segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Claude Lelouch e o poder da 'mise-en-scène'


Por André Setaro

A visão recente de Esses amores (Ces amours-là, 2010), de Claude Lelouch, filme-síntese desse poeta do cinema, retrospectiva de seu processo de criação cinematográfica ou, talvez (já que o cineasta tem 75 anos), obra de revisão e afirmação de seu poder, imenso, de 'mise-en-scène', nos dá a medida exata de seu talento. A fascinação do espetáculo e, ao mesmo tempo, a explicação de seu fascínio. Um belíssimo filme, um dos melhores dos últimos anos. Que deve ser visto em genuflexório.

Há, por parte da crítica, uma total indiferença diante dos filmes de Claude Lelouch, um certo preconceito em relação a este brilhante realizador do cinema francês. Convidado para participar da mostra internacional paulista há 3 ou 4 anos, foi evitado pela imprensa, e apenas algumas notas insignificantes deram conta de sua importante presença no exitoso evento coordenado por Leon Cakoff. Em um festival ocorrido em Manaus, também não despertou o entusiasmo que merece por parte da imprensa, que lhe foi completamente indiferente, ainda que homenageado. Talvez a explicação para a marginalização do autor de Um homem, uma mulher esteja no fato dele falar mal da nouvelle vague e, apesar do seu público fiel, a chamada intelligentzia o colocou no index. Os críticos brasileiros, que se pautam muitas vezes pela autoridade crítica internacional, passaram a proceder da mesma maneira, determinado-lhe o desprezo e, pior ainda, a indiferença (e a indiferença também é crime, segundo diz William Shakespeare em Hamlet).


O fato é que são poucos os filmes de Lelouch, nas últimas décadas, que tiveram lançamentos bem colocados, e nunca é citado nos círculos mais intelectualizados do pensamento cinematográfico. Considerado um virtuoso, maneirista, superficial, dotado de uma poética do vazio, Lelouch, no entanto, é um talento, um poeta, que sabe, como poucos, envolver o espectador com sua mise-en-scène única e particular. Os filmes de Claude Lelouch sempre me deram conta de estar diante de um artista criador, que emociona, que, como poucos, tem um método de dirigir os atores, deixando-os espontâneos, verdadeiros, convincentes. Um filme de Claude Lelouch, para mim, é um bálsamo capaz de deixar a impressão de se ter contemplado a beleza em movimento, os pequenos gestos significantes, a emoção surpreendida em seu momento exato. Mas, não se pode negar, o que vem a ser considerada crítica cinematográfica oferece, para ele, as opiniões mais deprimentes. E Lelouch é, antes de tudo, um antidepressivo fundamental, que trata dos seus temas, aparentemente superficiais, com o vigor de uma mise-en-scène que os torna envolventes e perfuratrizes na alma do espectador. Ver um Lelouch é sempre um prazer, uma descoberta da vida e do amor.


Parisiense de nascimento, 75 anos (vai fazer em outubro), (30/10/1937), Claude Lelouch chamou a atenção internacional, quando, em 1966, ganhou a cobiçada Palma de Ouro do Festival de Cannes, derrotando realizadores poderosos. Un homme et une femme, se, por um lado, rendeu a Lelouch uma bilheteria assombrosa pelo mundo todo, não se constituiu, porém, numa unanimidade crítica. Já começou aí a inveja de outros cineastas pretensiosos e menos dotados, que deram início à difamação de Lelouch como cineasta menor. A partitura envolvente de Francis Lai, a técnica de improvisação na direção dos atores, o realizador como seu próprio cameraman com notável segurança, a fotografia deslumbrante, a poesia que emana de sua articulação da linguagem, a mise-en-scène que transforma objetos em novos significantes determinaram a Un homme et une femme um estrondoso sucesso, uma fascinação irresistível. E além da Palma, o diretor também conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de muitos outros prêmios em festivais internacionais.


Vale repetir que, no cinema, assim como na literatura, e em outras artes, o que importa não é o tema em si, mas a maneira com que ele é tratado pelos procedimentos cinematográficos. Em Um homem, uma mulher, Lelouch filma o romance de um piloto de corridas automobilísticas (Jean-Louis Trintgnant) e uma continuísta de cinema (Anouk Aimée). Os dois, viúvos, têm filhos, e o encontro inicial se dá na escola onde estes estudam. O relacionamento amoroso se desenvolve pela perspectiva de uma segunda chance e é marcado por lembranças (vindas em flash-backs). O diretor mistura imagens coloridas com imagens em preto e branco e o roteiro, bastante fragmentado, influenciou uma geração de publicitários. Destaque para a presença de Pierre Barouh, que canta "O samba da benção", de Baden Powell e Vinicius de Morais. Barouh, no filme, é visto nas recordações da mulher (fora o seu primeiro marido e morre num acidente de filmagem). Pode ser visto facilmente em DVD.


Antes de Un homme et une femme, Lelouch já tinha feito dois ou três longas sem expressão e alguns curtas, mas é neste que se inicia, realmente, como cineasta e desponta no cenário internacional. Logo a seguir dirigiu um dos episódios de Loin de Vietnam (1967), ao lado de monstros sagrados do cinema (que dirigiram os outros, a exemplo de Jori Ivens, Jean-Luc Godard, William Klein, Alain Resnais, Chris Marker, e Agnès Varda), que ficou inédito no Brasil. No mesmo ano, tentou reeditar o sucesso de Un homme, une femme com Viver por viver (Vivre pour vivre), com Yves Montand, Annie Girardot, a belíssima Candice Bergen, que representou a França no Festival de Mar Del Prata de 68, onde conquistou o prêmio de melhor atriz para Annie Girardot. Montand, aqui, um ator charmant, é um repórter de televisão cujo casamento com Girardot se encontra estagnado e vem a conhecer, numa viagem a Quênia, Candice Bergen, pela qual se apaixona. Estão presentes a dinâmica característica da mise-em-scène lelouchiana, a espontaneidade dos intérpretes e a poesia flutuante de suas imagens.


A seguir, Lelouch realizou A vida, o amor e a morte (La vie, l'amour, la mort, 1969), drama contra a pena de morte que representou a França no II Festival Internacional do Filme do Rio (organizado por Antonio Moniz Viana, o único evento cinematográfico verdadeiramente internacional que o Brasil já teve em sua história), em 69, conquistando o prêmio de melhor ator para Amidou. Que interpreta François Toledo, acusado de ter assassinado prostitutas. Condenado à pena de morte, ao caminhar para a guilhotina, lembra-se sua vida pregressa. A primeira imagem de La vie, l'amour, la mort é a da morte violenta de um touro, e o último plano é da morte violenta de um homem, sob a lâmina afiada da guilhotina (faz lembrar os excelentes Quero viver! (I want to life), de Robert Wise, e Não matarás, de Kieslowski). Filme arrematado com final agônico e de forte emoção. Será que os detratores contumazes de Claude Lelouch viram este filme?


Depois deste, Lelouch filma O homem que eu amo, com Belmondo e Girardot, Um homem como poucos (Le voyou, 1970), que considero sua obra-prima e uma das obras-primas do cinema francês em todos os tempos, e a deliciosa sátira políticaA aventura é uma aventura. Mas fica para a próxima coluna na terça vindoura estes e o resto da filmografia desse artista singular.


Em 1969, O homem que eu amo (L'homme qui me plait), com Jean-Paul Belmondo e Annie Girardot, procura repetir a fórmula estabelecida em filmes anteriores. Trata-se, evidentemente, de um love story, e Belmondo, numa cena dentro de um jatinho, repete, em mímica, para uma Girardot apaixonada, os tiques de Michel Poiccard, o seu personagem de Acossado (A bout de souffle, 1959), de Jean-Luc Godard, filme que detona a Nouvelle Vague e está a completar, neste ano em curso, o seu cinquentenário.


A obra-prima de Lelouch, contudo, é Um homem como poucos (Le voyou, 1970), filme que se perdeu no esquecimento coletivo e que necessitaria de uma urgente revisão para reavaliá-lo em sua dimensão certa. Thriller que sucede a L'homme qui me plait, Le voyou, desde a apresentação dos créditos, uma sequência musical de delirante movimentação cênica, já desperta o entusiasmo do espectador. Radiografia de certos podres das grandes organizações financeiras, assim como do cultivo do sensacionalismo pela imprensa e pela publicidade, Um homem como poucos é um filme engenhosamente construído. Jean-Louis Trintgnant faz um advogado que trapaceia com o banqueiro interpretado por Charles Denner (em seu melhor papel e numa performance inexcedível) o rapto do filho deste a fim de obterem do banco a recompensa.


Mas Trintgnant, ao invés de repartir a grana conforme a combinação inicial, devolve o menino e esconde o dinheiro. Achando-se traído, Denner o denuncia, e Trintgnant é condenado a doze anos de prisão, mas cinco anos depois consegue se evadir do cárcere e vem a conhecer uma mulher, Danièle Delorme, pela qual se enamora, e, através de seu cúmplice personificado pelo ator Charles Gerard, remete o dinheiro para ficar bem guardado na Suíça. Seu objetivo é se vingar de Denner, que acaba preso pela polícia. Trintgnant e seu sócio partem, então, para Nova York, alegando viagem para Montreal, onde a polícia os aguarda. O mau tempo, porém, desvia a rota do avião para Montreal. Neste final, Trintgnant recebe a notícia pela voz da aeromoça e um close up, mostrando todo a sua apreensão, fecha o filme.


Pierre Uytterhoeven é quem assina todos os roteiros dos filmes de Lelouch, mas se desconfia que se trata de um pseudônimo do próprio diretor. Lelouch sempre pilota a sua câmera e, como de hábito, aqui em Um homem como poucos, a música é de Francis Lai (que ao lado de Michel Legrand e George Delerue é um dos maiores partituristas do cinema francês). O filme como que propõe a questão: comparado a essa gente que vive da exploração da ingenuidade popular culturalmente desamparada, o voyou desta obra de Lelouch não chega a ser umméchant. A seguir, o diretor realizou Smic, smac, smoc, que ficou inédito no Brasil e não foi distribuído comercialmente, e que tem o premiado Amidou (ator lelouchiano por excelência e Catherine Allégret). Em 1971, uma sátira política que se constituiu num de seus maiores sucessos: A aventura é uma aventura(L'aventure c'est l'aventure), co-produção entre a França e a Itália, é uma aventura de humor crítico cuja inspiração o realizador atribui a Os três mosqueteiros e aos Pieds Nickelés - famosa história em quadrinhos francesa. Cinco criminosos (os franceses Lino Ventura, Jacques Brel e Charles Denner, os italianos Charles Gerard presença constante nessa fase lelouchiana, Aldo Maccione), certos e confiantes de que as clássicas fontes de sustento do submundo estão exauridas (os bancos estão vazios, as prostitutas se rebelam - a idéia e o roteiro são do realizador), decidem atualizar-se, adotando a técnica empresarial do neocapitalismo e, sobretudo, dando cobertura ideológica às suas atividades. Começam sequestrando Johnny Halliday e fazem o mesmo com um embaixador suíço e um general latino-americano, obtendo sempre altos resgates. A última de suas vítimas consegue entregá-los à justiça. Processados, condenados e finalmente salvos pelo clamor público - que vê neles paladinos da "contestação", os cinco se recolhem à África, onde são recebidos como heróis. Postos a serviço dos corruptos governantes locais, não renunciam, contudo, à mais sensacional de suas proezas: o sequestro do papa, por cujo resgate exigem e obtêm um franco por cabeça de todos os católicos do mundo.


Comédia dramática de fundo policial, A dama e o gangster (1973) é o filme imediatamente posterior a L'aventure c'est l'aventure. Ainda que não seja um de seus melhores, La bonne année, título original, fascina pela segurança da narração e por um cuidadoso registro de surpresas sem que a partitura entre em ação. A música, que seria a música do filme, é cantada numa boite, mas todo o desenrolar das reviravoltas com suspense a tem ausente. Também, aqui, em La bonne année, o uso das imagens em preto e branco e a cores revela a constante lelouchiano de significar por meio do cromático.


Em dezembro de 1973, o diretor de uma prisão dá liberdade condicional a Lino Ventura, ladrão de jóias, na esperança de, por seu intermédio, apanhar Charles Gerard, seu cúmplice no roubo de uma joalheria Van Cleef seis anos antes. Conseguindo iludir a polícia, Ventura (ator clássico da tradição cinematográfica francesa), se prepara para celebrar o ano novo com a bela Françoise Fabian, sua antiga amante, mas, ao chegar ao apartamento desta só encontra seu atual companheiro. A desilusão toma conta dele. Esgueirando-se sem ser visto, vai-se a lembrar dos lances do roubo (o filme quase todo é em flash-back, excetuando-se o momento presente no princípio e no final), da separação (quando foi preso) e da promessa que Françoise lhe fizera de esperar por ele.


Em 1974, um filme fascinante: Toda uma vida (Toute une vie), afresco sobre o cinema, o tempo que passa, a vida e o amor. E vejam que achado: o começo do filme é em preto e branco e seu estilo vai variando de acordo com a evolução da técnica cinematográfica; nas seqüências finais é em Technicolor. Um interlúdio de 20 minutos em que o casal no avião imagina o nosso mundo no fim do século foi eliminado pelo diretor nas cópias de exportação.


Marthe Keller e André Dussolier (um dos atores preferidos de Alain Resnais) sentam-se lado a lado num avião e apaixonam-se à primeira vista. Cada qual passou por várias situações dramáticas. Keller já tentara o suicídio, casara-se e se divorciara, tentando, depois, revolucionar os métodos de trabalho na indústria do seu falecido pai. Dussolier vivera de expedientes, estivera preso, sofrera um desastre ao sair da cadeia, aprendera a técnica fotográfica, fizera filmes pornográficos e comerciais e planejara realizar um filme que cobriria o espaço de tempo entre 1900 e o ano 2000.


Marriage (1975) parece que não foi lançado no Brasil. O gato e a rainha (Le chat et les souris, 1975), comédia com Jean Pierre Aumont, Serge Reggiani, Michèle Morgan, não foi visto por este comentarista. Mas a filmografia de Lelouch não pára por aqui.


Em meados dos anos 70, o fôlego de Lelouch se arrefece para ressurgir mais forte nos 80 (Retratos da vida/Les uns et les autres, 1981) e nos 90 (com o admirável Os miseráveis, 1993, versão livre, e totalmente lelouchiana do livro homônimo do célebre Victor Hugo), além de Tem dias de lua cheia.

Em 1976, Se tivesse que refazer tudo... (Si c'était à refaire), melodrama que marca o retorno da atriz Anouk Aimée (de Um homem, uma mulher), e assinala o primeiro trabalho de Catherine Deneuve com o diretor, trata, como sempre, do amor ("L'amour toujours l'amour"). O argumento gira em torno de uma presidiária, Deneuve, que, condenada aos 19 anos pelo assassinato de um banqueiro, sai da cadeia aos 35. Que fazer para recomeçar a vida? Ansiosa para encontrar o filho que somente veio a conhecer na prisão, Deneuve une-se, então, a uma antiga companheira de cárcere, Aimée, mas, para sua surpresa, vem a saber que o filho é amante da amiga. E se torna uma estranha entre eles.

Nada a acrescentar de especial a Si c'était à refaire, além da sempre competência formal do autor e do brilho de suas imagens. No elenco, além das citadas, os atores de sempre, como Charles Denner (que teria atuação marcante em O homem que amava as mulheres, de François Truffaut), Francis Hustler, Jean-Pierre Kalfon. A música, como de hábito, quem a assina é Francis Lai, e há uma canção de autoria de Pierre Barouh. Lançado em 1977 no Rio de Janeiro, o filme passou em brancas nuvens com a indiferença habitual da crítica, que sempre gostou de massacrar o cineasta.

Outro homem, outra mulher (Une autre homme, une autre chanche, 1977) é um Lelouch bem menor, um melodrama sentimental em ambiente de western e falado em inglês e francês. A tendência crítica, no entanto, de acusar o cineasta pela repetição não tem correspondência com a verdade do artista, pois todo autor, na verdade, se repete, constituindo-se seus filmes singulares como variações sobre um mesmo tema (Bergman, Fellini...).


Co-produção com capital francês e americano, Un autre homme, une autre chanche tem seu início em 1870, quando a França está em guerra com a Prússia. Os contratempos advindos do conflito bélico forçam Geneviève Bujold a fugir com o namorado (Franços Huster) para os Estados Unidos. Entrementes, na América, o veterinário interpretado por James Caan vê sua mulher violentada por um bandido que rouba seu bracelete índio. Caan, perdida a esposa, embarca, com o filho pequeno, para o sul. Passa-se um tempo e este se matricula no mesmo colégio no qual estuda o filho de Bujold e não se precisa dizer que vai nascer, entre Caan e Bujold (que está viúva), um relacionamento amoroso


Por uma dessas incompreensíveis injunções do mercado exibidor, a maioria dos filmes de Lelouch não foi importada no Brasil, e muitos permanecem inéditos. A considerar, também, sua extensa filmografia, vai-se aqui citar en passant alguns títulos para uma concentração maior naqueles que são considerados os mais brilhantes das duas últimas décadas - e não se quer, também, entrar numa quarta parte sobre o autor.


Robert e Robert (1978), com Charles Denner (sempre ele) e Jacques Villoret, é inédito em território brasileiro, assim como Edith et Marcel (1983), Vive la vie(1984), com Michel Piccoli e Charlotte Rampling, Attention bandits (1987), La belle histoire (1992), Hommes, femmes, mode d'emploi (1996), Hasards et coincidences (1998), entre outros menos notáveis.


Foram mal lançados, quase escondidos: Brindemos a nós dois (À nous deux), com Catherine Deneuve e Jacques Dutroc, Ir, voltar (Partir, revenir, 1983), com Annie Girardot e Jean-Louis Trintgnant, Um homem, uma mulher - vinte anos depois (Un homme, une femme, vingts ans déja, 1986), Itinerário de um aventureiro (L'enfant gâté, 1988), com Jean-Paul Belmondo, Amantes & Infiéis(...And now ladies and gentlement, 2002), com Jeremy Irons, Claudia Cardinale, entre poucos.


Em Les uns et les autres, Lelouch retoma, de certa forma, a idéia - base de outro de seus melhores filmes - Toda uma Vida (1974): uma história que passa por várias gerações e que tem alguns personagens-base. Em Toute une vie é a personagem interpretada por Marthe Keller que conduz os fatos. Aqui, é a sensibilidade artística de quatro famílias de Moscou, Paris, Berlim e Nova Iorque. Elas são unidas por uma linguagem comum - a música. Enfrentam as tragédias da II Guerra Mundial e do após-guerra. E se reúnem, num final apoteótico, em Paris, num concerto de gala aos pés da Torre Eiffel, em benefício da Unicef e da Cruz Vermelha, quando o coreógrafo Maurício Bejart coloca em cena todo seu imenso talento, para uma longa seqüência de verdadeiro delírio visual. Por causa desta sequência apoteótica, quando um dançarino executa o Bolero de Ravel, o filme, nos Estados Unidos, veio a se chamar Bolero. A partitura vem assinada por Francis Lai e Michel Legrand.


A palavra mais certa para definir Tem dias de lua cheia (Il y a des jours...et des lunes, 1992) é que é um filme simplesmente encantador. O dia de mudança no horário de verão altera o comportamento de várias pessoas numa cidade interiorana da França. Situações insólitas e inusitadas passam a acontecer: um crime sem um móvel visível, casais que se desentendem. A narrativa, que compreende um grande número de personagens envolvidos em várias situações, é de natureza polifônica. No elenco, Gerard Lanvin, a grande Annie Girardot (inesquecível como a Nádia de Rocco e seus irmãos, de Luchino Visconti), François Hustler, Philippe Leotard. A poesia reina em todo o seu desenrolar. A poesia e a música que abraçam este filme singular.


Leitura original de Os miseráveis, famosa obra de Victor Hugo, numa versão completamente livre e adaptada a outros tempos, o filme é um delírio na composição de sua estrutura narrativa, de sua mise-en-scène. Belmondo faz um ex-pugilista analfabeto que ajuda uma família de judeus durante a Segunda Guerra Mundial e vem a encontrar paralelos significativos entre a sua vida e a do personagem do escritor francês. A rigor, não se trata propriamente de uma adaptação, mas o livro é tomado como marca referencial. Les miserables apresenta o comportamento dos franceses durante a guerra, a perda de valores morais provocada pela opressão em suas diversas formas, e a idéia de que a História é um ciclo que se repete de tempos em tempos. Além de Belmondo, tem-se novamente Annie Girardot.


Entre seus últimos filmes, um episódio (segmento: França) de uma obra coletiva sobre o 11 de setembro dirigida por vários cineastas, A coragem de amar (Le courage d'aimer, 2005) e Crimes de autor (Roman de gare, 2007). E este deslumbrante Ces amours-là, que sintetiza sua obra.

sábado, 8 de setembro de 2012

Beto Magno e Rada Rezedá
Rada Rezedá, Beto MagnoTizuka Yamasaki
Rada Rezedá, Xeno Veloso, Chico Argueiro e Beto Magno em Maracangalha
Beto MagnoOtto Bastos e Rada Rezedá

A LINGUAGEM GLAUBERIANA



A linguagem cinematográfica nos filmes de Glauber Rocha não é uniforme, sofrendo variações estilísticas bem acentuadas, principalmente em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967), sem falar no puzzle que é o seu canto de cisne, A idade da terra (1980). Se, antes de Glauber, o cinema brasileiro segue os cânones da narrativa griffithiana (de David Wark Griffith, cineasta americano que faz O Nascimento de uma Nação, em 1914, e Intolerância, em 1916, e é considerado o pai da narrativa cinematográfica), a registrar na sua história poucas ousadias formais – exceção se faça a Limite, 1930, de Mário Peixoto, é a partir dele que são introduzidos conceitos de Sergei Eisenstein no corpus do filme. Em Barravento(1959/1962), ainda que timidamente, a presença do soviético se faz sentir, assim como uma procura de distanciamento dos moldes praticados por Griffith – a narrativa de progressão dramática in crescendo, com a apresentação do conflito, desenvolvimento deste, clímax e desenlace.

Mas é somente a partir de Deus e o Diabo na Terra do Sol, obra que efetua um corte longitudinal na história do cinema brasileiro, que Glauber Rocha instaura um certo paradoxo estético num filme que conjuga várias influências, desde a tragédia grega (o cego Júlio como fio condutor), passando pelo western, na exploração dos grandes espaços, e Buñuel, na seqüência do assassinato do Beato Sebastião por Rosa, até chegar a Eisenstein, na matança dos beatos em Monte Santo (influenciada pela escadaria de Odessa de O Encouraçado Potemkin, 1925) e a Kurosawa, com os rodopios dissonantes de Corisco, entre outros.

O ritmo em Deus e o Diabo na Terra do Sol não segue um mesmo diapasão. Ora vem com cortes rápidos (quando Manuel esfaqueia o fazendeiro ou com os cavalos correndo na invasão da casa do vaqueiro que acaba por matar a sua mãe) num espírito quase fordiano, ora vem com tomadas longas (a segunda parte no encontro de Manuel com Corisco). Glauber Rocha, neste filme extraordinário, por mostrar uma enxurrada de influências, revela que sabe reprocessá-las, dando a elas um estilo, o estilo glauberiano, que seria copiado ad infinitum pelas gerações posteriores sem, contudo, nunca igualá-lo.

Este ritmo paradoxal de Deus e o Diabo na Terra do Sol não seria repetido em Terra em Transe, que possui uma estrutura narrativa de cortes ligeiros, montagem sincopada, e tomadas rápidas. O cineasta opta por este ritmo para adequá-lo melhor à sua temática. Um poeta que agoniza enquanto relembra fatos pretéritos. O filme se passa todo neste instante de agonia e as imagens surgem, portanto, dispersas, não enfeixadas dentro de uma narrativa corrente. Neste caso, é o pensamento tumultuado do personagem interpretado por Jardel Filho que se situa como o próprio móvel do filme. A Biografia de um Aventureiro, onde apresenta a trajetória do político vivido por Paulo Autran, é extremamente wellesiana até mesmo por seu tom radiofônico. O processo do pensamento agônico pode lembrar Alain Resnais.

Em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), Glauber Rocha se apóia numa estrutura de narração que é, poder-se-ia dizer, antípoda da de Terra em Transe. Nela, uma espécie de suite de Deus e o Diabo na Terra do Sol, há uma radicalização estilística já experimentada em Cancer: a dos planos-seqüências – tomadas longas sem cortes. Em O Dragão..., todo filmado na aridez da paisagem de Milagres, no interior baiano, mais conhecido no exterior pelo nome de seu personagem principal, Antonio das Mortes (sempre interpretado por Maurício do Valle), a utilização do plano-seqüência chega às raias da exasperação. Um bom exemplo é a do enterro de Jofre Soares, quando a câmera acompanha uma ladainha e segue, em travelling, o trajeto do funeral. Há, no entanto, na abertura, uma invenção fascinante: Antonio das Mortes surge do lado direito da tela e passa por ela atirando com seu rifle até desaparecer do lado esquerdo. De repente, com o cenário vazio de pessoas, começam a cair vários cangaceiros, que foram atingidos fora do enquadramento. Genial, um verdadeiro cinema de invenção.

Em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro procura uma transfer do ritmo da literatura de cordel para imprimi-la no cinema. A sensação que se tem, vendo este filme, é a sensação de quem lê uma história cordelista, com a diferença de que a transferência de uma linguagem a outra se processa com extrema felicidade. Da palavra escrita, da sintaxe verbal, passa-se à sintaxe cinematográfica que busca aquela.

O cinema glauberiano é um cinema de ritmo, portanto. Barroco, tem o sentido da linguagem, a compreensão de estar criando por meio de uma sintaxe própria, a unir esta à morfologia característica do específico cinematográfico. Um plano é morfológico, mas, quando este plano entra em contato com outro, deixa de sê-lo para dar lugar à sintaxe cinematográfica. Glauber, nesse sentido, é um cineasta que louva o verbo cinematográfico. Poucos os autores no cinema nacional, compreendendo-os como tais, como dizia François Truffaut, que possuem uma visão do mundo e um estilo de fazer cinema. Glauber Rocha encaixa-se perfeitamente na definição do severo crítico do Cahiers du Cinema.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Faltam homens de negócios e roteiristas para produção de filmes nacionais, reclamam cineastas



Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil 


Brasília – A intenção da Agência Nacional de Cinema (Ancine) de aumentar a produção de filmes brasileiros e tornar o país o quinto mercado de audiovisual do mundo esbarra na falta de mão de obra qualificada, especialmente roteiristas e executivos que possam conceber e realizar produções de sucesso, dizem os cineastas.
“A narrativa do filme e o entendimento do business [negócio] são dois aspectos vitais”, explica o roteirista e produtor Marcus Ligocki. Segundo ele, “não basta a capacidade técnica de filmar. É preciso entender a lógica de produtores, distribuidores e exibidores.”
A opinião do cineasta é compartilhada pelo diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel. “Para o mercado que queremos, será necessário ter produção mais robusta, mais desenvolvedores de projetos, mais homens de negócio”, disse à Agência Brasil. Para ele, “o mercado já tem massa crítica” e busca cada vez mais fazer “filmes com capacidade de comunicação.”
No mercado cinematográfico brasileiro, o produtor e roteirista, Marcus Ligocki, aponta como profissional de referência José Padilha, diretor de Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 – o último foi o maior sucesso do cinema nacional e a segunda maior bilheteria registrada no Brasil (arrecadou R$ 102 milhões em 263 salas de cinema), visto por mais de 11 milhões de pessoas.

“Padilha é um estrategista. Sabia o que queria e como queria fazer. Ele conhece o mercado, tem talento, mantém bons relacionamentos e busca resultado fílmico.” Para ser executivo, Ligocki diz o que é preciso: “Saber ler o futuro e disposição para o diálogo, para entender quais são os valores do mercado, o que é importante para os interlocutores,” se referindo, por exemplo, a distribuidores e exibidores.
Um dos méritos de Padilha, na avaliação do diretor de cinema independente Luiz Roberto Menegaz, foi ter feito dois filmes de grande sucesso, sem depender de patrocínio oficial. “Aqui no Brasil as pessoas se habilitaram a fazer com lei de incentivo”. Para ele, ainda falta o país aprender um “novo modelo de negócio” e incorporar “o planejamento de longo prazo.”
A dependência dos patrocínios estatais também é criticada pela produtora Júlia Moraes. Ela avalia que “o cinema atrelado ao Estado” herda ineficiências do setor público e não tem preocupação com resultados. “Não dá para fazer quatro filmes ruins pagos pelo Estado”, critica.
Para Júlia, há sempre risco do país produzir muitos “filmes inexpressivos”. Ela alerta: “Um cinema sem personalidade, não existe”. Luiz Roberto Menegaz concorda e avalia que o cinema brasileiro tem que “trabalhar melhor com a condição humana”. “O cinema é reflexo da vida. Se narra o que vive”, diz ao defender filmes “mais autorais”, porém que saibam mobilizar grandes públicos. Ele é autor de um filme ainda inédito sobre como será a final da Copa do Mundo de 2014 (uma ficção sobre o jogo final entre Brasil e Argentina).
Marcus Ligocki acrescenta que o cinema brasileiro “é pouco universal” e nem sempre domina “os elementos que fazem as histórias serem atraentes, como por exemplo os elementos da imagem (linhas, movimento, forma, cor e impactos emocionais associados).”
Com o intuito de ter um roteiro mais atraente para o filme que dirigirá em 2013, Ligocki está em Los Angeles (Estados Unidos) para reescrever o texto junto com o roteirista Bruce Block (autor do livro A Narrativa Visual). Segundo ele, foi necessário ir aos Estados Unidos para contar com um roteirista que o ajudasse a encontrar “caminhos mais polidos da história” e reelaborar pontos como “as motivações dos personagens.”
A capacitação de mão de obra é uma das diretrizes do Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual (PDM), elaborado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). Entre as metas, a agência quer, em 2020, o funcionamento de 80 cursos superiores em todo o país com foco em audiovisual e 1,6 mil pessoas graduadas ou especializadas na área por ano.
Edição: Carolina Pimentel

MAIO-68

Por André Setaro
Bernardo Bertolucci em Os sonhadores (The dreamers, 2003) evoca a ebulição de Maio de 1968, e o filme tem sua ação localizada neste período, a começar um pouco antes, em fevereiro, quando da demissão de Henri Langlois da Cinemateca Francesa, que veio a provocar intensos protestos da intelectualidade com repercussão internacional. Bertolucci mostra (recriando ficcionalmente) o barulho provocado pelo afastamento do grande pesquisador, cujo responsável foi André Malraux, ministro da Cultura do General De Gaulle, autor do ato demissionário.
François Truffaut considera que Maio de 68 tem início em fevereiro com as manifestações pela readmissão do célebre pesquisador-arqueólogo de filmes. Em Beijos roubados (Baisers volés), filmado em março deste ano, a primeira imagem apresenta a porta da Cinemateca, no Palácio de Chaillot, fechada, e o filme é dedicado a Henri Langlois.
Se em The dreamers há a evocação da época através do recuerdo ficcional, o espírito da juventude "Maio de 68" está bem captada em uma obra do ano anterior, 1967, de Jean-Luc Godard, A chinesa (La chinoise), e se poderia também incluir, nestes registros, um outro filme do cineasta: Week-end à francesa, também de 1967. Godard fazia um filme atrás do outro.
A pesquisadora e historiadora de cinema Ivana Bentes coloca bem a questão em artigo para a Folha de São Paulo: "É que tudo o que virou 'História' em Bertolucci em A chinesa é a matéria mesma do filme-acontecimento, do filme-panfleto de Godard, com demonstrações em quadro-negro, fórmulas visuais, palavras de ordem e signos em rotação. Um filme pop-revolucionário cravado no dorso do presente. Um filme que afirma e põe em cena os discursos a quente: maoísmo, marxismo-leninismo, anarquismo, situacionismo, terrorismo, cinefilismo. Filme-aparelho que nos captura e de onde saímos exaustos e confusos, nunca "bem informados" ou satisfeitos com o saber adquirido.
A satisfação em Godard é essa experiência de estranhamento e polifonia. Mao Tsé-tung transformado em jingle, Mao, Mao. Juliet Berto fantasiada de chinesa diante do tigre da Esso, o rosto pintado como os soldados do Vietnã bombardeando florestas com um napalm imaginário. O discurso é arma, livros, cartazes, grafite, slogans, manchetes de jornais, a fulguração de um pop político. Sartre e Marx decorando paredes, fragmentos de Althusser declamados como poemas, quebra-cabeças filosóficos, jogos agressivos, sátiras ao Partido Comunista Francês, teatro e agit-prop".
Obra que focaliza a absorção do pensamento de Mao Tsé-Tung como consumismo intelectual pelos jovens franceses, La chinoise se passa quase todo dentro de um apartamento, espaço de reflexão e treinamento de maoístas. Veronique (Anne Wiazemsky, a companheira do cineasta depois que ele se separou de Anna Karina, musa de seus filmes), o ator Guillaume (Jean-Pierre Léaud, alter ego de Truffaut nas obras dedicadas ao personagem de Antoine Doinel, a exemplo de Baisers volésDomicílio conjugal e, principalmente Os incompreendidos/Le quatre-cent coups, que, juntamente com "Acossado"/A bout de souffle, de Godard, detonou a Nouvelle Vague), o economista Henri (Michel Semeniako), o pintor Kirilov (Lex De Bruijn), e a prostituta Yvonne (Juliet Berto, que teve um caso com Glauber Rocha e trabalhou em Claro, que realizou durante o seu exílio italiano nos anos 70), repartem um apartamento e ali aplicam as idéias revolucionárias de Mao-Tsé-Tung.
Em La chinoise, a partir do estabelecimento dos jovens no apartamento, Jean-Luc Godard procura discutir uma causa política, a pôr em pauta a ação, os vícios e os diálogos dos chamados "aprendizes de esquerda", uma parte muito festiva da juventude francesa que se aplica aos ensinamentos de Mao e de sua Revolução Cultural.
Pode-se ver nestes jovens - e a visão de Godard é ácida e crítica - aqueles que um ano depois estariam nas ruas de Paris nas grandes manifestações do celebrado Maio de 68.
Godard não poupa seus estudantes e há, evidente, um propósito claro em condenar a pressa e a fragilidade com que as opiniões se formam para uma militância política discrepante. O cineasta de Acossado faz emergir o debate, apressado, sectário, na superfície das questões ideológicas propostas.
Enclausurados no apartamento, Veronique, por exemplo, planeja o assassinato de um líder universitário, enquanto Henri, ao defender a coexistência pacífica, é expulso do grupo, e, em conseqüência, desiludido, Kirilov se suicida. Mas Veronique concretiza seu plano, o de matar o líder universitário. Quando as férias terminam, e o apartamento, alugado, é entregue a seus donos, todos partem para seus afazeres habituais, e Veronique, como se nada tivesse acontecido, volta, tranqüilamente, às aulas.
"A chinesa" é um filme emblemático de Maio de 1968 e uma das obras mais importantes de Godard que, atualmente, cresceu com o passar do tempo. Se, na época, era um registro dos espíritos indômitos da juventude francesa, atualmente o filme é um testemunho de sua vacuidade. Num momento em que se comemora com tanto alarde a efervescência francesa do período, A chinesa pode servir como documento de uma época, da necessidade e da urgência de uma atitude, de se ser um enragé. Se havia um fulgor contestatório oportuno, por outro lado, muitos entraram na onda para se distrair. A fábula godardiana sobre o "treinamento" de maoístas, para passar o tempo de suas férias escolares, é exemplar nesse sentido. É um filme que precisa ser resgatado.
NOTAS PROVINCIANAS DE MAIO DE 68
Neste maio de 2008, quarenta anos se passaram daquele Maio de 1968, quando a ebulição se fazia presente nos protestos, na movimentação cultural, na ânsia da juventude por um mundo melhor, pela "imaginação no poder".
As grandes manifestações que ocorreram no conturbado Maio de 1968 ficaram restritas aos grandes centros civilizados, principalmente Paris, e no Brasil, se há de convir, vivia-se sob a égide das botas dos militares, mas, mesmo assim, a influência dos acontecimentos exteriores se fez enxergar nas principais capitais brasileiras, notadamente o eixo Rio-São Paulo.
Mas em Maio de 1968, ainda não havia o Ato Institucional número 5, assinado em 13 de dezembro, deste mesmo ano, e o golpe de 64 ainda permitia uma certa movimentação, passeatas (como a dos cem mil no Rio), protestos diversos, propostas artísticas renovadoras, ainda que reprimidas (Roda Viva, entre outros).
A decretação do Ato Institucional número 5 constitui, na verdade, o estabelecimento da ditadura brasileira com o cerceamento completo à liberdade de expressão, ao direito de ir e vir, inclusive com a permissão violenta da violação da correspondência (preceito constitucional). Rasgou-se, com a maior sem cerimônia, a Carta Magna (outorgada pelos milicos, apesar de "promulgada", a fórceps, por um Congresso Nacional rastejante), estabelecendo-se, com isso, o início dos anos de chumbo, que tanto amargaram o brasileiro, que permaneceu acossado 17 anos (sem contar o período de 64 a 68). A linha dura, a mandar às favas os escrúpulos da consciência, tomou o poder.
O que pretendo mostrar aqui nesta coluna é a visão de um jovem de 18 anos, habitante da soterópolis, e, portanto, distante da efervescência do período, durante aquele chamado "ano que nunca terminou".
Estudante do Colégio Estadual da Bahia, o inesquecível Central, a cursar o Clássico (naquela época, depois de findo o ginásio, se podia escolher entre o Clássico e o Científico, que duravam, ambos, três anos, até o jovem, através do vestibular, ingressar na universidade).
O Central era um pólo aglutinador do debate político e, neste centro de ensino, foi onde se formavam as lideranças estudantis, que promoviam passeatas, protestos, pelas ruas de Salvador. O estudante, ao contrário do de hoje, tinha que ser politizado, consciente de sua realidade e com disposição transformadora. Aquele que se mantinha à margem, distante dos acontecimentos, era taxado de "alienado".
A cultura política e literária era uma espécie de "conditio sine qua non" para o estudante se tornar um sujeito "in" dentro de sua escola, perante seus colegas. A leitura de autores como Marcuse, Luckacs, Sartre, Marx, e literatos como James Joyce, Graciliano Ramos, Dostoievsky, entre muitos, muitos outros, fazia parte da vida estudantil. Mas Machado de Assis, que considero o primus inter pares, não estava incluído entre as leituras do período.
Era de bom tom (a usar uma expressão "anti-maio") que os estudantes sobraçassem livros para dar o ar de intelectuais. Era chic se ser intelectual, usar óculos. Paulo Francis, lá em "O Pasquim", já dizia: "Intelectual não vai à praia, intelectual bebe". E, realmente, a dizer a verdade, bebia-se e fumava-se muito. Não havia o culto ao corpo, e até tinha algum "charme" quem cultivasse uma "barriguinha" discreta. Neste particular, é interessante notar que o estudante atlético, forte, preocupado com esportes, era visto de esguelha, de soslaio, como um "alienado" (outra bobagem da época).
E como se lia jornais! Em 1968, o jornal mais disputado eram dois: "Correio da Manhã", com seu quarto caderno (o cultural, com ensaios enormes de Otto Maria Carpeaux, José Lino Grenewald, Paulo Ronai, Antonio Moniz Vianna...), e o "Jornal do Brasil". A "Folha de S. Paulo", que me lembre, não tinha presença no meio intelectual do crepúsculo da década de 60. Pessoalmente, comprava o "JB", o "Correio" e, o "Estado de S.Paulo" dos domingos (um calhamaço difícil de carregar que, comparado com a edição atual, esta vira "peso-pena").
Em comparação, hoje, com os tempos pretéritos, três diferenças básicas: o desprezo pela cultura literária, a inconsciência política e a desimportância dos jornais como "vício diuturno".
O cinema tinha um "status" político muito forte. Acredito que uma das características mais marcantes de 1968 no Brasil (embora tenha se iniciado antes) foi a "Geração Paissandu", que se estabeleceu nas calçadas, em frente ao cinema do mesmo nome, situado à rua Senador Vergueiro, no Rio de Janeiro. Havia, nesta "geração", um espírito de combate, de discussão, que tinha o cinema como mola propulsora.
Os realizadores que eram respeitados eram aqueles que possuíam uma visão de mundo e uma visão do cinema, a exemplo de Jean-Luc Godard, ícone da época, cineasta que usou a arte do filme como um veículo de exposição de pensamentos e idéias, além de alterar profundamente a narrativa cinematográfica ao estabelecer uma fragmentação com a inserção, nela, de materiais de procedências diversas (animação, planos de detalhes de frases de um livro aberto, um ator a ler durante alguns minutos certo trecho, recortes, bonecos, fotografias, etc).

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

CAP-ESCOLA DE TV E CINEMA DA BAHIA

CAP ESCOLA DE TV E CINEMA da BAHIA SALVADOR - 16 ANOS! (71) 3240.3964

 1) CURSO DE INTERPRETAÇÃO PARA TV / TELEJORNALISMO / APRESENTADOR

 2) CURSO DE TV E CINEMA PARA ATORES

 3) CURSO DE PRODUÇÃO/ DIREÇÃO DE TV

 5) CURSO LOCUÇÃO

 6) CURSO DUBLAGEM

 7) CURSO OPERACAO MESA SOM – MONTE SEU HOME STUDIO

 8) CURSO DE EDIÇÃO DE VÍDEO

 9) CURSO DE VIDEO REPORTAGEM

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

QUARTAS BAIANAS...

Lúcio Mendes, Fabiola Aquino Coelho, Joel de Almeida, Claudia Chávez, Cristiane Pinho, Conceição Miranda, Beto Magno, Fernando Neves, João Luiz,Marcelo Matos de Oliveira, Fausto Oliveira Junior, Carollini Assis, Elson Rosario, Lazaro Faria, Chico Argueiro Neto e Simone Brito L. de Santana em Salvador - Bahia - Brasil.

FESTIVAL DE CINEMA

O 7º Encontro Nacional de Cinema e Vídeo dos Sertões é uma festival com atenção especial para as produções cinematográficas de Pontos de Cultura e Produtoras Independentes. Acontecerá entre os dias 07 a 11 de novembro de 2012. As inscrições para a competição e todas as atividades paralelas são gratuitas e estão abertas até 14 de agosto de 2012. Informações: http://www.cinemadossertoes.com/

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ÁGUA DE MENINOS - A FEIRA DO CINEMA NOVO

Documentário que resgata a memória da importante Feira de Água de Meninos, incendiada criminosamente em setembro de 1964, e tema de dois consagrados filmes baianos (A grande feira, 1962, de Roberto Pires, e Sol sobre a lama, 1963/64), de Palma Neto/Alex Viany, Água de Meninos - A Feira do Cinema Novo, de Fabíola Aquino, tem na sua estrutura narrativa materiais de origens diversas: recortes de jornais, entrevistas com antigos feirantes, antropólogos, urbanistas, pais de santo, e pessoas ligadas ao local, trechos de filmes, e filmagens in loco. A realizadora soube captar toda a riqueza visual do ambiente da feira, optando por uma alternância desses materiais no sentido de levar ao público para uma compreensão exata do valor cultural da comunidade feirense. Antonio Pitanga, que trabalhou na maioria dos filmes do Ciclo Baiano de Cinema, funciona, além de depoente, pois testemunha ocular dos fatos e da ficção criada em torno deles, como uma espécie assim de meneur de jeu. Perpassa por todo o filme e, no final, canta, apoteótico, um samba do inesquecível Batatinha. Pitanga foi criado nas circunvizinhanças da Feira de Água de Meninos e, além de ter sido ator em A grande feira e Sol sobre a lama, tem a experiência da vivência no local. As filmagens in loco foram feitas na Feira de São Joaquim, que substituiu a de Água de Meninos, embora não possua a dimensão desta. E também no Mercado das 7 Portas. O documentário toca na questão da reforma programada para a Feira de São Joaquim que as autoridades municipais pensam que, com ela, podem higienizar o aglomerado. Mas uma antropóloga, que dá um depoimento, diz que a sujeita é cultural e faz parte da paisagem. Um outro depoente afirma que se houver reforma esta somente pode ser feita com a colaboração da comunidade. Não se pode impor uma mudança de cima para baixo sem a consulta e a colaboração dos feirantes. Trechos de Sol sobre a Lama e de A grande feira são incluídos. Um dos produtores do primeiro, entrevistado, Álvaro de Queiroz, revela que Sol sobre a lama foi uma resposta a A grande feira, que, segundo Palma Neto, não focaliza a realidade verdadeira de Água de Meninos. O seu depoimento é comovente e, no fim, quando narra o incêndio, chega a ficar emocionado e quase chora. Dois filmes que tiveram como local de sua ação principal Água de Meninos, que, muitos anos antes do incêndio criminoso, já se dizia que havia interesses, por parte das empresas petrolíferas, em incendia-la - o que se tornou realidade meses depois do golpe de abril de 64 no mês de setembro numa ação, segundo se diz, das companhias de petróleo com a Capitania dos Portos. Um belo documentário, Água de Meninos - A Feira do Cinema Novo, de Fabíola Aquino, com pesquisa de Laura Bezerra e funcional fotografia de Paulo Alcântara e Marcelo Pìnheiro. A coordenação de produção esteve a cargo de Cláudia Chavez. Entre os que prestam depoimentos, além dos citados (Pitanga, Queiroz), Mateus Aleluia, Gessy Gesse, Nilson Mendes, Zé do Licor, Seu Pascoal, Mestre Lourão, Pai João, Duda, Rosa Fortes, Luciana Novaes, Domingos Leonelli, Marcilio Santos, Carl von Hauenschild, e a população da Feira de São Joaquim. Filme sobre a feira e também um filme sobre o cinema feito em torno da feira. A ver assim que a oportunidade surgir.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual entra em consulta pública Documento aprovado pelo Conselho Superior do Cinema estabelece bases para o desenvolvimento do setor

De hoje até 22 de dezembro, é possível opinar sobre o Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual, que entrou em Consulta Pública. O documento foi aprovado no início de agosto pelo Conselho Superior do Cinema. A ideia é que o documento sirva como guia das ações do poder público para o setor audiovisual no Brasil até o ano de 2020, e sugere ações para o fortalecimento do mercado, tanto internamente, como em termos de presença brasileira no mercado internacional. É um trabalho sujeito a revisão constante, especialmente neste momento inicial de sua construção. A partir de um diagnóstico apurado do setor, considerando cinema, televisão, mídias móveis e interativas, considerando todos os elos da cadeia produtiva e tanto a atuação do poder público quanto as necessidades do agentes privados, foi possível identificar os principais vetores do desenvolvimento do audiovisual no país. E é com base neste diagnóstico que o plano foi elaborado, tendo como principais metas a expansão do mercado interno, a universalização do acesso e a transformação do Brasil num forte centro produtor e programador de conteúdos, fortalecendo a presença do país no mercado internacional, sempre partindo do princípio da produção e circulação de conteúdos brasileiros como uma atividade econômica sustentável, competitiva, inovadora e acessível à população. A consulta não se encerra no site. “Realizaremos ainda audiências e seminários para ouvir e mobilizar as vontades e iniciativa do setor”, diz Manoel Rangel, diretor-presidente da ANCINE. O Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual ficará em consulta pública pelos próximos quatro meses. Depois desse período, irá novamente a debate no Conselho. Para participar das consultas públicas abertas à contribuição é preciso acessar o Sistema de Consultas Públicas e se cadastrar. Dúvidas sobre o funcionamento do sistema devem ser encaminhadas para ouvidoria.responde@ancine.gov.br.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

CURSOS DA CAP ESCOLA DE TV E CINEMA DA BAHIA

CURSOS DA CAP ESCOLA DE TV E CINEMA DA BAHIA / SALVADOR:

TELEJORNALISMO/APRESENTACAO PARA TV/INTERPRETACAO PARA TV - CINEGRAFISTA/OPERACAO DE CAMERA - EDICAO DE VIDEO - VIDEOREPORTAGEM-PRODUCAO E DIRECAO PARA TV-TEATRO,ATORES PARA TV etc...

 1) CURSO DE INTERPRETAÇÃO PARA TV / TELEJORNALISMO / APRESENTADOR Duração: 5 meses todas as quintas das 19 as 22 h inicio: julho ( apenas 15 alunos por turma ) Treinamento prático em programa jornalistico de TV Web. Conteúdo: dicção/voz/fala; memorização de textos; leitura e interpretação; expressão corporal; gravação. Investimento: R$ 1.800,00 Forma de Pagamento: * a vista 5% desconto * No cartão em até 5x de R$ 380,00 * ou em até 5x de R$ 360,00 (cheque)

 2) CURSO DE TV PARA ATORES – novas turmas em junho 2.1) Turmas para iniciantes, adolescentes e crianças Aulas as sextas das 14.30 as 17.30 h Professora: Rada Rezedá Duração da turma: 11 meses Gravação de um curta por semestre! 2.2) Turmas para adultos Aulas as terças das 18.00 as 22h Professora: Rada Rezedá Duração da turma: 11 meses Gravação de um curta por semestre! Forma de Pagamento: O pagamento deve ser integral, parcelado em cheque ou cartão: * Valor integral: R$ 2.860,00 * a vista 5% desconto * mensalidade de R$ 270,00 (cheque) * R$ 280,00 (cartão)

 3) CURSO DE PRODUÇÃO/ DIREÇÃO DE TV inicio:AGOSTO · Conteúdo: As 3 etapas da produção com a gravação de um vídeo de 1 minuto no final do curso. Professora: Rada Rezedá e José Carlos Torres · Conteudo: as três etapas da produção audiovisual e produção de um vídeo no final. Investimento: R$ 550,00 Forma de Pagamento: * R$ 450,00 a vista: * R$ 520,00 em 2x no cheque R$ 550,00 em 2x no cartão

 4) CURSO CINEGRAFISTA Inicio: 30 DE JULHO Conteúdo: curso prático – o aluno aprende a operar câmera profissional de TV; planos e movimentos de câmera; lentes, noção básica de iluminação, etc. Professor: José Carlos Torres (jornalista e cinegrafista) Investimento: R$ 450,00 Forma de Pagamento: * em até 2x de R$ 225,00 (cheque ou cartão) * R$ 385,00 a vista

 5) CURSO LOCUÇÃO INICIO DE NOVA TURMA: 25 JULHO Conteúdo: dicção/voz; interpretação de textos, microfones, gravação. Professora: Rada Rezedá Investimento: R$ 400,00 Forma de Pagamento: * a vista R$ 350,00 * em até 2x de R$ 200,00 (cheque ou cartão)

 6) CURSO DE EDIÇÃO DE VIDEO ( ADOBE PREMIERE E FINAL CUT) INICIO: 30 DE JULHO ( de 30/07 a 4 de agosto das 18.30 as 22h) Conteúdo: pratica de edição de vídeo em adobe première e final cut. Professor: José Carlos Torres (jornalista e cinegrafista) Turma com máximo de 10 alunos. Investimento: R$ 800,00 Forma de Pagamento: * a vista R$ 600,00 * em até 2x de R$ 400,00 (cheque ou cartão)

 7) CURSO DE TEATRO COM MONTAGEM DE ESPETACULO NO FINAL DO ANO Coordenação: Rada Rezedá Professora: Lais Almeida e professores convidados (Esse espetáculo fará parte da Cia de Teatro da CAP) Forma de Pagamento: O pagamento deve ser integral, parcelado em cheque ou cartão: Valor total R$ 2.800,00 * a vista 5% desconto * R$ 280,00 por mês no cartão * R$ 260,00 por mês no cheque (desconto por cheque)

 8) CURSO ROTEIRO valor 350,00 em 2x no cartão/cheque ou R$ 250,00 à vista até o dia 23 de junho Professora: Carolini Assis (Diretora Institucional da Associação Baiana de Cinema e Vídeo e da Associação Brasileira de Documentaristas / Secção Bahia)

 9) CURSO DE OPERACAO DE MESA DE SOM Inicio AGOSTO das 10 as 12.30 valor 350,00 em 2x no cartão/cheque ou R$ 250,00 à vista Professor: Toni Brito 10) CURSO DE VIDEO REPORTAGEM Inicio: 13 DE AGOSTO ( de 13 a 18 de agosto) das 18.30 as 22h Professor: José Carlos Torres (jornalista e cinegrafista) Conteúdo: noções sobre operação de câmera e edição, entrevista/reportagem, microfones. Forma de Pagamento: R$ 800,00 em 2x no cartão R$ 750,00 em 2x no cheque R$ 600,00 à vista CAP ESCOLA DETV E CINEMA DA BAHIA 3240 3964 / 9167 8274

Robert Altman: humor ácido e requintado

Em inícios dos anos 70, a comédia americana - que teve seu apogeu nos anos 30, 40 e 50, a Idade de Ouro de Hollywood - dava mostras de esgotamento, principalmente por causa da aposentadoria de alguns de seus próceres, e os que ainda a continuavam não conseguiam renová-la. É neste despertar dos 70 que aparece no panorama internacional uma comédia diferente, satírica, ácida, irreverente: "M.A.S.H.", de Robert Altman. Localizada a ação na Guerra da Coréia, tem uma clara referência à do Vietnã que então se encontra no auge e no clamor dos protestos da sociedade americana. Conta a película a vida de soldados no front bélico, onde dois cirurgiões (Elliot Gould e Donald Sutherland) fazem o diabo para costurar os feridos. Tudo feito na base da anarquia criativa, com um dinamismo estrutural, rapidez de diálogos, que muitos críticos consideram que, neste filme, há uma renovação na comediografia cinematográfica. Sally Kellerman se revela como a oficial séria e ríspida que tem sua cortina devassada quando toma banho numa sequência memorável. Altman, por "M.A.S.H.", e apenas por este, se torna, logo, um "cult" de uma hora para outra, ainda que já com uma filmografia cujo início se dá muito antes, em 1957, com "Os Delinqüentes" ("The Delinquents") e, neste mesmo ano, "The James Dean Story", um documentário sobre o mito que há poucos anos tinha sido vitima de um acidente automobilístico. Os produtores não gostam de "Os Delinqüentes" e, quanto ao documentário, não o consideram palatável comercialmente. De pires na mão, Altman procura um produtor - naquela época não se usava a famigerada captação de recursos - e, desempregado, custa a arranjar, e mesmo assim na televisão, um emprego como diretor de fitinhas sem importância - que os críticos franceses, dando uma busca nos arquivos televisivos, conseguem encontrar, nestas fitinhas, o "touch altmaniano". Dez anos se passam até que Altman encontra um produtor com mania de risco, de investir em projetos condenados. E realiza "No Assombroso Mundo da Lua" ("Countdown", 1968), ficção-científica que rende alguns trocados na bilheteria e faz os produtores acreditarem que Altman "era diferente" e, assim, deviam lhe dar uma segunda chance. Esta foi um sucesso, ainda que relativo de público, mas entusiasmado da crítica: "Uma Mulher Diferente" ("That Cold Day in the Park", 1969), um thriller de extremado rigor sobre a solidão de uma mulher (Sandy Dennis) numa grande cidade (Nova York). Filme marcante, com uma mise-en-scène baseada nos acordes musicais e no silêncio. A seguir, o estrondo de "M.A.S.H." Espera o diretor quarenta e cinco anos para se ver reconhecido como cineasta (nasce em 1925, morre em 2006, aos 81). Após a sátira devastadora sobre o Vietnã travestido de Coréia, os produtores começam a lhe oferecer projetos. Altman, como sempre muito exigente e muito à margem do "sistema" hollywoodiano, procura construir uma carreira de autor. Tem tanta presença a sua assinatura que mesmo quando pega um roteiro alheio, e do qual não gosta, o resultado é sempre um filme de Robert Altman. O que constrói o cineasta após "M.A.S.H."? A resposta vem no mesmo ano: "Voar é com os pássaros" ("Brewster McCloud"), com Bud Cort - o menino que contracena com Ruth Gordon em "Ensina-me a Viver". Fracasso. Humor sofisticado demais. Um garoto tem o desejo de voar como Ícaro. E parte para a ação num aparelho de madeira complicado. Apesar de rejeitado pelo público, é um grande filme, difícil, é verdade, pois de configuração diferente dos padrões de Hollywood. Em seguida, "Quando os Homens São Homens" ("Mc Cabe and Mrs Miller", 1971), com Warren Beatty e Julie Christie, um anti-western, pois sem a essência do gênero, o conflito em movimento. Altman opta pela inação, e, ainda por cima, numa paisagem cheia de neve. Outro fracasso. Mas a crítica recebe os filmes de braços abertos. E os produtores arrancam os cabelos de raiva. Mostra ser um cineasta temperamental, difícil, incapaz de se dobrar às solicitações de uma platéia convencional. Os filmes seguintes dão ao realizador um passaporte para a rua da amargura. "Imagens" ("Images", 1972), reavaliação do terror como componente do "impulso cinemático", com Suzannah York, e após este, um estudo crítico de gêneros, desmistificando-os como fórmulas: o filme noir em "Um perigoso adeus" ("The long goodbye", 1973), com Elliot Gould, e o thriller com a tônica no gangsterismo em "Renegados até a última rajada" ("Thieves like us", 1974), com Keith Carradine. Desse modo, a revisão de gêneros, que a chamada pós-modernidade se apodera, tem em Altman um precursor. Um estilo que se caracteriza pela preocupação em desmontar a lógica que precede o discurso cinematográfico, subvertendo, sempre, o diapasão de seu itinerário. A grande arma de Altman é o humor, ácido, por vezes cruel, mas sempre refinado, requintado, um humor para o sorriso interior, mas, quase nunca, para a explosão de gargalhadas - exceto em "M.A.S.H." Sua linguagem se concentra num "texto" e num "subtexto", em tons e subtons. Altman, definitivamente, não pode ser admirado pela horda selvagem multiplexiana, pela patuléia que comanda o espetáculo de horror - que é ir a uma "matinê" numa das salas dos complexos dominantes. Por causa dos apupos da crítica, um produtor, que não tem medo de negócios arriscados, banca Altman. E, ainda em 1974, faz "Jogando com a sorte" ("Califórnia split"), com Elliot Gould, ator preferido na época, e George Segall, uma viagem altmaniana sobre os deserdados da sorte e a "feérie" da jogatina. Mas até o produtor, que lhe banca os filmes, quis dar o fora, pois o dinheiro investido não retorna a contento. Mas Altman arranjou produção e, num golpe de sorte, acerta em "Nashville" (1976), que muitos consideram sua obra-prima. Retrato da América, o filme se concentra num festival de música country. Segue outro anti-western, com Paul Newman: "Oeste Selvagem" ("Buffalo Bill and the indians or Sittings Bull's history lesson", 1976), celebrado em Berlim. O sucesso de "Nashville" compensa as perdas internacionais. "Sittings Bull" é outra desmistificação, desta vez do heroísmo de Buffalo Bill, tão cultuado nos Estados Unidos, mostrando-o como um homem de caráter duvidoso e comportamento ambíguo. A paisagem do oeste, selvagem, como diz o título original, e a ausência total de uma "clicheria" não contentam os amantes do gênero. Um estudo da alma feminina feita com sensibilidade e emoção neste filme que considero um de meus preferidos do realizador de "Assassinato em Godsford Park". Janice Rule, Sissy Spacek e Shelley Duvall estão inexcedíveis como as personagens de "Três mulheres" ("Three Women", 1977), criaturas atormentadas pela angústia do existir e que se debatem no inferno de suas existências. Obra rara e severa, mas difícil de encontrar para uma revisão. O espaço chegando ao fim e eu, aqui, ainda com Altman na década de 70. Que fazer? É dizer logo que "Cerimônia de casamento" ("A Wedding", 1978), afresco notável sobre os comportamentos hipócritas numa festa de casamento burguesa, é um sucesso. Elenco fabuloso, que inclui Vittorio Gassman e Lillian Gish e Carol Burnett. Nunca a burguesia é tão bem radiografada quanto neste "A Wedding". Grande filme, mas também assinala o começo de sua decadência nos anos 80 cuja reabilitação somente se dá em 1992 com "O Jogador" ("The Player"). Se em 1970 tem início o culto a Altman, 1980 assinala a sua descida ao inferno com "Popeye", com Robin Williams e a magricela Shelley Duvall como Olívia. Os produtores são, literalmente, enganados. Ao invés de um filme para agradar as platéias populares, Altman prefere a caricatura, a desmistificação - como sempre o olhar irônico, o riso que se multifaceta nas entrelinhas. O público quer gargalhar com Williams no papel de Popeye e se depara, sem entender nada, a piada oculta. Antes deste elabora um filme que particularmente não gosto, "Quinteto" ("Quintet", 1979), com Paul Newman, novamente, e também trazendo de volta Gassman - cujo desempenho em "A Wedding" deixa Altman entusiasmado. "Um Casal Perfeito" ("A Perfect Couple") é simpático, mas sem o brilhantismo habitual. E com o afundamento de "Popeye" as portas se cerram para o realizador. Realiza o que quer, no entanto, nos anos 70, e somente por esta safra o título de grande cineasta já lhe poderia ser dado. Enfraquecido, sem crédito, Robert Altman desaparece de circulação. Nenhum filme seu estréia mais no circuito. Aos poucos, na década de 80, vai sendo substituído no culto por outros realizadores, como Wim Wenders. A maior parte dos filmes que o diretor de "Godsford Park" faz nesta década nada prodigiosa para ele não foi distribuída no Brasil, como, por exemplo, "Come back to the Five and dime, Jimmy Dean", com Karen Black - que fim levou essa atriz? e Cher, e "Além da terapia" ("Beyond therapy", 1986), com Glenda Jackson e Tom Conti, sátira à psicanálise, ou "Fool for love" (1985), com Sam Shepard e Kim Bassinger. O único Altmam com alguma notoriedade nos 80 é "O exército inútil" ("Streamers", 1983), por causa de prêmio internacional dado a todo o elenco na categoria "melhor ator". Baseado em peca teatral, segue ao pé da letra as torrentes verbais, constituindo-se quase que num teatro filmado desenvolvido em planos-sequências e movimentos de câmera inteligentemente manipulados. Finalmente, os anos 90 lhe abrem novamente as portas: "O Jogador", "Short Cuts" (este, uma obra-prima), "Prêt À Porter", "Kansas City", "A Fortuna de Cookie", o admirável "O Assassinato em Godsford Park", e "A última noite", seu canto de cisne. A sua narrativa polifônica marca época e influencia uma geração de cineastas, principalmente a encontrada em "Nashville" e "Short Cuts".

"A ULTIMA ESTAÇÃO" ABRE FESTIVAL DE CINEMA DE BRASILIA

O longa-metragem "A Última Estação", de Márcio Curi, irá abrir o 45º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro, no dia 17 de setembro. O filme é uma coprodução entre Brasil e Líbano. A história é baseada na trajetória de vida do libanês Tarik. Em meados dos anos 50, juntamente com o irmão mais novo, Karim, eles vêm ao Brasil e, já no navio, iniciam uma grande amizade com outros meninos árabes e sírios, que ao desembarcarem em terras brasileiras, acabam seguindo caminhos distintos. Os anos se passam e, em setembro de 2001, após perder sua esposa, o velho Tarik decide cumprir algumas promessas. O muçulmano abandona tudo e resolve atravessar o Brasil, na companhia da filha Samia, em busca dos meninos que fizeram com ele a travessia, 51 anos antes. O festival ocorre entre os dias 17 e 24 de setembro. Dentre os longas selecionados para a mostra competitiva estão "A memória que me contam", de Lucia Murat; "Boa sorte, meu amor", de Daniel Aragão; "Eles voltam", de Marcelo Lordello; "Era uma vez eu, Verônica", de Marcelo Gomes; "Esse amor que nos consome", de Allan Ribeiro; e "Noites de Reis", de Vinicius Reis. Os documentários selecionados para a competição são: "Doméstica", de Gabriel Mascaro; "Elena", de Petra Costa; "Kátia", de Karla Holanda; "Olho nu", de Joel Pizzini; "Otto", de Cao Guimarães; e "Um filme para Dirceu", de Ana Johann.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012