dessa maneira? Sim, mas havia uma brecha para se “inventar fórmulas.”

Assim como a linguagem escrita. O escritor aproveita-se de seu repertório lingüístico e, através deste, a depender de sua maneira de estabelecer a “escrita” pela manipulação sintática, é que extrai de seus textos, pela maneira de escrever, pelo seu estilo, uma “poética”. Ou não.

Os realizadores atuais constroem seus filmes buscando suas fontes num repertório já consolidado. E se este já se cristalizou em torno de 1965, há, portanto, 43 anos, o cinema não mais veio a apresentar uma obra que se situasse como ruptura, uma obra, como se diz, “divisora de água”.

Daí que o cinema entrou numa fase de citações e alusões a si próprio. Os filmes “falam” geralmente de si próprios, o que não ocorria em tempos pretéritos, antes da consolidação linguística citada. O que se verifica no cinema contemporâneo mais inteligente é este “olhar” para o passado da linguagem. Brian DePalma, utilizando-se de inspiração hitchcockiana, não o copia, como muitos pensam, mas se apóia nela para refletir sobre a natureza da própria arte do filme. Os irmãos Coen também fazem a mesma coisa, assim como muitos outros. Os “fratelli”, premiados com o Oscar deste ano por “Onde os fracos não têm vez” (“No country for old men”) gostam de revisitar gêneros e proceder, com o instrumental que a linguagem hoje oferece, a uma nova leitura deles, a exemplo de “O homem que não estava lá”, releitura do “film noir”, “Na roda da fortuna”, uma mistura da comédia de Frank Capra com ingredientes tirados de Billy Wilder, “O amor custa caro”, a comédia de Howard Hawks e de outros comediógrafos passada a limpo sob o prisma contemporâneo, mas com o aproveitamentos de todos os seus códigos essenciais, “E aí, meu irmão, cadê você?”, a Odisséia de Homero sob as vistas satíricas dos irmãos, etc.

O desconhecimento dos filmes essenciais do passado faz com que muitas vezes venha a se confundir alhos com bugalhos. E superestimar realizadores. Martin Scorsese é um bom cineasta, apesar de alguns atropelos. Mas não é nenhum gênio do cinema, muito pelo contrário. O que é Scorsese diante de um Robert Aldrich, para ficar num só exemplo? Clint Eastwood é excelente, mas longe se encontra de um John Ford ou um Howard Hawks. Paul Thomas Anderson é surpreendente e cheio de talento. Mas se pode compará-lo a um Robert Altman?

Bem, por estas e por outras é que se diz que o cinema morreu. O grande cinema, aquele do grande segredo do qual falava François Truffaut, o cinema dos inventores de fórmulas. Este, sim, está morto e enterrado.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

CIDADÃO WALTER



Walter da Silveira e Nelson Pereira dos Santos



Por André Setaro

Os quatro volumes fundamentais do pensamento cinematográfico de Walter da Silveira já foram lançados há quase dois anos. Patrocinado pelo Governo do Estado, O eterno e o efêmero, título do livro que se inspirou no seu discurso de posse na Academia Baiana de Letras em 1968, foi apenas distribuído e enviado para entidades ligadas ao cinema e a personalidades da área. Difícil adquiri-lo nas livrarias, porém. Obra de tal porte e importância deveria ter sido bem distribuído para estar acessível a todos os interessados. A organização, primorosa, um trabalho árduo de pesquisa do cineasta e escritor José Umberto Dias, autor de Revoada. Mas vamos, aqui, traçar um panorama sobre Walter da Silveira e falar um pouco de um seu outro livro de ensaios sobre a arte do filme: Fronteiras do cinema.

Com 19 ensaios, Fronteiras do Cinema (Edições Tempo Brasileiro, 1966), livro de Walter da Silveira (1915/1970), abriga escritos publicados em diferentes ocasiões na imprensa baiana. O autor selecionou-os e resolveu reuni-los numa publicação tendo em vista que “a crítica cinematográfica tem certamente uma efemeridade maior do que as outras e a dimensão do livro é uma tentativa de permanência”. Destacam-se, em Fronteiras do Cinema, dois momentos fundamentais para a compreensão do pensamento do ensaísta em relação ao processo de criação no cinema: Crítica e Contracrítica, o primeiro ensaio, que abre o livro – um severo artigo sobre a responsabilidade daquele que julga a obra-de-arte, “esta responsabilidade humana e social” – e O instrumento do humanismo, o derradeiro, um brado retumbante sobre a necessidade de o veículo cinematográfico ter sempre em vista, como elemento essencial, a figura humana.

Tem-se, em Fronteiras do Cinema, um dossiê analítico acerca das mais variadas vertentes da estilística cinematográfica, passando pela entrevisão de Ingmar Bergman, ao ressaltar, neste, a renovação da natureza unanimista do cinema, às discussões entre as fronteiras do cinema e da literatura (Dostoievski ou Visconti?), às noites de um Federico Fellini, até atingir um ensaio que indaga da contribuição do cinemascope para a estética do cinema, além de desmistificar e dimensionar a real importância de filmes como Fantasia, de Walt Disney, e Orfeu do Carnaval, de Marcel Camus. O livro, entretanto, não pára por aqui. Contém mais - e muito mais.

Do “mestre do suspense”, Walter não perdoa suas vertigens, sua aparente exterioridade, no único ensaio, a nosso ver, infeliz do grande ensaísta, posto que, em Hitchcock, o argumento é concessão enquanto que a mise-en-scène, mensagem. Até que ponto a arte cinematográfica foi capaz de transportar as torrentes verbais, do texto shakespeariano? Eis outro artigo fundamental do mestre Walter, o qual não descuida também dos vôos poéticos e da irreverência do solitário Monsieur Hulot, personagem do comediante francês Jacques Tati. Ou da efemeridade dos sentimentos do cinema de Michelangelo Antonioni. Ou da poética de Jean Cocteau. Ou da oralidade em Alan Renais.
E o cinema brasileiro? Que Walter da Silveira demonstrara tanto interesse, durante a sua trajetória de crítico, podendo-se mesmo afirmar que fora um grande animador de cinematografia baiana e nacional? O cinema brasileiro viria em publicação especial, que a fatalidade do destino não permitiu. Mas, em 1978, com a edição póstuma de História do Cinema Visto da Província, pela Fundação Cultural do Estado, com organização, estudo e ensaio de José Umberto Dias, resgata-se para a permanência em livro, um pouco da pesquisa feita através do tempo, num trabalho de verdadeiro arqueólogo da arte fílmica, dos primórdios do cinema na Bahia. E, sob ótica de um bom provinciano, Walter descobre, aos poucos, o cinema internacional, que vai despontando na cidade do Salvador. Também, poder-se-ia perguntar: e Charles Chaplin, a quem Walter tanto amara? Carlitos, ainda em tempo de vida do crítico, é objeto de um estudo definitivo sobre a sua filmografia em Imagem e Roteiro de Charles Chaplin, que Walter lança, em agosto de 1970 – pouco antes de morrer (o que ocorre no mesmo ano) – no Cine Bahia, com uma exibição especial de O Garoto (The Kid) em sua homenagem.

Dos 42 anos da publicação de Fronteiras do Cinema, décadas se passam e o cinema brasileiro se encontra órfão de Walter da Silveira há 38 – e é impressionante como a nova geração desconhece Walter da Silveira, que se restringe, hoje, a um nome dado a uma sala alternativa de programações cinematográficas, confirmando, com isso, a falta de memória característica da contemporaneidade. O apogeu criativo do cinema moderno, entretanto, Walter presenciara, pois este se dá lado a lado com a formação cultural do grande ensaísta. Ainda menino, Walter conhece a figura de Carlitos, assiste à transformação da estética da arte muda para o cinema falado, acompanha o desenvolvimento narrativo de um Orson Welles (Cidadão Kane), de um Sergei Eisenstein, contempla a nova postura ética da cinematografia com a eclosão do neo-realismo italiano. E as revoluções sintáticas, inauguradoras de uma nova sintaxe, com Michelangelo Antonioni, Alain Resnais e Jean-Luc Godard, entre outros. Porque, nascido na segunda década do século XX, Walter da Silveira tem o privilégio de ser quase contemporâneo das transformações estilísticas que marcaram a arte do filme.

Platéia e balcão do Guarany lotados. Sábado de manhã de 1965. A maioria dos espectadores constituída de estudantes do Central, que, filando aulas - sábado, naquele tempo, também tinha aula, adquiria o conhecimento do filme como arte. Uma turma, porém, de capadócios, que estava ali, naquela sessão, apenas para perturbar, gritava, ria, e assobiava diante dos passos poéticos de Hiroshima, mon amour. Num determinado momento, Walter da Silveira, temperamental como era, levantou-se e solicitou que a projeção fosse interrompida e que as luzes da sala se acendessem. Diante da platéia, que ficou silenciosa, Walter deu tremendo esporo nos jovens assanhados, fazendo-lhes ver que Hiroshima era uma obra de arte e merecia todo o respeito e todo o silêncio.

Walter da Silveira não admitia que alguém saísse no meio de um filme. Ficava aborrecido e o pecador restava, depois, sem moral com o mestre. Qualquer conversinha lateral também era reprovada pelos olhos de Walter da Silveira.Quem quer conversar que vá para a sala de espera ou saia do cinema, costumava dizer.

A importância do Clube de Cinema da Bahia, na formação de platéias, na deflagração do próprio “Ciclo Bahiano” (entre 1959 e 1963, filmes genuinamente baianos são realizados: Redenção, A Grande Feira, Tocaia no Asfalto, etc.), e como centro difusor da cultura cinematográfica, é inquestionável. A liderança de Walter proporciona a muitos interessados pela “sétima arte” uma espécie assim de descoberta da importância do cinema como veículo de expressão artística.

Vive-se, nos anos 50, na urbis soteropolitana, sob influência do espetáculo norte-americano, que impõe uma linguagem e uma forma de ver o discurso narrativo. Vive-se, portanto, sem a possibilidade de contemplação de outras conquistas da linguagem cinematográfica, porque o mercado, dominado pelas companhias americanas, não oferece outra opção que não seja o espetáculo narrativo tradicional, imperando o star system, a idolatria, o consumo desenfreado – não como agora, diga-se logo e de passagem.

Com o Clube de Cinema da Bahia, Walter da Silveira possibilita aos baianos o conhecimento dos filmes neo-realistas italianos (Roma Cidade Aberta, Paísa, ambos de Roberto Rossellini, Ladrões de Bicicleta, Umberto D, Milagre em Milão, todos de Vittorio De Sica), do realismo poético francês (Les enfants du paradis, de Marcel Carné), do cinema de Jean Renoir, da cinematografia soviética e dos discursos estéticos de um Sergei Eisenstein (O Encouraçado Potenkin, Outubro, Ivan o terrível), etc, etc, etc. A contribuição primordial de Walter neste período está em ter despertado muitos cinéfilos para a descoberta do cinema como uma linguagem autônoma, como um verdadeiro e poderoso veículo de expressão artística. Dentre os vários alunos que teve, um destaca-se sobremaneira: Glauber Rocha, que, conforme o mesmo confessa em alguns de seus escritos, “aprendeu cinema com Dr. Walter da Silveira”.
É o próprio Walter quem conta a inauguração do Clube (A Tarde: “Origem e fundamento do Cinema de Arte da Bahia”, em 1.03.67): “Fundado em 27 de junho de 1950, no auditório da Secretaria da Educação, o Clube de Cinema da Bahia dava início às suas atividades culturais projetando num velho aparelho, quase sem uso, com perigo de queimar a fita, Os visitantes da noite (Les visiteurs du soir), de Marcel Carné. Existia uma cena de dança medieval em que, por processo de técnica cinematográfica, os gestos e os sons se tornavam crescentemente lentos até vir a imobilidade total dos atores: o público pensou num defeito do projetor, exprimindo seu desencanto por ver interrompida a estória num momento de tamanha beleza, mas, logo depois, sorria dele próprio ante o prosseguimento dramático. E se tratava de público da mais alta qualidade, começando por Anísio Teixeira, que, Secretário da Educação, cedera o auditório ao Clube, prestigiando-lhe a fundação”.

Segundo recordações de Walter, o auditório era pequeno para os espectadores que, à porta, se inscreveram como sócios. Cerca de duzentos para uma sala de cem. “Não havia imaginado este êxito, Carlos Coqueijo da Costa e eu, quando fundamos o cineclube, seguindo os modelos franceses da época. Sabíamos que nossa cidade poderia classificar-se entre as mais atrasadas cinematograficamente do mundo, desconhecendo, sobretudo o cinema europeu, mas não supúnhamos que tanta gente estivesse como nós a procura do tempo perdido”, escreveu ele no mesmo artigo.

A segunda sessão tem de ser numa sala comercial: o “Gloria” (hoje “Tamoio”). No primeiro domingo de julho. De manhã. Até aquela data nenhum exibidor pensara em matinais, o Clube de Cinema criava um novo horário. E às 10 horas todas as cadeiras estavam ocupadas para a projeção de Desencanto (Brief-encounter), o extraordinário filme inglês de David Lean. O cineclubismo entra para a vida da cidade. O público de todas as manhãs de domingo, além de versátil, compunha-se das figuras mais representativas da cultura baiana, escritores, artistas, professores, universitários, advogados, médicos e estudantes.

Com menos de um ano, em abril de 1951, o Clube de Cinema da Bahia realiza um Festival Internacional do Filme de Curta-Metragem, com a participação de doze países. Até então, no Brasil, nada se fizera mais organizado. Um júri de alto nível é eleito e suas votações têm um caráter tão polêmico quanto as discussões que travam na platéia sobre as fitas que devem ser premiadas.

Como conferencistas convidados estão Alberto Cavalcanti, Vinicius de Moraes, Alex Viany, Salvyano Cavalcanti de Paiva e Luís Alípio de Barros. Suas palavras, ditas no palco do “Guarany”, também se tornam polêmicas, com o jogo cruzado de perguntas e respostas a propósito de todos os temas cinematográficos. Walter da Silveira contou: “Tenho uma carta de Cavalcanti que releio sempre com orgulho, embora me entristeça recordar como esse grande homem de cinema tão admirado por todos os historiadores mundiais por sua contribuição para o cinema francês dos anos 20 e para o cinema inglês dos anos 30 e 40, foi praticamente banido no Brasil; nessa carta, Cavalcanti fala do público daquele festival como dos melhores que conheceu em toda parte. E igualmente Vinicius: mais do que os filmes, não obstante os clássicos, julgou que a platéia merecera o prêmio, pela quantidade e qualidade dos espectadores. Em tão pouco tempo, o Clube de Cinema formara um tipo de público para dez dias seguidos somente de curtas metragens”.

Nos anos 60, o “Clube” passa a funcionar aos sábados, de manhã, no Cine Liceu. Depois, em 65, muda-se para o Cine Guarany, também aos sábados, fazendo confluir para suas sessões cinéfilos e estudantes, universitários e secundaristas, os quais, após os espetáculos, servem-se do “Bar e Restaurante Cacique” para um bate-papo em torno dos filmes apresentados, numa época em que ainda se pode transitar pelo centro da cidade, quando a Bahia ainda oferece a oportunidade de se “tê-la” característica e provinciana.

Dois anos depois, reformando-se o antigo “Popular” (na Rua da Oração, paralela a Saldanha da Gama, onde fica o Cine Liceu), Walter concentra as atividades cineclubistas nesta sala exibidora, inaugurando a programação em junho de 1967, com Terra em Transe, de Glauber Rocha, numa homenagem ao dileto cineclubista que atinge, então, dimensão internacional. As projeções tornam-se ininterruptas, com sessões contínuas, modelando-se Walter no esquema programático do Cine Paissandu, do Rio de Janeiro. A experiência, no entanto, por causa das injunções do mercado exibidor, não dá certo.

Em 1968, o Clube de Cinema transfere-se para a Reitoria, com projeções semanais, aos sábados pela noite. Neste mesmo ano acontece, por iniciativa de Walter, um Curso Livre de Cinema, que se estende por todo o ano, com aulas duas vezes por semana. O patrocínio é da Universidade Federal da Bahia. Walter da Silveira realiza seu sonho de dar um curso completo sobre a história e a estética da “sétima arte”. Além de um estilista admirável, irrepreensível nas suas construções lingüísticas e na manipulação da sintaxe (como tão bem atestam seus escritos), Walter da Silveira possuía o dom da oratória. Antes de cada filme, discorria sobre o cineasta e a importância da obra fílmica, envolvendo a platéia com a sua “oralidade” transparente e vivaz. O ano de 1970 surge fatídico, pois vem a falecer em novembro.

Há críticos e críticos. No prefácio de Fronteiras do Cinema, diz Jorge Amado: “Não farei a Walter da Silveira a injustiça de chamá-lo de crítico de cinema, de tal maneira a expressão se tornou um insulto, um nome feio”.

Estamos ante um ensaísta de cinema, continua Jorge Amado, com estatura de historiador de cinema – e o caminho da história da arte cinematográfica certamente será por ele palmilhada. Um grande ensaísta de cinema pela seriedade do conhecimento, pela decência de sua posição feita de amor pela criação do homem no plano da cinematografia, por seu livre pensamento, pela intransigência de seus pontos de vista que são, ao mesmo tempo, resultados de uma visão maleável e flexível, contendo uma realidade de experiência vivida (“a crítica que não refletir essas vivências de desespero – escreve ele sobre o drama do cinema – arrisca-se a parcial e injusta”).”

Pelo muito que Walter da Silveira estudou, viu, contemplou, degustou e usufruiu o prazer estético-cinematográfico, pode se dizer que pouco deixou em termos de bibliografia sobre sua arte predileta. A maior parte de seus escritos encontra-se, entretanto, espalhada pelos jornais baianos nos quais colaborava com relativa intensidade, enquanto não se encontrava, como advogado trabalhista, atuando em defesa dos pobres e oprimidos. Assim, este dublê de advogado e ensaísta de arte, pai de prole numerosa, bastante devotado à família, havia de desdobrar-se para, nos intervalos das lides judiciais, refletir sobre a natureza da arte do filme, sobre o específico cinematográfico.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

20 momentos antológicos do cinema

Maria Schneider e Jack Nicholson em O passageiro: profissão repórter (1975), de Michelangelo Antonioni

Por André Setaro

   Sem ordem de importância, aqui alguns momentos antológicos do cinema.

     1.  OITO E MEIO (Otto e mezzo, 1963), de Federico Fellini. Quando todas as esperanças pareciam                 impossíveis, Guido Anselmi se reanima e dança, com todo o elenco, o balé burlesco que dá fecho ao        filme, com todos dançando contentes e de mãos dadas sob o império sonoro de Nino Rota
  1. O PASSAGEIRO: PROFISSÃO REPÓRTER(Professione: reporter/The passenger, 1975), de Michelangelo Antonioni. A cena começa num quarto de hotel, a câmera sobre um tripé. Nicholson e a namorada que ele encontrou ao assumir a identidade de Robertson (Maria Schneider) conversam. O quarto é no andar térreo do hotel, e ao fundo uma ampla janela com grades de ferro dá para a praça lá fora. Sozinho no quarto, Locke acende um cigarro e se deita, e entãotem início o longo plano final. A câmera se aproxima lentamente da janela, passa pelas grades, e continua a filmar lá fora até que voltando ao quarto o encontra morto.
  2. OS BRUTOS TAMBÉM AMAM (Shane, 1953), de George Stevens. Cena da morte de Paredón pelo pistoleiro Wilson. Paredón (Elisha Cook Jr) se aproxima, em travelling, da varanda na qual está o pistoleiro Wilson (Jack Palance). Corte. Wilson se levanta e começa a calçar as suas luvas. Paredón lhe desafia e recebe um tiro que o joga longe no meio da lama. Stevens declarou que usou um tiro de canhão. 
  3. A MARCA DA MALDADE (Touch of evil, 1958), de Orson Welles. O plano-sequência inicial. Com uma só tomada, Welles percorre uma cidadezinha fronteiriça com uma câmera ágil até a explosão de uma bomba perto de um posto de gasolina, encontrando Charlton Heston e Janet Leigh. Na versão espúria lançada comercialmente, todo o plano é aproveitado para a colocação dos letreiros. Mas a versão restaurada mostra que o autor não usou, nesta introdução, nenhum sinal gráfico. 
  4. O PROFESSOR ALOPRADO (The nutty professor, 1963), de Jerry Lewis. Cena da saída da buate depois da transformação. Usando uma poção mágica feita por ele, o tímido professor Kelp se transforma no engomado galã Buddy Love. Quando este sai da buate, em câmera subjetiva (em lugar de Love), andando,  o que se contempla são mulheres e homens surpresos e extasiados com o que estão a ver.
  5. CIDADÃO KANE (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles. Um travelling mostra os pertences de Charles Foster Kane empilhados e a impressão que se tem éa de se estar a ver uma metrópole com seus arranha-céus. O percurso do travelling tem seu fecho num plano de detalhe do trenó onde se encontra inscrita a palavra Rosebud, cujas letras ardem e se desmancham pelas chamas. 
  6. O ANO PASSADO EM MARIENBAD (L'année dernière a Marienbad, 1962), de Alain Resnais. Ostravellings se sucedem na mansão, a câmara passeia pelos seus longos e intermináveis corredores, à procura de um cinema que se faz como um processo de investigação do universo mental. Delphine Seyrig salta na cama imensa, como se fosse um pássaro numa gaiola dourada.
  7. SUSPEITA (Suspicion, 1942), de Alfred Hitchcock. Cary Grant, numa angulação expressionista, sobe a escada, uma grande escada meio circular, com um copo de leite na mão. O espectador suspeita que o leite esteja envenenado e ele vá matar a mulher. O realizador colocou uma lâmpada dentro do copo para fazê-lo mais sugestivo.
  8. ACOSSADO (A bout de souffle, 1959), de Jean-Luc Godard. Ferido, fatigado, Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo) deambula por uma rua de Paris enquanto a câmera, em travelling, o acompanha até que, ao final da escapada, tomba. Todo o itinerário tem um forte acento jazzístico.
  9. A LARANJA MECÂNICA (clockworke orange, 1971), de Stanley         Kubrick. Enquanto Alex e seus companheiros espancam e torturam o casal de escritores com uma violência inaudita, estuprando a mulher, o que se ouve é uma canção suave, a deSingin'ng in the rain. A narrativa, aqui, contraria a fábula.
  10. FRENESI (Frenzy, 1972), de Alfred Hitchcock. A prdução de sentidos sendo feita pelo travelling, que acompanha Barry Foster, o estrangulador que o público játem conhecimento, a entrar no edifício acompanhado da namorada de John Finch, o falso culpado. De repente, a câmera pára no meio da escada e faz um travelling a derrière (para trás) e sai do prédio. O grito da mulher é abafado pelo vozerio do mercado em frente.
  11. RASTROS DE ÓDIO (The seachers, 1956), de John Ford. Finda a jornada, John Wayne traz de volta Natalie Wood para o lar. A càmera, no último plano, plantada dentro da casa, apenas recebe a claridade que vem do fora e a porta aberta, que se destaca como silhueta na escuridão. Todos entram felizes, alegres, com o retorno. Menos John Wayme, o Tio Ethan, que, cumprida a missão, caminha para fora, deambulando, sem destino.
  12. OUTUBRO (Oktiabr, 1927), de Sergei M. Eisenstein. Kerensky sobe os degraus do palácio, mas retorna sempre ao mesmo ponto, enquanto as legendas citam suas inumeráveis atribuições ditatoriais e, "desafiado", Kerensky é confrontado com divindades africanas, budistas, barrocas, cristãs etc.
  13. LUZES DA CIDADE (City lights, 1930), de Charles Chaplin. Pelo toque nas mãos de Carlitos, a florista, já operada da vista graças a ele, reconhece o seu benfeitor. E o close up final de Chaplin é o mais enigmático de toda a história do cinema, a atingir a tragédia da condição humana.
  14. ASSIM ESTAVA ESCRITO (The bad and the beautiful, 1953), de Vincente Minnelli, Depois da conferência com Walter Pidgeon, Lana Turner, Barry Sullivam e Dick Powell, na saída da casa, não resistem a pegar um telefone externo para ouvir o que Pidgeon conversa com Kirk Douglas, que está disposto a trabalhar novamente com os três. Em plano fixo, Lana pega o gancho do telefone e o ouve primeiro, e os rostos de Sullivam e Powell vão surgindo nas laterais, curiosos também em saber o que está sendo dito. Final do filme: The end. Partitura exasperante de David Rastkin.
  15. PSICOSE (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock. A antológica sequência do chuveiro, quando Janet Leigh é esfaqueada. Durando pouco mais de um minuto, a cena possui quase cinqüenta tomadas, o que possibilita constatar que o processo de criação no cinema é uma ilusão. A sua fragmentação é radical e, nesse sentido, alguns ensaístas europeus comparam-na à escadaria de Odessa de O encouraçado Potemkin para a evolução da linguagem cinematográfica.
  16. O LÍRIO PARTIDO (Broken blossoms, 1919), de David Wark Griffith. Lilian Gish se contorcendo dentro de um armário cuja porta o boxeador destrói a golpes de machado, antes de espancar a menina com o cabo de um chicote.
  17. VAMPYR (1932), de Carl Theodor Dreyer. As cenas vistas por um cadáver transportado em seu caixão, os olhos mortos fixos no céu e nos tetos.
  18. O ENCOURAÇADO POTEMKIN (Bronenosetz Potemkin, 1925), de Sergei Eisenstein. A Escadaria de Odessa. A multidão nos degraus aclamando os marinheiros e, de repente, os primeiros tiros de fuzis; as botas dos soldados passando por cima dos cadáveres; o menino morto, a mãe que torna a subir a escadaria trazendo o filho já sem vida; os fuzileiros descendo a escadaria; uma mulher, no alto da escadaria, atingida, e seu cadáver empurrando para frente o carrinho do bebê…
  19. DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964), de Glauber Rocha. A matança dos beatos em Monte Santo.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

"O Bandido da Luz Vermelha",de Rogério Sganzerla

Rogério Sganzerla e sua amada Helena Ignez nos tempos de O Bandido da Luz Vermelha

por André Setaro

No dia do Cinema Brasileiro, hoje, 19 de junho, minha homenagem a uma obra-prima de nossa cinematografia: O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla.
Já? Quase meio século. E pareci que vi ontem O bandido da luz vermelha, obra-prima não somente de Rogério Sganzerla mas do cinema brasileiro. O filme é um assombro, atestado de vida inteligente atrás das câmeras, talento demais.
A segunda metade da efervescente década de 60 é convulsiva, turbulenta, criativa, bastando ver Maio de 1968, quando a imaginação quer tomar o poder. Neste ano emblemático, que, segundo se diz, nunca termina, a cinematografia nacional encontra o Cinema Novo sufocado pela repetição, e vê surgir, sob a influência dos novos cinemas que pipocam pelo mundo, o que vem a ser chamado de Cinema Marginal ou Underground ou, ainda, para se ajustar ao modo tupiniquim, Udigrudi.
Ozualdo Candeias, de maneira isolada, dá sinais de uma posição a latere no mesmismo discursivo cinemanovista com seu belíssimo A margem (1967), que muitos críticos apontam como o ponto de partida do Cinema Marginal. Candeias, no entanto, parece um caso singular, não atrelado, propriamente, a uma torrente, mas um artista ímpar e, como o título de seu filme, à margem.
O carro-chefe do Underground, ainda que o rótulo sempre tenha sido recusado pelo seu autor, é, sem dúvida, O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla, uma explosão de talento, uma obra de inusitada importância e surpreendente em sua "anatomia" discursiva que, se bebe nas águas de Orson Welles e Jean-Luc Godard, tem, entretanto, vôo próprio, estilo particular. O advento deste filme, tal a influência que exerce, faz aparecer um "filão", que se denomina de marginal, a se refletir, inclusive, no cinema baiano, como atestam Caveira my friend (1969), de Álvaro Guimarães (que falece, aos 65 anos, no último 15 de outubro, em Porto Seguro) e, do mesmo ano, Meteorango Kid, o herói intergalático, de André Luiz Oliveira.
Plena de invenção - e aqui se pode falar claramente num "cinema de invenção", a estrutura narrativa de O bandido da luz vermelha mostra as peripécias de um perigoso ladrão e assassino que tem sua trajetória narrada por dois locutores de rádio (um homem e uma mulher) de programa classe "z" típico da época.
Jorge (Paulo Villaça num papel que Sganzerla queria para Lima Duarte), marginal paulista que coloca em polvorosa a população de São Paulo, desafiando a polícia ao cometer os crimes mais requintados, torna-se famoso pela invulgar técnica que aplica em seus golpes. A opinião pública e a imprensa destacam a sua coragem, celebrizando-o como O Bandido da Luz Vermelha - Sganzerla se inspira num criminoso que realmente existe e, quando finaliza o filme, leva um projetor 16mm para projetar, na cadeira, para ele, o seu filme.
De nada valem os esforços do delegado de polícia (Luiz Linhares em excelente interpretação - sua saída do carro lembra a do Inspetor Quinlain de Orson Welles em A marca da maldade/Touch of evil). Numa de suas idas a Santos, Jorge conhece a provocante Janete Jane (a baiana Helena Ignez que faria logo a seguir outro personagem sganzerliano em A mulher de todos), famosa em toda a Boca do Lixo, zona de crime e prostituição (e também um lugar cultuado pelo cinema paulistano dos anos 60 e 70).
É Janete, que Jorge começa a amar, que acaba delatando o Bandido da Luz Vermelha, provocando o seu suicídio. A delação de Janete lembra a delação de Patricia (Jean Seberg) em Acossado (À bout de souffle, 1959), de Jean-Luc Godard, e o suicídio de Jorge, o final de O demônio das onze horas (Pierrot, le fou, 1965), também de Godard.
Godard e Welles (que mais tarde seria uma idéia fixa para Sganzerla a ponto de lhe dedicar dois longas sobre a sua passagem pelo Rio de Janeiro em 1942) são influências decisivas para o jovem cineasta, que desponta, logo neste primeiro longa, com uma obra-prima. Se os filmes iniciais do Cinema Novo procuram o modelo no neo-realismo italiano, com incursões na Nouvelle Vague (Os cafajestes, de Ruy Guerra), o Cinema dito Marginal tem como fontes inspiradores a estética godardiana, os filmes subterrâneos novaiorquinos (John Cassavetes, Jonas Mekas, Shirley Clarke...) e, no caso do autor de O bandido da luz vermelha, Orson Welles e Godard.
Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, filme que traumatiza, em 1964, o cinema brasileiro, tem uma colcha de influências (John Ford, na exploração dos grandes espaços, Akira Kurosawa, na gestualística de Corisco, Serguei Eisenstein, na matança dos beatos, a tragédia grega, na configuração do cego Júlio como fio condutor, etc, etc). O Cinema Marginal vem para dar uma resposta ao discurso já saturado (e impedido pela ditadura) dos cinemanovistas. É verdade que Terra em transe, de Glauber Rocha, já apresenta uma estrutura narrativa com acentos fortes de Orson Welles.
Sganzerla assume a boçalidade, o cafajestismo, e seu filme é brega nos pontos certos (a refletir uma brasilidade inconteste, além do uso da metalinguagem, com a narração em off das duas vozes plena de um humor escrachado - "Jovem se atira do alto de um edifício. Ex-vestibulanda de Direito", mais ou menos assim).
O grande crítico Paulo Perdigão, quando do lançamento de O bandido da luz vermelha, escreveu que este
"É um filme deliberadamente cafajeste, mistura de dramalhão mexicano mais musical argentino, mais chanchada brasileira, mais tropicalismo latino. O bandido da luz vermelha é o que se pode definir como uma obra pejorativa por autocrítica e por excelência. Ao realizar o seu primeiro longa metragem, o diretor paulista de 22 anos, Rogério Sganzerla, decidiu reunir dentro dele todas as críticas mais impiedosas que o seu bandido poderia sofrer. O mau-gosto que um dia Oswald de Andrade converteu em estética e a pilantragem que está na música popular passam ao cinema com uma nonchalance que, há poucos anos, qualquer pessoa de bom senso consideraria deprimente. Mas, hoje, o bom senso é ter, exatamente, um espírito malandro para saborear as delícias desse universo extravagante onde se somam os filmes popularescos dos anos 40-50, o tango, a crônica policial amarela, o bolero, o jeito boçal dos heróis folclóricos, o romantismo cretino das paixões de novelas e, sobretudo, essa figura inefável que é o bandido de cabelos gomalinados, paletó de ombreiras e sapatos de verniz dos carnavalescos da Atlântida (...) Para definir com clareza a legenda pífia do bandido, a trilha sonora se esmera em narrações radiofônicas (uma espécie de reportagem volante retocada pela verve da PRK-30) e intervalos musicais à base de Molambo, Sabor a Mi, Uno e Castigo (canta: Roberto Luna)."
Quando se revê, hoje, O bandido da luz vermelha, é que se percebe o quanto o cinema brasileiro está medíocre em sua produção atual. Se o cinema de invenção acabou, também o delírio está afastado da cinematografia nacional.