sábado, 6 de junho de 2009

TUNA ESPINHEIRA: UM BRAVO GUERREIRO DO CINEMA BAIANO


André Setaro

O problema do cinema brasileiro, entre outros, encontra-se no tripé produção/distribuição/exibição. Se os realizadores sulinos encontram guarida nas salas dos complexos, porque formam, na produção, parceria com as multinacionais, os filmes baianos vivem, é preciso dizer, da caridade dos exibidores. Basta ressaltar que o premiado Eu me lembro, de Edgard Navarro, ainda que exibido em várias capitais, teve lançamento meio de escanteio. O exemplo de Cascalho, de Tuna Espinheira, é bem claro nesse sentido. Seu autor esteve recentemente em Feira de Santana a fim de apresentá-lo na universidade feirense e debatê-lo com um grupo de professores e intelectuais.

Noutros tempos, existia a Embrafilme que distribuia bem os filmes brasileiros, ainda que houvesse uma lei de obrigatoriedade. Collor, de uma canetada, fè-la desmorronar-se, a exemplo do Concine e da Fundação Cinema Brasileiro. Lembro-me que ia todas as semanas, quando tinha uma coluna diária no jornal baiano Tribuna da Bahia, ao escritório da Embrafilme comandado, aqui, por Nivaldo Mello Lima. Quase todos os lançamentos eram divulgados e muitos dos diretores e atrizes dos filmes vinham à Bahia prestigiá-los. Mas não quero me alongar muito neste post para dar lugar ao relato de bravo Tuna Espinheira, um lutador na aventura que é se fazer cinema na Bahia. Abrindo as necessárias e devidas aspas:

"Estive, neste 28 de maio, a convite dos professores da UEFS, Aleilton Fonseca e Francisco Lima, no Seminário de Literatura e Diversidade Cultural, para exibir e debater meu filme, CASCALHO, com professores e alunos da Pós-Graduação. As conversações, num ambiente descontraído, reforçaram a importância do dialogo franco entre o Diretor da obra e o público assistente, mesmo tendo sido com um grupo selecionado e de nível elevado. Só ter observado o interesse pelo cinema tupiniquim e os porquês dos motivos que trafegam de forma clandestina no mercado. ( Estou me referindo aqui aos filmes de baixo orçamento que não adotam o besterol, o voyerismo, a violência gratuita, e outros condimentos eleitos por aquelas fitas dirigidas a macacas(os) de auditórios).

Sou contra qualquer tipo de censura e intrépido defensor da diversidade. Os espetáculos tipo Trio Elétrico que arrasta todo mundo, sempre existiram e sempre existirão, o que preocupa é a proibição, mesmo velada, de filmes culturais que respeitam e tratam o público com seres de sensibilidade, vidas inteligentes.

Com todos os prós e contras, posso dizer, parafraseando Darcy Ribeiro, em licença poética, a EMBRAFILME caiu mais pelos seus acertos do que pelos seus erros. Um dos seus acertos que pode ser lembrado muito justamente como uma época de ouro do cinema brasileiro, foi a atuação da sua distribuidora, cujos benditos tentáculos atingiam o maior pedaço do continente brasileiro. Nesta época, a maioria dos filmes tinha acesso a uma finalização condigna, cartazes, traileres e, principalmente, oportunidade de adentrar no escurinho do cinema, seu habitat natural, através da rede de distribuição de filmes, (da EMBRAFILME) com a ajuda das suas subsidiarias, situadas em pontos estratégicos país afora.

O cinema brasileiro podia ter alguma respiração no tempo da Distribuidora da Embrafilme. É claro, cada macaco no seu galho, não estou falando de conquista de público, não se pode pegar espectadores a dente de cachorro, na vida, como no mercado, o filme vale quanto pesa. Mas a chance de baixar na luminosidade da tela grande, seja para qualquer número de pessoas que fossem frequentadoras dos cinemas já era uma glória. Filme sem público, na prateleira, por falta de uma política cultural que permanece omissa, é no mínimo um cadáver insepulto. É de arrepiar quando se sabe que as próprias associações de classe fazem ouvidos de mercador para este problema. Mais uma vez temos de fazer a diferença entre o cinema Daslú e o outro Daspú, este o de baixo orçamento. O chamado “Cinemão”, (DASLÚ), cujo jogo de cintura é grilar a parte do leão das famigeradas “Lei de Incentivo”, não está nem aí para o assunto distribuição, contam naturalmente com as distribuidoras estrangeiras. E assim caminha a humanidade.

Para não perder o mote deste texto que foi minha estada gratificante na UEFS, devo dizer que participar deste tipo de encontro é contribuir para que o filme (CASCALHO) permaneça vivo como merece. Adorei ter ido a Feira de Santana, terra do meu saudoso amigo/irmão, Olney São Paulo"

quinta-feira, 30 de abril de 2009

O CRÍTICO E GUERREIRO PROFETA DO INCONFORMISMO


Beto Magno

Relançado há três anos pela Cosacnaify em edição primorosa, mas que ainda se encontra para comprar nas boas livrarias do ramo, O século do cinema reúne os principais escritos de Glauber Rocha desde os seus primórdios no Jornal da Bahia e Diário de Notícias até as derradeiras criticas, quando ressuscita as letras mortas K, Y e W numa tentativa de provocação, e é o terceiro volume da Coleção Glauberiana lançada pela editora (os outros: A revolução do cinema novo, e Revisão crítica do cinema brasileiro). A primeira edição do livro se deu em 1983, editada pela Embrafilme/Alhambra, com introdução de Orlando Senna, mas destituída do material iconográfico, das notas de rodapé, que fazem parte da publicação da Cosacnaify, além do prefácio do ensaísta Ismaiel Xavier. Na fortuna crítica, textos de Orlando Senna [ Notas de apresentação da edição de 1983], José Carlos Avellar [Nem de deus nem do diabo], Pedro Karp Vasquez (Glauber vê o cinema), Rogério Sganzerla (O século do cinema em discussão), e Paulo Leminski (Câmera e idéias). O livro se encontra dividido em três grandes blocos: Hollywood, Neo-Realismo e Nouvelle Vague. É o pensamento glauberiano sobre o que deve ser o cinema que se encontra exposto nas suas páginas, partindo de uma contemplação mais amena dos filmes em seu período inicial para as diatribes de seu ocaso. Sempre, porém, procurando buscar nos filmes o rompimento com as estruturas mentais tradicionais e a renovação na sua forma de narrar, sem, contudo, desprezar os clássicos da indústria cinematográfica de Hollywood, apesar de lhe reconhecer um caráter imperialista e colonizador.

Os escritos de cinema dos grandes críticos do pretérito estão, desde a década passada, sendo reunidos em livros, porque, dada a efemeridade da crítica publicada em jornais, muitos textos importantes estavam desaparecidos nas poeira dos arquivos. Francisco Luiz de Almeida Salles, Paulo Emílio Salles Gomes, José Lino Grunewald, Antonio Moniz Vianna, entre outros, podem ser lidos nas antologias de suas críticas. Mas, surpreendentemente, os ensaios de Walter da Silveira, o único verdadeiro ensaísta de cinema surgido na Bahia, apesar de reunidos para publicação, em pesquisa exaustiva, sofrem sistemáticos boicotes para vir à luz, e Walter da Silveira, vale ressaltar, foi o mestre confesso de Glauber Rocha, conforme ele mesmo declarou em vários artigos e em um, especialmente, quando da sua morte ocorrida em novembro de 1970.
As críticas de Glauber Rocha estão atreladas, em sua maioria, à constituição de um cinema engajado, que registre a problemática do homem contemporâneo, que desmistifique os falsos mitos e o maniqueísmo, instaurando a ambiguidade do ser numa relação dialética com a História. A preocupação essencial de seus textos é refletir sobre aqueles grandes cineastas que, além de radiografar o seu tempo, também proporcionaram um avanço nas estruturas da linguagem cinematográfica, como Serguei Eisenstein, Jean-Luc Godard, Luchino Visconti, Orson Welles, Jean Renoir, entre tantos outros. Em alguns casos, era capaz de elogiar um filme por questão política, como a crítica benevolente que fez a Bahia de Todos os Santos, de Trigueirinho Neto, porque via, neste filme, um impulso importante como semente para o estabelecimento de um cinema genuinamente baiano, ainda que a obra de Trigueirinho esteja eivada em graves desequilibrios estruturais.

Por outro lado, não vendo em Federico Fellini um cineasta empenhado em renovar o mundo, condena o seu escapismo, o seu circo, como fez em artigo sobre A doce vida (La dolce vita), chegando, inclusive, a dizer que não conseguiu vê-lo até o seu final. Um radicalismo - que não se concorda aqui, pois A doce vida é um monumento da arte do filme - que se propõe como necessario não somente para mudar a mentalidade retrógrada, mas, e principalmente, rearranjar o cinema. Seu projeto de um Cinema Novo justificava os excessos de julgamento, e um novo cinema não somente para o Brasil, mas em função de um imaginário criativo através das imagens em movimento nas nações subdesenvolvidas e principalmente latinoamericanas (o texto de A estética da fome é singular nesse sentido). Conteúdo revolucionário exigia também uma forma revolucionária.

A crítica praticada nos anos 50, exceção se faça a Walter da Silveira, e alguns luminares do eixo Rio-São Paulo, era uma crítica que se restringia ao cinema hollywoodiano. O advento de Glauber Rocha nas páginas do Jornal da Bahia mudou o panorama crítico da província, com um enfoque mais centrado no cinema brasileiro (e no baiano que surgia) e nas obras dos grandes mestres, que eram mostradas pelo Clube de Cinema da Bahia. Glauber, no entanto, não desdenhava dos nomes do cinema americano, principalmente John Ford e o gênero western, o cinema americano por excelência na sábia definição de André Bazin. A bem da verdade, alguns cineastas dos Estados Unidos, como Robert Aldrich, Nicholas Ray, Robert Wise, Samuel Fuller, Richard Brooks etc, foram responsáveis pela renovação da linguagem cinematográfica que iria se radicalizar com a emergência de Jean-Luc Godard e Alain Resnais.
Mas Glauber, como se pode ler em O século do cinema, não estava indiferente ao que acontecia na indústria de Hollywood, acompanhando todos os lançamentos, verificando a evolução de certos realizadores (o artigo sobre William Wyler é exemplar). Para revolucionar o cinema, como Glauber Rocha o revolucionou em Deus e o diabo na terra do sol e Terra em transe, era preciso conhecer em profundidade a estrutura narrativa clássica. O bloco dedicado a Hollywood é uma prova do conhecimento do crítico de seus nomes significativos, desde David Wark Griffith, o pai da narrativa fílmica, até mesmo um Vincente Minnelli.

Sobre este estilista, Glauber foi um dos poucos críticos de sua época que lhe soube ver os inegáveis atributos. Minnelli, o cineasta que revolucionou o filmusical (A roda da fortuna, O pirata...), também se notabilizou por ser um realizador de dramas ásperos e imensos (Deus sabe quanto amei, Assim estava escrito, A cidade dos desiludidos...), além de comédias perfuratrizes do american way of life. Assim Glauber vê uma delas, Chá e simpatia: (...) "Chá e simpatia por isso é um filme de triunfos: vitória da ternura e elevação da mulher sobre os homens de musculatura e fala grossa; a seqüência na qual Deborah Kerr se entrega ao jovem Tom Lee é o selo dessa dignificação feminina: é a revelação de uma potencialidade de amor inato na mulher sem respeito geográfico, político ou moral; por isso, Chá e simpatia não é apenas um filme bonito, sensibilizante, mas um filme de imensas profundezas: a revelação sobretudo de um poeta agudamente participante como Robert Anderson."

O século do cinema ajuda a compreender o fenômeno estético glauberiano a partir de suas preferências. Brando a princípio, seu nível de exigência cresce com o livro e não é difícil verificar, em suas obras cinematográficas, as influências contagiantes de seus diretores mais aclamados. Em Deus e o diabo na terra do sol, para muitos sua obra-prima, mas esta se encontra também em Terra em transe(o maior filme brasileiro de todos os tempos, ultrapassando, inclusive, Limite, de Mário Peixoto), há, nítidas, as marcas de um John Ford (no enquadramento dos grandes espaços ou em seqüências como a da morte do fazendeiro na feira e o consequente massacre da casa de Manuel, o vaqueiro), Eisenstein (a matança dos beatos em Monte Santo calcada na Escadaria de Odessa de O encouraçado Potemkin), Akira Kurosawa (os rodopios do cangaceiro Corisco), a tragédia grega (o cego Júlio como fio condutor da narrativa) e, em Terra em transe, Orson Welles (a biografia de um aventureiro), Alain Resnais (a memória pulsante na agonia final de Paulo Martins/Jardel Filho). Um amálgama que não diversifica mas une um estilo, o estilo glauberiano.
Na crítica de Rastros de ódio (The seachers), de John Ford, nota, no prefácio, Ismail Xavier: "A fórmula aí é curiosa, e nos lembra a pergunta de Godard - "imperialismo ou mise-en-scène? " - diante da cena decisiva de Rastros de ódio em que se dá a inversão na postura do Tio Etham (John Wayne). Perto do final do filme, ele ergue de modo paternal a jovem sobrinha, repetindo o gesto de reencontro feito quando ela era criança; o lance é dramático porque ele parece estar na iminência de matá-la por não aceitar de volta a moça que procurou durante anos para encontrá-la transformada em "índia". Neste e em outros momentos, Rastros de ódio faz, da tensão e da violência, um caminhopara a poesia. Não é difícil ver na composição do personagem de Ethan uma consciência trágica muito cara a Glauber, pois estão lá nos seus próprios filmes estas figuras de não-reconciliação que entendem estar elas mesmas contaminadas por aquilo que combatem, vivendo como sombras amarguradas sem futuro, condenadas a não ter lugar no mundo melhor que julgam preparar (como no caso de Antônio das Mortes)."

Num momento em que a crítica cinematográfica impressa se encontra cada vez mais rarefeita, quase desaparecida, com exceção de poucos, pouquíssimos nomes (Inácio Araújo, Luiz Carlos Merten...), e o cinema se tornou um objeto nos papers acadêmicos, que colocam a emoção excludente de qualquer tentativa de análise, ler os escritos glauberianos traz de volta o prazer da leitura de textos inflamantes nos quais a teoria se aliava à praxis, uma exortação para uma tomada de consciência do poder da arte cinematográfica no sentido de mudar as mentalidades e mudar o mundo, que, viu-se depois, com a derrocada do status político do cinema, não passava, na verdade, de uma grande utopia. Mas, sem a utopia, não vive a arte, não vive o cinema. O século do cinema representa um momento de efervescência criadora da crítica cinematográfia, que refletia o seu tempo, o seu aqui e agora.

sábado, 25 de abril de 2009

O NOVO LONGA DE EDGAR NAVARRO

EDGARD NAVARRO E JORGE MELLO (JM)


Por: Carlos Helí de Almeida

Edgar Navarro já estava quase desistindo de procurar pelo ator ideal para fazer um personagem-chave da trama de O homem que não dormia, que o diretor está rodando na Chapada Diamantina, em Minas Gerais, quando topou com Luiz Paulino durante a Jornada de Cinema da Bahia do ano passado. Figura mítica do cinema nacional, Paulino foi substituído por Glauber Rocha (1939-1981) na direção de Barravento (1962), dirigiu curtas e médias seminais do cinema novo antes de abandonar o cinema e virar líder místico de uma comunidade no Sul de Minas. Navarro encontrara o peregrino sem nome que mexe com os destinos dos moradores do vilarejo fictício de sua história.

– Foi um achado. O peregrino era uma peça superimportante do quebra-cabeças e o Luiz Paulino surge diante de mim com aquela barba longa e um passado cheio de mistério. Ele não poderia ter aparecido em momento mais oportuno – conta Navarro, durante um dos intervalos das filmagens, na cidade de Igatu, no interior da Bahia. – No início da vida, o Luiz Paulino foi entregador de cartas, um andarilho. É uma das muitas coincidências com o personagem.

Os bastidores de O homem que não dormia é ilustrado por outros reencontros memoráveis. Bertrand Duarte, que interpretou o louco de rua de impulsos quixotescos de SuperOutro (1988), premiado média-metragem que projetou o nome de Navarro no fim daquela década, interpreta padre Lucas, o protagonista, um dos cinco moradores do povoado assombrado pelo mesmo pesadelo. A ficha técnica do novo filme também ostenta o nome do diretor de fotografia Hamilton Oliveira, que trabalhou com Navarro no também premiado Eu me lembro (2005), o primeiro (e tardio) longa-metragem do diretor de 59 anos.

– Estamos filmando tudo em película 16mm, em tela larga. O visual do filme é inspirado na pintura de Caravaggio (1571-1610), que buscava o equilíbrio entre o claro e o escuro – avisa o diretor.

Ligação íntima
Nostálgico e irreverente, Eu me lembro foi a grande surpresa do Festival de Brasília de 2005, de onde saiu com os principais prêmios, inclusive os de Direção e Filme. O enredo cruza as memórias afetivas de um jovem que adolesceu entre o fim dos anos 60 e o início dos 70 e a história do país naquele período. O protagonista é uma espécie de alter ego do diretor. O homem que não dormia toma caminhos narrativos e estéticos "completamente diferentes", embora esteja mantenha uma ligação íntima com o filme anterior.

– Eu me lembro fala de uma memória coletiva, a partir de uma particular, a minha. Já O homem que não dormia é sobre a memória de vidas passadas, que é uma espécie de memória cármica. Inventei um barão que viveu no século 19 para a história e me projeto nele. Tenho a impressão de que estou sempre falando de mim mesmo – admite Navarro, que deixou a barba crescer para viver um personagem menor na história.

O enredo do novo filme combina elementos folclóricos e religiosos. O sonho que tira o sossego dos personagens é inspirado na lenda, que ganha variações dependendo do estado brasileiro, do homem que enterrou um tesouro e, ao morrer, seu espírito passa a visitar o sono de outros para inspirá-los a encontrar a fortuna e assim libertá-lo do pecado. Além do padre Lucas, sofrem com as visões o louco da cidade, uma vítima da repressão militar, que ainda apresenta sequelas, e a mulher do coronel que controla o vilarejo.

– Quero falar de um tesouro que não é material. Essas cinco pessoas estão vivendo uma crise muito grande, estão no limite da suas existências, quando não são totalmente surtadas, são neuróticas demais– explica Navarro. – A ideia de desenterrar o tesouro vai determinar uma virada na vida delas. Representará uma espécie de luz na vida, uma mudança de rumo, uma revelação O tesouro é uma metáfora da libertação dos medos, da hipocrisia que vivemos.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

EDGAR NAVARRO


TEXTO DE EDGAR NAVARRO

Para o Jornal A Tarde



“Estou há quase 2 semanas de trabalho com dias muito proveitosos, dando conta de um cronograma que estava bem apertado e até avançando em relação a este.
Temia que tivéssemos problemas climáticos, pois nesta época pode chover muito, mas estamos com sorte, o elenco está muito afinado, todo mundo numa relação de muita boa vontade, gostando de participarem deste filme e isso é parte do caminho pra fazermos coisas bem feitas. Temos um enorme revezamento de atores, indo e vindo de Salvador, intercalando suas cenas.
Gente como Bertrand Duarte, Fernando Neves, Evelyng Buchegger, Ramon Vane - um ator de Itabuna que estava há muito fora do circuito - e Luiz Paulíno dos Santos, uma lenda do cinema brasileiro, que trabalhou com Glauber Rocha no início do ciclo baiano, tem 78 anos e é praticamente o nosso padrinho, pois nos inspira muito com a sua energia e traz uma espécia de benção e dádiva ao filme. Estava agoniado, achando que iria sofrer com as mudanças e adaptações dos roteiros e produções aos meus sets de filmagens, coisa quase sempre comum.

Mas desta vez tudo está fluindo de um modo que estou me surpreendendo, me sinto muito feliz dentro e fora do set e, pela 1a vez estou tendo total real prazer em estar neste, pois as coisas estão bem organizadas – o que me deixa confiante de que tudo vai dar certo. Mesmo cansado ao final de cada dia, como hoje, que tivemos sequências difíceis de rodar, me sinto feliz!Me diverti muito esta semana com Psit Mota, um ator que acompanhei quando ainda trabalhava com Bira Freitas, no premiado espetáculo O Deus Danado. Ele é um ator muito versátil, que faz comédia, mas também sabe nos emocionar muito. O personagem dele é o “boca do inferno”, é quem traz à tona aquilo que ninguém diz, que é desbocado, coloca o dedo na ferida de certas coisas, fala do campo minado, do submundo humano, das paixões, do mundo das taras, do sexo, da vida comezinha da cidade pequena onde correm os boatos, em que um é corno e o outro é puta.

Ele é o contraponto com o divino – uma das vertentes do filme -, pra não fugir à regra universal do bem e do mal, embora, sem ser maniqueísta, vejo o bem e o mal como vejo a sombra e a luz, como o dia e a noite, como as batidas do meu coração, como a sístole e a diástole, como tudo o que pulsa no universo.
Ele engloba o núcleo ordinário, do comezinho, daquilo que ninguém revela nem quer ouvir ou ver, mas que faz parte da vida. Seu personagem, o Pereba, é a coluna social da cidade, a rádio-peão que diz quem está comendo quem, quem está fazendo o quê, tudo de uma forma sórdida e mesquinha, mas sempre muito bem humorada. Me divirto com este núcleo porque vejo ali a miniatura da sociedade humana hipócrita. Tenho a pretensão de fazer dele o fragmento de uma biópsia que se faz da humanidade. Tem tudo ali: vejo a ternura e a sacanagem, o sublime e o sórdido. Como relatei anteriormente, acho que desta vez as coisas estão bem mais organizadas e planejadas, tivemos um trabalho de pré-produção mais longo, o orçamento do filme em relação ao número de sequências é um pouco mais confortável, embora não tenhamos grana a mais pra fazer outras coisas, mas, do aspecto da produção de grandes orçamentos, não pretendia fazer grandes voos.
Vejo no nosso país uma grande injustiça social e isso me faz refletir sobre o acinte que é fazer filmes com orçamentos muito altos, num mercado de lucro cinematográfico que não existe.Acredito que o filme irá responder como obra de arte, trazendo um retorno cultural, ressonando no espírito das pessoas. Se não der bilheteria, ao menos isto, esta conquista no humano, este fime vai ter.
Com o orçamento adequado ao planejamento ficou nítida a competente administração da Truque, nas pessoas da Sylvia de Abreu e Taissa Grisi.
Estas é a maior razão do meu conforto para produzir agora. Um outro aspecto que não posso esquecer é a qualidade de toda a equipe técnica, que está dando conta do recado, os chefes das equipes com muita garra e boa vontade, tudo indo muito a favor.
O que mais me marcou aqui estes dias foi a aparição de André Luis Oliveira, diretor de Meteorango Kid.
Foi enorme a felicidade e surpresa de tê-lo no set, em Ibiquera, durante as filmagens no casarão do barão. Ele veio com o produtor Péricles Palmeiras e tudo isso gerou um encontro bacana! Há 30 anos que André Luis não encontrava Luiz Paulíno e isso foi um marco! André agora está produzindo um documentário para o Canal Brasil sobre o meu trabalho, onde cada cineasta faz um filme sobre outro cineasta. Me senti lisonjeado por ele ter me escolhido porque André é um irmão para mim, uma pessoa com a qual me identifico muito.
A presença do ator Luiz Paulíno é mágica dentro do filme, me traz uma paz muito grande, pois ele é uma pessoa especial, muito mais bonita do que a maioria de nós. Embora com a minha idade e experiência, Paulíno me faz sentir um aprendiz no meio deste processo todo.”

quarta-feira, 25 de março de 2009

O CINEMA COMO ESPETÁCULO DE UMA ELITE

RADA REZEDÁ, VITÓRIA MAGNO, BETO MAGNO E TÁBITA CHANANDA


Por André Setaro

Sim, uma ida ao cinema atualmente significa um gasto considerável, que fura o orçamento do classe média, que está pagando a conta das bolsas familiares A verdade é que, depois do Plano Real, a economia se dolarizou, os preços subiram muito e os salários, congelados em freezer potente. Um casal para ir ao Multiplex gasta, de saída, 34 reais, considerando que o ingresso custa 17. Se quiser se empipocar, como é de praxe, mais uma grana – e os complexos de cinema cobram muito mais nas guloseimas compradas dentro deles. Mas, uma ida a seco, e de ônibus, adicione-se aos 34 dos ingressos, os 9,20 das passagens (2,40 reais por cabeça). O resultado assinala que um filme custa 43,20 reais. Muito caro. E o povo, e o povo, como é que pode ir ao cinema? Já que não mais existem os chamados cinemas de rua nem os de bairros?

Se formos fazer uma comparação entre o número de salas exibidoras que Salvador tinha em 1958 e o que tem atualmente, a conclusão é uma só: os cinemas estão fechando suas portas. Com uma população de, mais ou menos, quinhentos mil habitantes, em 1958, a província possuía em torno de quase trinta salas, considerando, no cômputo final, as de primeira linha, os poeiras da Baixa dos Sapateiros, e os cinemas de bairro. Para arredondar o raciocino, que se coloque trinta salas em 1958 para quinhentos mil habitantes, sendo que cada uma delas tinha, em média, mil poltronas, variando entre as salas maiores, de quase duas mil cadeiras, como o Guarany e o Jandaia, e as menores, que beiravam a mil lugares. Para não haver crescimento das salas exibidoras, e considerando, sempre, a densidade demográfica, nos dias que correm – e como correm!, com uma população de dois milhões e quinhentos mil habitantes – e, aqui, nivelando por baixo, Salvador deveria ter, no mínimo, cento e cinqüenta salas, pois a sua população, entre 1958 e 2009, aumentou cinco vezes. O cálculo é simples. Multiplicam-se as trinta salas do passado por 5 e se tem o número de cinemas que a cidade deveria ter e, repetindo-se, sem haver crescimento
Mas atualmente o que se tem é um máximo de trinta e cinco salas e cada uma com um máximo de 400 lugares, a maior parte se localizando nos complexos chamados Multiplex.

Então que se faça uma nova contagem, considerando que cada cinema, em 1958, tinha em média mil lugares e, hoje, trezentos. Trinta vezes mil, em 1958, é igual a trinta mil. Que se coloque, para ficar bem claro, em números inteiros: tinha-se, na província, nesta época, 30.000 lugares e, se o número for multiplicado por cinco, porque a população cresceu cinco vezes, tem-se o número redondo de 150.000. Este, o número que, para não se constatar crescimento, mas, apenas, manutenção, deveria a cidade possuir em número de lugares. Mas o que se tem atualmente? Com a média de 400 lugares e 35 salas, fazendo-se a multiplicação, o resultado é de 14.000 lugares. Que diferença brutal!

Se antigamente o povo ia muito ao cinema, hoje, como disse Gustavo Dahl no seminário internacional de cinema e audiovisual, não tem acesso a ele. O cinema, que era um meio de comunicação de massa, atualmente é um veículo cujo acesso somente é possível à elite. Antes, existiam os cinemas de primeira linha, lançadores, que ficavam concentrados no centro histórico, os poeiras da Baixa dos Sapateiros e os de bairro.
Luiz Carlos Barreto, que conhece muito bem a mercadologia cinematográfica, afirmou, em entrevista no Canal Brasil, que o ingresso custava em torno de um dólar e, nos cinemas de segunda, cinqüenta centavos. É como se hoje o ingresso para entrar numa das salas do Multiplex custasse dois reais e cinqüenta centavos, a inteira, a inteira! Mas quanto custa realmente? Em torno de 17 reais. Como uma pessoa que ganha a miséria do salário mínimo pode freqüentar as salas de exibição? Ir com a família ao cinema? Nem pensar.

O Plano Real dolarizou a economia de uma forma perversa. O povo está excluído do cinema, assim como a chamada classe média baixa. A conclusão é estarrecedora e reveladora: apenas dez por cento da população baiana pode ir ao cinema, sendo que dois milhões e tanto de pessoas estão completamente fora da rota cinematográfica. Constatou-se, em pesquisa recente, que a maioria dos baianos nunca foi ao cinema. Um grupo organizou uma sessão cinematográfica num bairro periférico e o que se viu foi espantoso. As pessoas ficaram maravilhadas pelas imagens em movimento, pois estavam a contempla-las pela primeira vez. E isto aconteceu na região metropolitana de Salvador!

Na década de 50, o Brasil tinha perto de dez mil salas exibidoras. Em 1975, já se contavam apenas cinco mil. No ano passado, chegou a mil e novecentos. Os cinemas interioranos fecharam suas portas. Assim como aqueles de rua, como os antigos e inesquecíveis da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. O que se constata é que os cinemas estão sendo construídos para o usufruto de uma elite que pode pagar os 17 reais de ingresso, ainda a se refestelar com as guloseimas caríssimas que lhe são oferecidas no fast food. O público se infantilizou e se idiotizou.
Ir ao cinema, antes um ritual, uma solenidade, uma função, atualmente é comparável a uma ida ao fast food.E ainda se tem que aguentar o comportamento selvagem da platéia, verdadeiros vândalos que podem ser comparados a débeis mentais.
Triste país!

segunda-feira, 16 de março de 2009

NECESSIDADE DE BERGMAN

INGMAR BERGMAN


Por André Setaro

Ingmar Bergman, quando, em 1982, realizou Fanny e Alexander (Fanny och Alexander) tinha em mente ser este o seu último filme, pretendendo, após o seu término, aposentar-se ou, no máximo, escrever alguns roteiros ou dirigir peças no proscênio de Estocolmo. Apesar de ainda forte e com disposição, com 64 anos, não cumpriu o prometido, ainda que um filme que lhe é posterior, Depois do ensaio, tenha sido exibido nos cinemas do mundo inteiro, mas, na verdade, foi feito apenas para a televisão. Mas, há poucos anos, já velho, dirigiu um outro filme.

O fato é que o que seria o derradeiro opus bergmaniano, a considerar Fanny och Alexander, é uma obra-prima, uma síntese perfeita de sua obra, uma película deslumbrante, valendo, aqui, a adjetivação. Visto no Art 2, em 1984, Fanny e Alexander desapareceu das salas exibidoras e foi se esconder numa fita magnética distribuída pela Breno Rossi, que é um verdadeiro atentado à integridade da obra bergmaniana, pois pessimamente telecinada. Mas, agora, com o DVD distribuído pela Europa (distribuidora não muito confiável, pois matou Menina de ouro com a abominável tela cheia, mas que, aqui, respeita Bergman e sua luz pontecostal), os admiradores de Bergman têm a oportunidade de, vinte e sete anos depois, rever o filme na sua inteireza original em cópia luminosa. A fotografia é de um artista: Sven Nykvist. Um fecho de ouro para um dos maiores cineastas-pensadores do século passado.

Originariamente feito como minissérie para a televisão sueca, Fanny e Alexander, devido ao grande êxito, despertou em Bergman a vontade de montar uma versão para cinema e, com isso, declarou que este seria a sua despedida do cinema. Na telinha, o filme tem mais de cinco horas, dividido em episódios. Olhando aqui a capa do DVD, vejo que o disco tem 175 minutos, quase, portanto, três horas.
A montagem foi feita pelo próprio Bergman tendo em vista uma continuidade dramática eficaz e a preocupação de tapar os buracos por causa da duração televisiva. Nada a comparar com o estilhaçamento feito por Guel Arraes em Auto da Compadecida, que, na versão para o cinema, não deixou espaço, nos cortes, para o espectador contemplar, pois rápidos, movidos por uma compulsão de videoclip, no embalo da estética da tesourinha.

É impressionante a reconstituição da época – a ação se passa em 1907, como também a perfeição dos intérpretes, todos afinados, todos perfeitos, todos dotados daquele necessário – e sem o qual o filme não funcionaria – poder da verdade. Bergman se utiliza do enquadramento como fonte de reflexão, não se importando com o corte em movimento. O que importa é, por assim dizer, uma substancialização do que está sendo dito e do que está sendo mostrado e nunca uma adjetivação da obra como sintaxe, ainda que esta exista nas transições.
A grande casa aonde se festeja o Natal, sequência primorosa e que leva uma hora, como fizera Visconti com a seqüência do baile em O leopardo, faz lembrar, talvez pela acentuação da cor vermelha, Gritos e sussurros.Esta desvinculação do discurso cinematográfico no qual a sintaxe adquire um status mais nobre – Persona, A hora do lobo, etc – em função de uma narrativa dentro de uma linha dramática mais convencional – o que não quer dizer nada nem diminui o mérito dessa obra de arte – revela o Bergman da maturidade, do ocaso, da despedida, fazendo de Fanny e Alexander o seu canto de cisne. Cineasta que encantou o século XX, introduzindo, inclusive, em Morangos silvestres, o monólogo interior, Bergman é um mestre supremo cuja falta nestes bicudos tempos e nesta fajuta contemporaneidade é imensa. Falta, no cinema, um homem de seu gênio, atualmente, para pensar o homem contemporâneo.

terça-feira, 10 de março de 2009

BREVE HISTÓRICO DO CINEMA BRASILEIRO


por Beto Magno
VM FILMES

Caso alguém pergunte, num futuro distante, qual terá sido o meio de expressão de maior impacto da era moderna, a resposta será quase unânime: o cinematógrafo. Inventado em 1895 pelos irmãos Lumière para fins científicos, o cinema revelou-se peça fundamental do imaginário coletivo do século XX, seja como fonte de entretenimento ou de divulgação cultural de todos os povos do globo. Desde cedo, o cinematógrafo aporta no Brasil com Affonso Segretto. Segretto, imigrante italiano que filmou cenas do porto do Rio de Janeiro, torna-se nosso primeiro cineasta em 1898.
Um imenso mercado de entretenimento é montado em torno da capital federal no início do século XX, quando centenas de pequenos filmes são produzidos e exibidos para platéias urbanas que, em franco crescimento, demandam lazer e diversão. Nos anos 30, inicia-se a era do cinema falado. Já então, o pioneiro cinema nacional concorre com o forte esquema de distribuição norte-americano, numa disputa que se estende até os nossos dias. Dessa época, destacam-se o mineiro Humberto Mauro, autor de “Ganga Bruta” (1933) - filme que mostra uma crescente sofisticação da linguagem cinematográfica – e as “chanchadas” (comédias musicais com populares cantores do rádio e atrizes do teatro de revista) do estúdio Cinédia. Filmes como “Alô, Alô Brasil” (1935) e “Alô, Alô Carnaval” (1936) caem no gosto popular e revelam mitos do cinema brasileiro, como a cantora Carmen Miranda (símbolo da brejeirice brasileira que, curiosamente, nasceu em Portugal).

A criação do estúdio Vera Cruz, no final da década de 40, representa o desejo de diretores que, influenciados pelo requinte das produções estrangeiras, procuravam realizar um tipo de cinema mais sofisticado. Mesmo que o estúdio tenha falido já em 1954, conhece momentos de glória, quando o filme “O Cangaceiro” (1953), de Lima Barreto, ganha o prêmio de “melhor filme de aventura” no Festival de Cannes. A reação ao cinema da Vera Cruz representa o movimento que divulga o cinema nacional conhecido para o mundo inteiro: o Cinema Novo. No início da década de 60, um grupo de jovens cineastas começa a realizar uma série de filmes imbuídos de forte temática social.
Entre eles está Gláuber Rocha, cineasta baiano e símbolo do Cinema Novo.
Diretor de filmes como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) e “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1968), Rocha torna-se uma figura conhecida no meio cultural brasileiro, redigindo manifestos e artigos na imprensa, rejeitando o cinema popular das chanchadas e defendendo uma arte revolucionária que promovesse verdadeira transformação social e política.

Inspirados por Nelson Pereira dos Santos (que, já em 1955, dirigira “Rio, 40 Graus” sob influência do movimento neo-realista, e que realizaria o clássico “Vidas Secas” em 1964) e pela Nouvelle Vague francesa, diretores como Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Ruy Guerra participam dos mais prestigiados festivais de cinema do mundo, ganhando notoriedade e admiração. As décadas seguintes revelam-se a época de ouro do cinema brasileiro. Mesmo após o golpe militar de 1964, que instala o regime autoritário no Brasil, os realizadores do Cinema Novo e uma nova geração de cineastas – conhecida como o “údigrudi”, termo irônico derivado do “underground” norte-americano – continuam a fazer obras críticas da realidade, ainda que usando metáforas para burlar a censura dos governos militares. Dessa época, destacam-se o próprio Gláuber Rocha, com “Terra em Transe” (1968), Rogério Sganzerla, diretor de “O Bandido da Luz Vermelha” (1968) e Júlio Bressane, este dono de um estilo personalíssimo. Ao mesmo tempo, o público reencontra-se com o cinema, com o sucesso das comédias leves conhecidas como “pornochanchadas”.
A fim de organizar o mercado cinematográfico e angariar simpatia para o regime, o governo Geisel cria, em 1974, a estatal Embrafilme, que teria papel preponderante no cinema brasileiro até sua extinção em 1990. Dessa época datam alguns dos maiores sucessos de público e crítica da produção nacional, como “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976), de Bruno Barreto e “Pixote, a Lei do Mais Fraco” (1980), de Hector Babenco, levando milhões de brasileiros ao cinema com comédias leves ou filmes de temática política. O fim do regime militar e da censura, em 1985, aumenta a liberdade de expressão e indica novos caminhos para o cinema brasileiro. Essa perspectiva, no entanto, é interrompida com o fim da Embrafilme, em 1990. O governo Collor segue políticas neoliberais de extinção de empresas estatais e abre o mercado de forma descontrolada aos filmes estrangeiros, norte-americanos em quase sua totalidade.
A produção nacional, dependente da Embrafilme, entra em colapso, e pouquíssimos longas-metragens nacionais são realizados e exibidos nos anos seguintes.
Após o cataclisma do início dos anos 90, o sistema se reergue gradualmente. A criação de novos mecanismos financiamento da produção por meio de renúncia fiscal (Leis de Incentivo), juntamente com o surgimento de novas instâncias governamentais de apoio ao cinema, auxilia a reorganizar a produção e proporciona instrumentos para que realizadores possam competir, mesmo de modo desigual, com as produções milionárias das majors norte-americanas. Esse período é conhecida como a “Retomada” do cinema brasileiro. Em pouco tempo, três filmes são indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro: “O Quatrilho” (1995), “O Que é Isso, Companheiro” (1997) e “Central do Brasil” (1998), também vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim. Nomes como Walter Salles, diretor de “Terra Estrangeira” (1993) e “Central do Brasil” e Carla Camuratti, diretora de “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil” (1995) tornam-se nomes conhecidos do grande público, atraindo milhões de espectadores para as salas de exibição. Cem anos após os irmãos Lumière, o cinema brasileiro reivindica seu papel na história da maior arte do século XX para apresentar sua contribuição para o futuro.

quinta-feira, 5 de março de 2009

VISITANTES INDESEJADOS

Microfones são destaque em "13 Dias Que Abalaram o Mundo"

Por Francisco Russo

Já há algum tempo alguns incômodos visitantes vêm aparecendo em meio aos mais diversos filmes nas salas de cinema brasileiras. Sempre surgindo no alto da tela, às vezes até bem próximo dos atores, eles já foram vistos em filmes indicados ao Oscar, como "O Sexto Sentido", em filmes com grandes astros, como " Destinos Cruzados", e ainda filmes menores, como "Ela É Demais", mostrando que suas aparições em nada tem a ver com a quantia destinada ao orçamento do filme. Tratam-se dos microfones, aqueles objetos utilizados durante as filmagens para captar as vozes dos atores. Reza a boa cartilha do cinema de que eles devem ser objetos que fazem parte da produção de um filme mas que não devem aparecer em cena, a não ser quando o próprio roteiro pede que isto ocorra. E é justamente o inverso que tem ocorrido com cada vez mais frequência nos últimos lançamentos em cinema no Brasil.

Os possíveis motivos para o súbito aparecimento de um microfone em cena são dois. Na grande maioria das vezes em que isto ocorre a falha pode ser creditada à pessoa responsável por dimensionar o filme na tela da sala de cinema. Como o microfone é peça fundamental nas filmagens ele também é gravado, estando sempre acima da cena em questão.
Um mau dimensionamento pode fazer com que mais do que a cena em questão seja mostrada na tela, fazendo também com que um microfone surja. Outro possível motivo, este nunca confirmado e alvo apenas de boatos, é que o surgimento dos microfones seja parte de uma estratégia das distribuidoras em baratear seus custos na confecção de cópias de filmes a serem exibidos nos cinemas. De acordo com esta teoria, cópias mais baratas justamente por não terem este dimensionamento prévio estariam sendo exibidas no Brasil, o que explicaria o súbito aparecimento de tantos filmes em que este problema ocorre e o fato de que nos filmes mais antigos apenas raramente os microfones eram vistos.

Porém, devo ressaltar, esta teoria nunca foi confirmada por nenhuma distribuidora brasileira e, ao menos até o momento, não passa de simples teoria conspiratória.Agora o leitor deve estar imaginando: por que toda esta explicação acerca da aparição dos microfones em cena? A resposta é bastante simples: a presença dos microfones é um dos principais destaques de "13 Dias Que Abalaram o Mundo", filme dirigido por Roger Donaldson ("A Experiência") e estrelado por Kevin Costner, Bruce Greenwood e Steven Culp. Isto porque os microfones não surgem apenas uma ou duas vezes, como é mais comum de ocorrer, mas sim ao longo de praticamente todo o filme.
Ouso dizer que, após os três protagonistas já citados, os microfones são justamente aqueles que possuem mais tempo em cena durante todo o filme, em certos momentos dando até a impressão de que os próprios atores irão esbarrar nele.Mas deixemos os microfones de lado e falemos de "13 Dias Que Abalaram o Mundo". O filme, que chega aos cinemas brasileiros sete meses após seu lançamento nos Estados Unidos, narra a crise ocorrida entre os governos americano e soviético ao longo da crise dos mísseis de Cuba, quando por muito pouco não foi deflagrada a 3ª Guerra Mundial. O filme segue o estilo de thriller político, tão bem representado em "JFK - A Pergunta Que Nâo Quer Calar" - também estrelado por Kevin Costner -, e consegue passar de forma didática os eventos ocorridos naquele período em que o presidente americano ainda era John F. Kennedy e o líder da União Soviética era Krushev. O grande problema de "13 Dias..." é que ele não consegue ir muito além do que isso.

O filme em momento algum consegue trazer o espectador para dentro dos acontecimentos da época, algo fundamental para fazer com que a tensão presente naquele momento se refletisse também na platéia e ainda mais importante ao se constatar que, por serem fatos verídicos os apresentados no filme, o espectador já o assiste sabendo de antemão como ele irá terminar.Com isso, "13 Dias Que Abalaram o Mundo" acaba se tornando uma boa aula de história, que com certeza irá agradar a todos que gostam de saber mais sobre este assunto. Havendo ainda dois importantes extras: as boas atuações de Bruce Greenwood e Steven Culp e a presença quase que constante do nosso visitante, que incomoda o público e causa risadas na platéia sempre que surge em cena.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

ROGÉRIO SGANZERLA, CINCO ANOS DE SAUDADE...

Desaparecido em 9 de janeiro de 2004, ainda no auge de seu talento, de sua disposição para a criação cinematográfica, aos 58 anos (nasceu em 1946), Rogério Sganzerla foi vítima de um tumor no cérebro, que o fez naufragar. Neste janeiro de 2009, 5 anos sem Rogério na cena do cinema brasileiro. O Canal Brasil faz homenagem a ele, com a exibição de um especial Retratos Brasileiros e cinco longas de sua autoria. Rogério morou muitos anos em Salvador, nos anos 70, quando da pior fase da ditadura militar. Vim a conhecê-lo nestes tempos sombrios. Faço aqui um relato de sua estadia nesta soterópolis.
Rogério Sganzerla nunca aderiu ao comercialismo. Neste ponto, foi inflexível até o fim. Uma vez, num festival, acho que em Brasília, contrariado com Neville D’Almeida, que, por oportunismo, tinha aderido ao pensamento sganzerliano sobre cinema, mas, depois, aderiu ao puro mercado, foi ao quarto do hotel onde este estava hospedado e desferiu-lhe soco violento. Razão alegada: o ex-amigo Neville traíra seus princípios. Em 1978, quando existia, aqui, o escritório da Embrafilme, que programava o Glauber Rocha, dando preferência aos filmes de Barretão, num escárnio sem precedentes, chegando a deixar Menino do Rio mais de dez semanas em cartaz, quando nas últimas a sala estava às moscas, a colocação de O Abismo - ou como se quer agora Abismu - apenas no Rio Vermelho acendeu a fúria sganzerliana. Dirigiu-se ao escritório da Embra e com o pé - estava lá, vi com estes olhos que a Terra há de comer - espatifou o telex da empresa.Tinha seus princípios, suas concepções sobre cinema, e lutava por eles até o fim. Sua estadia na Bahia foi significativa. Virou hippie, ficava deitado na rede em Itapoã nos anos 70 e, depois, resolveu comprar um apartamento na Avenida Paralela. Curtia muito o sol de Itapoã. Mas, já na Paralela, com a sua sempre querida Helena Ignêz e os filhos, comprou um Chevette enferrujado para se deslocar. Uma vez, tomando carona, ao fechar a porta, esta caiu no chão.Certa ocasião, encontrei com ele na porta da Tribuna da Bahia aonde ia regularmente entregar minhas colunas. Era de tarde, mais ou menos 2 horas. Fomos beber cerveja no bar de um ‘espanha’ em frente. Mais de dez garrafas das grandes. Sganzerla, com notas de 500 - naquela época a maior, saindo pelo bolso da camisa, pagou tudo, apesar de minha insistência em dividir. Fomos a um escritório à rua Ruy Barbosa onde ele me emprestou A Marca Da Maldade, de Orson Welles, em cópia 16mm contida em duas latas. Eu tinha, nesta época, um projetor IEC desta bitola e vi o filme várias vezes até que, anos depois, Sganzerla irrompeu em meu apartamento para buscar a cópia, que pensava ter ele esquecido para sempre. Bem, nesta rua Ruy Barbosa tinha um bar e continuamos a beber. Corria célere o ano de 1979. Noite adentro, com as portas do bar - um fétido bar, diga-se de passagem somente acessível aos temperamentos etílicos - já arriadas, Sganzerla subiu na mesa e fez um discurso atacando o Cinema Novo. Ninguém, no recinto, entendeu porra nenhuma. Mas embriagados de toda espécie gostam mesmo de entrar, após umas e outras, em qualquer portinha onde venda cerveja - ou, se for o caso, trago forte. Sganzerla, diga-se de passagem, bebia apenas ocasionalmente.Encontrei-o várias vezes no jardim dos Barris, onde eu ficava esperando a sessão começar na Sala Walter da Silveira com uma namorada. Ele ia muito neste jardim, que ficava atrás da casa dos pais de Helena Ignez, que se localizava na mesma rua da pensão de D. Lúcia Rocha, onde Glauber passou a adolescência e veio a conhecer a linda vizinha com quem se casou na Igreja das Mercês em 1959.Com o passar do tempo foi deixando o hipismo e já nos anos 80 tinha mudado completamente a sua indumentária. Saiu de Salvador, foi morar na Urca no Rio de Janeiro. Ia sempre, porém, a São Paulo. Foi na Bahia que começou a pesquisar sobre Orson Welles. Podia ser encontrado toda tarde no Instituto Geográfico e Histórico, ali perto da Piedade. Contou-me que, um dia, em Itapoã, conversando com um pescador velho, perguntou a ele se conhecera Orson Welles e, para sua estupefação, o pescador o tinha conhecido, sim, descrevendo-o nos mínimos detalhes. É que Welles teve uma temporada baiana e filmou aqui alguma coisa para It’s all true. Ficou encantado com a praia de Itapoã, fez conferência no Instituto Histórico e se hospedou no Palace Hotel na rua Chile na época em que existia jogo de roleta. Tomou um porre homérico, mas não jogou os móveis do quarto pela janela como fizera no Copacabana Palace depois que soube, pelo telefone, que a RKO tinha desistido de It’s all true,cortando-lhe os recursos.Levei-o uma vez à Facom, ainda no prédio de Biblioteconomia. Exibi em 16mm O bandido da luz vermelha e, depois, Sganzerla falou muito para uma platéia apática, que, em 1982, o desconhecia. Saímos com as latas pesadas do filme e nos dirigimos ao Avalanche no Canela onde ficamos a tomar umas e outras. Para minha vergonha, alguns alunos se retiraram no meio da palestra do grande cineasta.A última vez que o vi foi em 2001 quando fiz parte da comissão julgadora dos roteiros do Prêmio Carlos Vasconcelos Domingues. Ele também fazia parte.
O fenômeno Rogério Sganzerla
Rogério Sganzerla foi, sem dúvida, um dos mais coerentes e íntegros realizadores do cinema brasileiro, além de possuir uma pulsão criadora rara que o faz integrar a seleta galeria dos cineastas mais criativos da cinematografia nacional. A sua obra de estréia, O Bandido da Luz Vermelha (1968), traumatizou duramente os realizadores e pode ser considerada um marco ou, até mesmo, um filme divisor de águas. Lançado pouco antes do Ato Institucional número 5 – que cerceou por muitos anos qualquer manifestação livre no Brasil, modelou um tempo e uma época. Se formalmente continha elementos explosivos e inovadores dentro do ponto de vista da linguagem – a narrativa como um programa de rádio dos mais bregas, os cortes brilhantes, a fragmentação com a adição de material de procedência diversa como recortes de jornais, histórias em quadrinhas, filmes, etc, também continha uma significação exemplar propícia para o momento histórico no qual viviam os brasileiros amordaçados pela ditadura implacável. O Bandido da Luz Vermelha se insurge contra os postulados cinemanovistas – que procuravam retratar a realidade brasileira em tom grave – e instaura a anarquia, a iconoclastia pela impotência de seus criadores no estabelecimento de um cinema representativo. Como diz seu personagem num determinado momento do filme: “A gente quando não pode fazer nada se avacalha e se esculhamba”. Melhor retrato do país impossível. Melhor explosão de criatividade, difícil. O Bandido da Luz Vermelha desencadeou uma onda de filmes que foram intitulados de ‘marginais’, ou, mesmo, ‘udigrudis’. O carro-chefe é este filme de Rogério Sganzerla, ainda que alguns críticos estudiosos desse momento prefiram considerar A margem (1967), de Oswaldo Candeias como o ponto de partida do ‘Cinema Marginal’Se o ‘trauma’ foi imenso, Sganzerla ofereceu as coordenadas para a continuidade de um cinema autoral que estaria morto com o advento do Ato Institucional 5. Dificilmente existiria, por exemplo, na Bahia, Meteorango Kid, O Herói Intergalático (1970), de André Luiz Oliveira, ou Caveira My Friend (1969), de Álvaro Guimarães, ou, mesmo, o média Vôo Interrompido (1969), de José Umberto, sem a existência anterior de O Bandido da Luz Vermelha, obra insólita e brilhante, renovadora, que pode ser incluída entre os cinco maiores filmes brasileiros de todos os tempos. A fita de Sganzerla é um brado retumbante de artistas que, asfixiados, tentam, pela verve da criação, respirar o cinema em seus vinte e quatro quadros por segundo. Sganzerla morreu com o estigma do ‘primeiro filme’, pois passou a vida sendo cobrado por um outro ‘bandido’ que, na verdade, nunca mais apareceu, apesar de suas tentativas de renovação das estruturas lingüísticas em obras posteriores. Mas nada que se pudesse equiparar a esta obra de estréia de um cineasta que contava, apenas, 22 anos. E que, desde os 16 já assinava críticas cinematográficas no sisudo O Estado de S.Paulo.Mas Sganzerla, se em O Bandido da Luz Vermelha, sua indiscutível obra-prima, estabelece um cinema de montagem, com tomadas rápidas, pulsação alucinante, já em A Mulher de Todos, filme seguinte, de 1969, aciona um freio no conceito de duração. A radicalidade chega em Sem Essa Aranha (1970), quando abandona o corte em movimento para dar lugar a um cinema muito mais de mise-en-présence do que de mise-en-scène. Se O bandido da luz vermelha é o supra-sumo desta, os filmes radicais de Rogério Sganzerla dos anos 70 são arredios à fluência narrativa, propõem ao espectador ’estar em presença’ do que é registrado, enfim, são obras que se caracterizam pelo estabelecimento do plano-seqüência como moto da ’inação’. ’Inação’, porém, do que se poderia chamar do discurso fílmico porque, na essência, a ’ação’ está dentro da tomada. Em Sem essa aranha, se não há falha de memória, apenas nove são os planos-seqüências. Em particular, a festa no quintal de uma casa com o próprio rei do baião, Luiz Gonzaga, a promover o agito enquanto a protagonista, Helena sempre Helena, perambula meio desesperada. Em outro momento, é Jorge Lordelo (Zé Bonitinho) quem compõe o plano-seqüência, que depois o repetiria, quase no mesmo ’tom’, em Abismu. Há, nos filmes de Sganzerla, uma tendência anarquizante muito acentuada, uma explosão de non chalance que difere da ’seriedade’ de seu colega e amigo Júlio Bressane, excetuando-se, deste, os primeiros filmes, com mais frescor, anarquia, ironia, como se pode verificar em Matou a família e foi ao cinema e Cara a cara, até hoje, o melhor Bressane.Sganzerla, após brilhar no cinema de mise-en-scène, com sua magistral obra de estréia, parte célere para um processo de radicalização tal que se poderia ver, nisto, uma tentativa homicida de matar a mise-en-scène, arrebentando as estruturas de sua linguagem para fazer emergir, quase como uma totalidade, o sentido da mise-en-présence. O cinema é, para Sganzerla, uma narrativa dentro do plano, mas não como faz Michelangelo Antonioni com sua ’desdramatização’ em obras-primas como A aventura, A noite, ou O eclipse, entre outras, pois aqui há um fio condutor. Sganzerla parte este fio condutor e deixa os planos-seqüências quase como se fossem filmes autônomos.O cinema de montagem viria a partir dos filmes dedicados a Orson Welles, como Nem Tudo é Verdade e Tudo é Verdade, puras ’montagens’, um afresco do imaginário brasileiro seja a nível iconográfico ou ao nível da musicalidade.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

CINEMA E HISTÓRIA: O ENCONTRO DE DOIS MUNDOS

Por Beto Magno

A história no cinema, ou seja, os filmes enquanto fonte histórica e meio de representação da história teve em Marc Ferro sua primeira e principal referência mundial. Em sua obra “Cinema e História”, o autor formulou a definição de duas vias de leitura do cinema acessíveis ao historiador: a leitura histórica do filme (que corresponde a uma leitura do momento presente em que este foi produzido ) e uma leitura cinematográfica da história que seria a utilização dos filmes para uma leitura da história.(FERRO, 1992).Ao analisar a recusa de historiadores contemporâneos em recorrer aos filmes como documento, Ferro diz tratar-se de uma recusa inconsciente, que procede de causas mais complexas. Seria necessário, segundo o historiador francês, fazer o exame de quais “monumentos do passado” o historiador transformou em documentos para, em seguida,buscar perceber que documentos, hoje, a história transforma em monumentos.A partir da década de 1970, sob influência da Escola dos Annales, na França, que desencadeou um processo de reformulação do conceito e métodos da história, o filme passa a representar um testemunho de seu tempo e ganha o status de documento histórico.
Com o filme ganhando status de documento histórico, algumas obras começam a surgir buscando debater o modo de operar com esta nova fonte. (LE GOFF & NORA, 1979). Siegfried Kracauer com a obra “Teoria do Filme”, publicada em 1960, é um dos primeiros a habilitar-se a colaborar.Baseando sua construção teórica numa visão realista do cinema, já em seu prefácio, o autor afirma que sua teoria seria uma estética material baseada na prioridade do conteúdo.Para este autor, toda arte é uma batalha entre a forma e o conteúdo, sendo que, no cinema, o conteúdo teria vantagem sobre a forma. Esta certeza impulsionou a Kracauer contemplar, com um capítulo em sua obra, a análise dos conteúdos cinemáticos de vários filmes. A obra do teórico alemão notabiliza-se por levantar uma questão crucial na análise documental de um filme: o realismo das películas.
Para Kracauer, a forma cinematográfica ideal seria aquela que conseguisse o equilíbrio entre o documentário, que tenta seguir o impetuoso fluxo da natureza, e o filme de enredo, que se esforça para dar à natureza uma forma humana. A síntese dessas duas antíteses foi estabelecida por Kracauer com o que ele chamou de “enredo encontrado”. Exemplos de “enredos encontrados” são os filmes do neo-realismo italiano cujas histórias nascem do local e da cultura filmados; neles, nunca um indivíduo inicia uma trama, pois a trama deve vir da própria realidade. Mesmo passível de críticas, a obra de Kracauer fez emergir de forma vigorosa a relação cinema e história. (BAZIN, 1991) Caminhando na mesma linha de interpretações, encontra-se o americano Robert Rosenstone, cuja grande preocupação é interrogar-se sobre as possibilidades do discurso histórico escrito, transformar-se em um discurso visual. Faz uma crítica indireta a Kracauer,quando afirma que não são o excesso de ficção ou a falta de rigor as duas maiores transgressões do cinema à concepção tradicional de história.
Para o historiador o grande problema situa-se na tendência do cinema a comprimir o passado e convertê-lo em algo fechado, mediante uma explicação linear, uma interpretação exclusiva de uma única concatenação de acontecimentos. (ROSENSTONE, 1998).O próprio Rosenstone nos apresenta a posição de dois teóricos, cujas leituras divergem, no que concerne a este possível reducionismo do documento fílmico. O historiador R. J. Raack defende a tese de que as imagens são mais apropriadas para explicara história do que as palavras. Para ele, a história escrita convencional é tão linear e limitada que é incapaz de mostrar o complexo e multidimensional mundo dos seres humanos, capacidade só atribuída às películas. Posição oposta à de Raack defende o filósofo Jan Jarvier, já que para ele as imagens só podem “transmitir muito pouca informação” e padecem de tal “debilidade discursiva” que é impossível transpor algum tema histórico na tela.Diante das controvérsias, Rosenstone centra seus argumentos conclusivos sobre a necessidade de aprofundar-se no entendimento da linguagem e nos códigos específicos do cinema no intuito de desenvolver uma leitura mais adequada das capacidades do meio audiovisual, para informar, justapor imagens e palavras e criar estruturas analíticas visuais.À luz destas necessidades de entendimento de códigos e estruturas analíticas visuais, Jean-Claude Bernardet aproxima o cinema da história ao contemplar, com um capítulo de sua obra “Piranhas no Mar de Rosas” a análise de alguns filmes de temática histórica.O autor, em texto introdutório, posiciona-se contrário a uma parte da crítica especializada que defende, segundo ele, uma estética “naturalista” dos filmes históricos,exigindo deles uma reconstituição de fatos e figurinos que se aproximem o máximo da“verdade histórica”.No momento em que estes críticos exigem verossimilhança excessiva da reconstituição histórica nos filmes, estão tomando uma atitude puramente ideológica,pois querem ter para si o domínio da história, pois, ao dominar a história dominam o presente, “já que a história é sempre uma interpretação do presente”.(BERNARDET,1982).
O argumento de Bernardet perde consistência, entretanto, no momento em que, ao defender uma liberdade estética e interpretativa dos fatos históricos no cinema este não deixa claro o conceito de história que se passa nas telas. Ao acusar os críticos de imporem uma visão única de história, ele próprio não caracteriza que visão histórica defende. Faltam-lhe neste momento a responsabilidade e o embasamento teórico de um historiador. Ainda referindo-se ao cinema como documento e à constituição de uma época no conteúdo deste documento, Jean-Louis Leutrat,(1995) admite que a discrepância temporal entre a época representada e a que produz esta representação não proíbe que relações de contrastes ou analogias se estabeleçam entre elas,Para o autor, a própria reconstituição, os figurinos, por exemplo, se opera com freqüência a partir de representações da época tomadas como imagem fiel de uma realidade . Mesmo dentro de uma reconstituição, Leutrat reconhece a presença de invenção.
O teórico francês mostra-se categórico quanto ao seu pessimismo com o cinema como documento ao afirmar que a imagem no cinema não exibe senão desajustes. Ao concluir, sustenta a tese de que o filme se apresenta raramente como um discurso de sabedoria, mesmo se ele pode produzir efeitos de sabedoria. E, quando se torna auxiliar de uma ciência, pede que seja acompanhado de um comentário. (JOLY, 1999).
O filme “Barravento” de Glauber Rocha é um exemplo típico de como se pode representar leituras divergentes de um mesmo fato. Ismail Xavier, em obra escrita em 1983, inaugura uma nova tese de análise sobre Barravento. De modo geral, antes de Xavier, o primeiro longa metragem de Glauber Rocha representava um claro e inequívoco discurso contra a religiosidade africana. Xavier propõe uma revisão desta tese, optando pela renúncia do enredo como eixo do discurso fílmico e centrando sua argumentação numa leitura específica sobre a imagem e o som da película. (XAVIER, 1993).O livro de Xavier analisa quatro filmes: dois de Glauber e dois que ele considere representativos do Cinema Não Novo brasileiro. O capítulo, que se refere a “Barravento”, é construído para provar que houve por parte de Glauber uma ambigüidade de ponto de vista que se alternou entre uma aceitação poética da cultura popular representada pelo candomblé uma denuncia da religiosidade como fator de alienação de um povo. Ao dar ênfase na análise da imagem e do som, Xavier abre possibilidades especulativas e dúbias no discurso do diretor baiano. Renato da Silveira, em texto escrito em 1998, desconstrói a tese de Xavier, afirmando que não há rigorosamente nada em “Barravento”, que não possa encontrar “lógica”, “ científica”.
Ainda, segundo ele, um certo deslumbramento com o exótico impede que isso fique claro. Ao contrário de Xavier, Silveira ocupa-se do texto escrito do enredo como eixo do discurso fílmico. Apesar de não descartar a análise das outras linguagens que compõem um filme como a imagem e o som, percebe que, no caso especifico de “Barravento”, o texto é o elemento essencial na caracterização de um discurso único e logicamente construído pelo diretor.Para construir sua tese, e conseqüentemente mostrar o equívoco cometido pór Xavier, substancia seu trabalho com uma caracterização do contexto ideológico do início da década de 60 e a influência deste contexto na formação intelectual do jovem Glauber Rocha.Faz uma analogia intelectual entre teoria e prática na obra de Glauber, fazendo emergir uma relação direta e inequívoca dos pressupostos teóricos do cineasta e o resultado final do discurso fílmico de Barravento. O texto de Renato da Silveira conclui por uma afirmação do filme como um manifesto político contrário à alienação popular causada pelo candomblé.
Ao fazer uma análise da presença da religião afro brasileira nos filmes brasileiros, Robert Stam (1997) aproxima-se da discussão em torno de “Barravento”. A posição do autor toma uma direção conciliatória entre a de Xavier e a de Silveira.Sua análise leva em conta tanto a abordagem materialista quanto a poética. Mostrando-se minucioso pesquisador, dá a devida importância aos assuntos de bastidores que envolveram a produção de Barravento. Embasaram seu texto, a formação religiosa dos principais envolvidos na produção, o grau de envolvimento destes mesmos personagens com o candomblé, a formação intelectual de Glauber Rocha, e o conflito histórico da produção representado pela exclusão de Luis Paulino dos Santos à frente da direção do filme.
Todos esses fatos levaram Stam a concluir que o objetivo de Glauber Rocha, com “Barravento”, foi mostrar que sob o exotismo e a beleza decorativa do misticismo afro brasileiro existia a fome, o analfabetismo e a miséria. Entretanto, em certo momento, o historiador americano acaba sucumbindo às suas limitações conclusivas do tema, ao afirmar que até certo ponto o filme é uma equação ir resolvível. Antonio Costa escreveu uma espécie de manual cinematográfico cujo principal objetivo foi facilitar a compreensão do complexo mundo que envolve o cinema. Sua obra busca, ao mesmo tempo, teorizar e historiar os fatos ligados ao cinema desde sua criação. (COSTA, 1987).
No primeiro capítulo cujo título é “O que é cinema?” trabalha com as diversas formas de abordar o cinema, contemplando neste conteúdo a história do cinema.A principal dificuldade do historiador do cinema é a de unificar, em uma única perspectiva,um fenômeno tão complexo com vários objetos de pesquisa que, embora separados devam estar coesos. Costa atribui a uma estruturação de tipo abrangente e comparativo o método correto para se atingir o êxito das histórias gerais do cinema. Jean-Louis Leutrat, em obra já citada, faz uma aproximação entre história e antropologia. Partindo da idéia de que o espaço é a matéria da antropologia e o tempo a matéria – prima da história, é possível entrecruzar as duas ciências a fim de fazer do cinema um domínio em que ambas ciências enriqueçam o conhecimento do objeto.Um projeto de história do cinema poderia ser o de reconhecer a maneira pela qual os atores sociais revestem de sentido as suas práticas e os seus discursos.
Em contribuição a uma história do cinema de forma abrangente, Walter da Silveira vai escrever “A História do Cinema Vista da Província”. Escrito sob o ponto de vista de quem viveu os melhores momentos do cinema baiano, o texto está, baseado em farta documentação, traça um panorama do cinema na Bahia e no Brasil na primeira metade do século XX. (SILVEIRA, 1978).
Organizada em forma de tópicos curtos, a obra de Walter, apesar de ser fiel a uma coerência cronológica, afasta-se da linearidade, demonstrando a dificuldade do historiador do cinema em contracenar sua história no tempo e no espaço. A opção por um texto basicamente informativo é fruto da dificuldade de unificação, levantada por Costa, dos vários objetos que compõem a história do cinema. Mesmo distanciando-se de certos rigores historiográficos, o livro de Walter da Silveira é essencial para o conhecimento do cinema baiano e brasileiro. Raimundo Nonato Fonseca (2000), em dissertação de mestrado defendida recentemente, aborda o cinema como eixo temático na construção de uma historia social da Bahia nas três primeiras décadas do século XX.
O trabalho de Nonato insere o lazer,representado através do cinema, como campo de estudo histórico do cotidiano baiano.Recorrendo a jornais como principal fonte de pesquisa, a tese em questão retrata, os costumes, hábitos e valores do baiano. Ao retratar o cotidiano do baiano, Fonseca objetiva perceber o sistema de trocas e incorporação cultural, ocorrido na cidade, entre o cinema e o povo da Bahia.A pesquisa de Fonseca ganha importância dentro da historiografia específica por servir de exemplo de abordagem por parte do objeto cinema numa perspectiva de cunho cultural.
Os textos abordados demonstram o quanto a relação cinema e história mostra-se embrionária em termos de conceitualização metodológica. As posições persistem contraditórias, mas convergem, de modo geral, quanto à utilização do cinema, seja como instrumento de um discurso ou como documento histórico. O uso do cinema como documento, entretanto, precede, por parte do historiador, um domínio das representações que caracterizam a linguagem cinematográfica. Cabe, portanto, ao historiador contemporâneo investir em sua capacitação interpretativa desta linguagem e apoderar-se do cinema de forma proveitosa como mais uma ferramenta no processo de produção historiográfica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:BAZIN, André. O Cinema: Ensaios. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1991.BERNARDERT, J. C. Piranha no Mar de Rosas. São Paulo: Nobel, 1982.COSTA, Antonio. Compreender o cinema. Rio de Janeiro: Globo, 1987.FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 1992.JARVIE, I. C. Ver através dos filmes: Filosofia das Ciências Sociais. n. 8., 1978, p.378.JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus, 1999.KRACAUER, Siegfried. Theory of film: The Redemption of Physical Reality. Nova York: Oxford University Press, 1960.LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre. (Orgs). “História: Novos Problemas”. In: A NovaHistória. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.LEUTRAT, Jean-Louis. Uma Relação de diversos andares: Cinema e História. Revista Imagens, n. 5, ago/dez 1995, p. 28-33.RAACK, R, J. Historiography as cinematography: a prolegomenon to filme work for historians. Journal of Contemporary History, n. 18, 1993, p. 416-18.STAM, Robert. Tropical multiculturalism: A Comparative HistorY of Race in Brazilian Cinema and cultura. London: Duke University Press, 1997.SILVEIRA, Renato. O Jovem Glauber e a Ira do Orixá. Seção Textos, n. 39, set/nov de1998, p. 88-115.XAVIER, Ismail. Sertão Mar, Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo:Brasiliense/ Embrafilme/MEC, 1993.

" O TEMPO E O LUGAR" RESGATA HISTÓRIA DE LUTA NO CAMPO NO BRASIL.

BETO MAGNO E JORGE MELLO (JM)

Por EDILSON SAÇASHJMA.

Genivaldo Vieira da Silva é o protagonista do documentário "O Tempo e o Lugar". Esse nome poderia passar despercebido em meio à população que sobrevive no semi-árido nordestino. Porém, a sensibilidade do cineasta Eduardo Escorel conseguiu captar naquele homem uma história que levanta questões sobre a realidade agrária do país.O primeiro contato entre Genivaldo e Escorel aconteceu em 1996, quando o cineasta realizou com ele uma peça publicitária chamada "Gente que Faz", parte de uma série institucional de um banco apresentada nos intervalos do Jornal Nacional. O anúncio mostrava Genivaldo como um agricultor familiar, mas o cineasta notou que aquele morador de Inhapi, no interior de Alagoas, possuía outras histórias. Estava certo.
Genivaldo também era um militante da causa agrária e líder do Movimento Sem-Terra. Participou de invasões, foi preso e, anos depois, tentou a carreira política
o registro do depoimento de Genivaldo relatando esta parte de sua biografia aconteceu em 2005. Em 2007, Escorel voltou a Alagoas e captou novos relatos do protagonista, desta vez com os comentários dele em relação aos depoimentos de 2005. Com isso, o ex-líder do MST passa em revista a sua trajetória e avalia sua própria história."O Tempo e o Lugar" é um filme sobre a memória e também uma revisão crítica da história recente do Brasil.
Carismático e com boa retórica, Genivaldo apresenta críticas ao MST, demonstra frustração com o PT e com o presidente Lula.Talvez se possa esperar reações acaloradas de uma parte da platéia, como ocorreu durante o festival É Tudo Verdade deste ano. O tema incendiário, porém, é tratado com sutileza e leveza por Escorel. O diretor, colaborador de cineastas como Joaquim Pedro de Andrade, Glauber Rocha e Eduardo Coutinho, consegue fugir da crítica fácil e inflamada sem perder de vista a refinada análise do contexto histórico brasileiro em que se enquadra o personagem.Cineasta, montador, roteirista e ensaísta, Escorel transforma o quase monólogo de Genivaldo em diálogo com a realidade brasileira. Mas o diálogo é possível também em outros níveis. A estrutura e o tema de "O Tempo e o Lugar" podem ser vistos à luz de "Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho e do qual Escorel foi montador.
Os dois filmes tratam da questão agrária do país, retratam um período histórico preciso e falam de memória.
Porém, como lembrou Escorel em entrevista ao UOL, João Teixeira, protagonista de "Cabra", é um herói trágico. Genivaldo, um herói realizado. Mas ele teria atingido seus objetivos políticos e sociais? Está aí mais um ponto para se refletir.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

COM MONIZ DESAPARECEM A GRAÇA, A ESPIRITUALIDADE E A IRONIA

Texto de André Setaro

Pelo que estou a ler por aí, pouca gente conheceu ou ouviu falar de Antonio Moniz Vianna, exceção se faça às pessoas mais velhas, o que significa uma lacuna na formação cinematográfica. Até meu amigo Romero, que julgo entender da arte do filme, diz, em comentário, que não leu São Moniz Vianna. O fato é que, ironias à parte, apesar de ter minha formação cinematográfica muito influenciada pelo crítico desaparecido, nunca comunguei de todas as suas opiniões, principalmente às referentes ao Cinema Novo, do qual fui um entusiasta na medida do possível, a apreciar as obras de Glauber, Leon, Saraceni, Guerra, entre outros. Há os grandes filmes cinemanovistas e existem, como em tudo na vida, as obras pachorrentas, que se aproveitam da onda para aporrinhar os espectadores. Moniz Vianna gostava de provocar e produzir frases de efeito. E, com isso, aborrecia muita gente. A revista Filme/Cultura, acho que em seu número 35, dedica-o à crítica de cinema e faz uma homenagem ao mestre que se foi. Há depoimentos de Carlos Diegues, Paulo Perdigão, Arnaldo Jabor, entre outros, que confessam a influência decisiva de São Moniz Vianna.A adesão total ao cinema americano de Vianna era inegável, mas também admirava muito o cinema italiano (prinpalmente Federico Fellini) e era fã confesso de René Clair. Naquela época, a crítica mais enragé se dividia, em torno do cinema francês, entre René Clair e Jean Renoir. Vianna ficava com Clair em oposição ao realizador de La règle de jeu. Na segunda metade dos anos 60, e bato este post de memória e no afogadilho da pressa, havia dois conselhos de cinema: um, no Correio da Manhã, e outro no Jornal do Brasil. Cada conselho reunia em média dez críticos que, uma vez por semana, além do quadro das cotações estreladas, estabelecia comentários em torno de um filme importante da semana (ao contrário dos dias de hoje, havia sempre um filme importante sendo exibido na semana). Dos críticos do Correio, que possa me lembrar agora, todos eram liderados por Moniz, ainda que, mais tarde, tenha havido certa dissidência, como sói acontecer em tudo que se refere à natureza humana. Ironildes Rodrigues, Paulo Perdigão, Van Jaffa, Valério Andrade (este, fã de carteirinha de São Moniz Vianna, jornalista, deixou a cidade onde nasceu, Natal, para ir ao Rio conhecer o santo homem), Ronald. F. Monteiro (acho que tenho um recorte com os nomes de todos os críticos, mas a preguiça domina o escrevinhador), etc. Não me lembro agora se o conselho do Correio da Manhã era simultâneo ao do Jornal do Brasil. Creio que o deste surgiu com o fim do outro. No JB, o jornal mais importante da época - seu Caderno B era literalmente devorado,. o conselho era composto por Alberto Shatovsky (que depois se tornaria empresário e instalaria no mercado exibidor os saudosos Cinema 1 [na Prado Junior] e o Cinema 2 [na rua Raul Pompéia], ambos em Copacabana), Ely Azeredo (o responsável pela denominação Cinema Novo, estilista admirável, mas olhado de esguelha e de soslaio pelos mais avançados), Sérgio Augusto, José Carlos Avellar, Valério Andrade, Miriam (como é mesmo o outro nome dela?), Alex Viany, Maurício Gomes Leite (realizador de uma das obras-pirmas do cinema brasileiro: A vida provisória), etc.A questão ideológica era muito forte naquela época. O cinema tinha um status político que perdeu totalmente. Era o tempo da famosa Geração Paissandú. Jean-Luc Godard dava as cartas para a constelação estelar do conselho do JB no qual Maurício Gomes Leite talvez tenha sido o godardiano mais eloquente. Moniz não participava dele, mas seus discípulos, ou suas crias, como se dizia, penduravam no conselho muitas bolas pretas, a exemplo do fiel seguidor Valério Andrade. Glauber, via Paulo Perdigão, mostrou, em sessão especial, Deus e o diabo na terra do sol para Moniz Vianna, que o viu e se entusiasmou. Também elogiou O dragão da maldade contra o santo guerreiro.Bem, o problema de hoje reside no politicamente correto e na falta de senso de humor. O que mais faz falta no magister Vianna está justamente na sua imensa capacidade de provocar e de colocar, em seus escritos, a pena da ironia. Com um estilo somente comparável ao dos grandes escritores.

ANTES DE SER O TAL...

Texto de André Setaro

Considerando que existem três espécies de realizadores cinematográficos, o autor, o estilista, e o artesão, Clint Eastwood, o diretor do recente (e notável!) A troca (Changeling), seria o caso de um artesão que aos poucos foi se moldando como um autor de filmes. E um dos mais expressivos e significativos do cinema contemporâneo. Para se detectar um autor, é necessário que o realizador tenha já alguns filmes, a fim de que, na análise comparativa de suas obras, possa se estabelecer as constantes temáticas e estilísticas. Para que se configure como um autor, o cineasta precisa ter uma visão de mundo e uma visão de cinema, isto é, um universo ficcional próprio e uma maneira peculiar de explicitar o seu repertório temático através das imagens em movimento.
Autores marcaram a história da arte do filme e, também, provocaram polêmica, principalmente quando da emergência, na França, via Cahiers du Cinema, da Política dos Autores (Politique des Auteurs). São autores de filmes, para ficar apenas em poucos exemplos, Ingmar Bergman, Fellini, Chaplin, Welles, Hitchcock, entre tantos outros, pois realizadores que possuem, nítidas, constantes temáticas e constantes estilísticas.
Já o estilista não possui universo ficcional próprio, mas tem uma maneira muito sua de articular os elementos da linguagem cinematográfica, um estilo particular, uma marca registrada. Não seria Steven Spielberg, por exemplo, um estilista? Ainda que em sua filmografia possam ser notadas preocupações relativas à necessidade do conforto familiar, do retorno à infância, do imaginário construído em torno da célula mater, etc. Mas o que tem a ver Parque dos dinossauros com A lista de Schindler? O que tem a ver Os caçadores da arca perdida com Amistad? Não se colocaria Spielberg no panteão dos autores nem dos artesãos.

Estes se caracterizam pela ausência de constantes temáticas e pela inexistência de um estilo, de uma marca. Realizadores sem estilo, os artesãos, no entanto, sabem contar uma história, desenvolver uma narrativa em função da fábula e estão confinados à falta de ambição e propósitos outros que não estejam conectados com o desenvolvimento do roteiro. É verdade que um grande autor pode ser de mais valia para a história da arte do filme do que um grande artesão. Mas o fato de o realizador ser um autor não o credencia a ser melhor do que o artesão. Tudo na vida, como no cinema, é relativo. Muitas vezes, melhor um afiado artesão do que um autor chato, pachorrento, pretensioso, do qual o cinema está cheio pelas bordas.

Mas o objeto deste artigo é Clint Eastwood, caso um pouco raro de artesão que, aos poucos, foi se construindo como autor, e autor, diga-se de passagem, do primeiro time. Clint nasceu numa ladeira da cidade de San Francisco em 31 de maio de 1930. Vai fazer, portanto, 79 anos, já beirando os 80 e ainda em plena forma, ativo, lépido e fagueiro, prestes a iniciar um novo longa metragem. Família pobre, de parcos recursos, a obrigar o menino ao exercício da sobrevivência como entregador de pizzas, faxineiro de armazém, entre outros trabalhos do gênero. Rapaz, perambulava pelas ruas de San Francisco (com suas ladeiras celebrizadas em Bullit, de Peter Yates, ou, mesmo, no delirante Um corpo que cai/Vertigo, do mestre Hitch), a namorar as garotas nos anos dourados dos 50, mas com o pensamento nas telas do cinema.

Em 1954, após muito batalhar, consegue participar de um sem número de seriados da Universal, fazendo pontas sem sucesso. Foi preciso esperar uma década para, em 1964, num intervalo do seriado Rawhide receber um convite para trabalhar num filme na Itália. Era Por um punhado de dólares, de Sergio Leone. Com este, participou de mais alguns filmes: Por uns dólares a mais, Três homens em conflito. De volta aos Estados Unidos, teve a sorte de encontrar Don Siegel, cineasta de grande dinamismo, de timing envolvente, que, pode se dizer, ensinou a Clint muitos dos segredos da arte de contar uma história com ritmo, eficiência, economia narrativa. Clint abriu uma produtora, a Malpaso, em 1968, e bancou alguns filmes de Siegel e, enquanto atuava, aprendia, perguntando, olhando, curioso. Perseguidor implacável (Dirty Harry, 1971), de Siegel, pode ser considerado – ao lado de Meu ódio será tua herança/The wild bunch, de Sam Peckinpah, o detonador da violência no cinema contemporâneo. Filme de ação irretocável, que marcou a década de 70, Dirty Harry estabeleceu a figura do policial lacônico interpretado por Clint, Harry Callaghan, que seria continuado em uma série de outros filmes (sem a marca de Siegel, entretanto). O “homem sem nome” dos filmes de Leone encontrara um novo posto na pele de Callaghan. Dirty Harry tem um precursor, que é Meu nome é Coogan (Coogan’s buff, 1968), do mesmo Siegel, com Clint como um policial interiorano que vai a Nova York buscar um criminoso que se evadira. A estruturação psicológica de Coogan é, mutatis mutandis, a mesma de Callaghan.

Ter uma empresa produtora ajudou muito a Clint na sua escalada como diretor. O seu princípio, no entanto, a julgar pelos seus filmes anunciadores da trajetória como cineasta, não oferece sinais do realizador que viria a ser. Em 1971, consegue financiamento para rodar Perversa paixão (Play misty for me), thriller sobre um radialista que se vê perseguido por ouvinte apaixonada, um exercício de suspense sem que se enxergue, nele, nada de extraordinário, mas a rotina comum aos filmes do gênero. Já a segunda tentativa, a de fazer um western fantasmagórico em O estranho sem nome (High plains drifter, 1972), com ele próprio e Verna Bloom, tem um cuidado visual que lembra Leone, e uma dinâmica no estabelecimento da ação que remete a Siegel, além do tema que beira, na tradição do gênero, o sobrenatural. O terceiro empreendimento, Interlúdio de amor (Breezy, 1973), melodrama sobre um homem de meia-idade (William Holden) que se apaixona por jovem (Kay Lenz) faz parecer que Clint, além de híbrido, é prolixo, considerando a salada de gêneros nos filmes dirigidos: um thriller fraquinho, um western com ponta inteligente, e um melodrama com clima seco.

Seria preciso esperar alguns anos para se ver em Clint um cineasta, pois Escalado para morrer (The eiger sanction), ação, cinema em movimento, de 1975, ainda não apresenta nada para surpreender. Josey Wales, o fora-da-lei (The outlaw Josey Wales, 1976), outro western, apesar de passar batido por uma crítica em busca das celebridades já carimbadas, e incapaz, como acontece sempre, salvo as exceções de praxe, de descobrir talentos, é filme interessante e muito acima da média, capaz de fazer ver o nascimento, em The outlaw Josey Wales, de um verdadeiro cineasta (e quem não acreditar pode tirar a dúvida no DVD). Clint trabalha ao lado de sua então esposa Sondra Locke (que depois viria, também, a dirigir, mas filmes insignificantes, à sombra do marido), que também aparece no filme seguinte, Rota suicida (The gauntlet, 1977), thriller de grande força, que, além de proporcionar excelente entretenimento, dá a seu diretor a oportunidade de conjugar ação e ironia, ironia e ação.

Os que se seguem são fitas menores, obrigatórias, porém, na missão da sobrevivência: Bronco Billy (1980), Firefox, a raposa de fogo (Firefox, 1982), Impacto fulminante (Sudden impact, 1983), uma aventura de Callaghan dirigida por ele mesmo, que Clint filma para fazer caixa para um projeto mais ambicioso e com menos possibilidade de ser apoiado por um grande estúdio.Para os que não enxergaram, e não conseguiram ver, que a semente do Clint cineasta estava em Josey Waley, seu filme de partida foi considerado em outro western, sombrio e magnífico, autoral, O cavaleiro solitário (Pale rider), em 1985. Neste, já se mostra que existe uma narrativa que transcende o mero entrecho fabular, fazendo despontar um pensamento que se faz imagem em movimento. Com o gênero em franca decadência, para não dizer desaparecido, a bilheteria lhe foi madrasta, precisando corrigir as burras de sua produtora com produto para consumo rápido: O destemido senhor de guerra (Heartbreak ridge, 1986).
É a partir de Bird que começa a ascenção de Clint Eastwood como diretor aclamado e respeitado. Mas, como se vê, antes realizou muita coisa boa.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

DONA LÚCIA ROCHA: MÃE CORAGEM DO CINEMA BRASILEIRO

Texto:
André Setaro
Publicado dia 29/01/09 no jornal Tribuna da Bahia.


Dona Lúcia Rocha, mãe de Glauber, é uma mãe coragem como a heroína da famosa peça de Bertold Brecht. Ao completar, neste 2009, a fantástica idade de 90 anos de existência, e festejada com várias homenagens, tem, no entanto, em seu itinerário tragédias que lhe impuseram sofrimento e dor.Morto o filho querido, o realizador Glauber Rocha, cujo reconhecimento internacional é indiscutível, Dona Lúcia resolveu se dedicar, full time, à preservação da memória do autor de Deus e o diabo na terra do sol, e, para isso, criou o Templo Glauber.
A princípio, na primeira metade dos anos 80 (o cineasta morreu em agosto de 1981), Dona Lúcia pretendeu instalar o acervo memorialístico do filho em Salvador, mas não encontrou apoio.
Segundo ela, foi enrolada e, no final das contas, para não perder a oportunidade, aceitou o convite do Museu da Imagem e do Som para o depósito do material do filho.Da Imagem e Som, o Templo Glauber se mudou para um casarão em Botafogo, mas o percurso, para conseguir sobreviver às intempéries, foi cheio de atropelos, principalmente quando, em 1990, houve o confisco promovido por Fernando Collor, que provocou um trauma imenso no funcionamento do templo dedicado a Glauber.Nascida em Vitória da Conquista, Dona Lúcia Rocha casou-se com Adamastor e, com ele, tiveram três filhos: Ana Marcelina, Glauber, e Anecy.
Como numa tragédia grega, Dona Lúcia perdeu os três. Ana Marcelina foi a primeira, ainda adolescente, quando uma leucemia a tirou da vida inesperadamente, causando, com isso, imenso choque na família. Em 1976, a talentosa Anecy, atriz no auge de seu sucesso, cai, de repente, no poço do elevador do prédio onde morava.
Apenas cinco anos se passariam para que Glauber viesse também a morrer. Como se diz, geralmente os filhos é que enterram os pais, mas no caso dessa mãe coragem, que é Dona Lúcia Rocha, ela enterrou os seus três filhos.Também o marido, Adamastor (dono daquela loja que ficava logo na entrada da rua Chile, Loja Adamastor), sofrera acidente automobilístico que o deixara sem o vigor de antes, e Dona Lúcia tinha que se desdobrar para manter o equilíbrio da família.
O casarão da rua General Labatut, número 14, Barris, era o point onde se reuniam os jovens intelectuais que queriam fazer cinema na Bahia. A pensão de Dona Lúcia, com o passar do tempo, foi ficando famosa a tal ponto de hospedar artistas e intelectuais que vinham do eixo Rio-São Paulo. Devia, o casarão hoje em ruínas, ser tombado como patrimônio cultural baiano.Dona Lúcia, ao contrário das mães tradicionais, sempre incentivou Glauber para fazer cinema. Adolescente, ela, ao invés de lhe dar um automóvel, como todo jovem deseja, ele, consultado, preferiu uma câmera 16mm para filmar.
Quando das filmagens de Barravento, na praia de Buraquinho, distante da cidade, Dona Lúcia preparava quarenta marmitas para que o pessoal da equipe técnica não ficasse sem almoçar - a produção dava apenas para se fazer o filme e muito mal para alimentar seus participantes.
Embora não creditada (o único, segundo ela, que a creditou foi Joaquim Pedro de Andrade em Os inconfidentes), Dona Lúcia fez alguns figurinos de Deus e o diabo na terra do sol e O dragão da maldade contra o santo guerreiro, entre outros filmes do filho querido.O mais incrível é que Dona Lúcia pulou uma fogueira também no que diz respeito à sua saúde. Há quatro anos atrás, quase aos 90, submeteu-se a uma cirurgia de revascularização miocárdica, a famosa ponte de safena. Na sua idade, e a considerar ser uma operação bastante invasiva, Dona Lúcia tirou de letra. E não é a primeira que faz. Há 20 anos, submeteu-se à mesma cirurgia, sempre com êxito considerável.
Uma vez, perguntei a ela o que era colocar uma ponte de safena. Me respondeu: "André, está vendo aquela estrada de asfalto, deite-se ali e sinta um caminhão pesado passar por cima de você!" Há dois anos também já passei por esta faca – questão genética, principalmente, e o auxílio de excelentes coadjuvantes: cigarro e álcool e vida sedentária, cujo esporte favorito está no levantamento de copos.Vi recentemente, no Canal Brasil, dois documentários sobre a mater glauberiana: Abry, de Paloma Rocha (filha de Glauber com Helena Ignês) e Joel Pizzini, e Lúcia Lux, de Neville D'Almeida. Vale lembrar que dois cineastas baianos, José Umbelino e Fernando Belens, fizeram, há alguns anos, um bom documentário sobre a figura de Dona Lúcia Rocha: A mãe.O título do filme de Paloma é tirado de uma frase da própria Dona Lúcia, que, ao ouvir do médico que tem um problema que precisa, para ser extinto, de uma operação invasiva, com a abertura do peito, ela repete: “Abre, abre, abre”. Paloma, para dar um tom, substituiu, no título, o “e” pelo “y”, e ficou Abry. O outro, de Neville, vale pelas entrevistas com ela, pelos depoimentos que dá sobre a vida e sobre Glauber, como conta quando o filho foi preso durante a ditadura e a espera angustiosa, dias e dias, pela sua volta.
Já o filme da dupla Umbelino e Belens creio mais completo.Visitem o Templo Glauber pela internet: http://www.tempoglauber.com.br/

sábado, 24 de janeiro de 2009

"GLAUBER, UM A REVOLUÇÃO BAIANA" ANTECIPA AS COMEMORAÇÕES DOS 70 ANOS DE NASCIMENTO DO CINEASTA, EM 2009

QUADRO DE ROMEU FERREIRA (UESB)

Em 14 de março de 2009, o cineasta baiano Glauber Rocha completaria 70 anos. Para comemorar a data, um ano antes, a Associação dos Amigos do Tempo Glauber, em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, promove a exposição multimídia “Glauber, Uma Revolução Baiana”, de 12 a 24 de março no Teatro Castro Alves. Através dela, o público terá oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a vida e a obra de um de seus filhos mais diletos.

No foyer do teatro será montada uma exposição com cerca de 100 metros quadrados em painéis, contendo fotografias, cartazes, manuscritos e textos que recriam a trajetória do artista desde o seu nascimento. Cinco TVs de plasmas exibirão curtas-metragens, documentários especialmente produzidos, a partir de trechos de entrevistas de Glauber e depoimentos das equipes e do elenco de seus filmes, além do lendário programa Abertura, exibido na extinta TV Tupi. Totens darão acesso ao conteúdo “off-line” do portal http://www.tempoglauber.com.br/ e do banco de dados do acervo do Tempo Glauber com cerca de 10 mil documentos. Além disso, haverá debates e a mostra “Cinema da Terra” com exibição de oito filmes em tela grande – sendo cinco do cineasta - na SALA DE ARTE/MAM. Dentre os destaques serão exibidos pela primeira vez no Brasil os filmes restaurados “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1968) e “Barravento” (1960) e, em Salvador, os documentários “Anabazys” de Paloma Rocha e Joel Pizzini e “Diário de Sintra”, de Paula Gaitán.

Na abertura do evento, dia 12, para convidados, haverá ainda o lançamento de um catálogo com cerca de 70 páginas, contando a vida de Glauber e criação de seus principais trabalhos, contextualizando-os com momentos importantes da vida cultural, política e cinematográfica do país. Ainda neste dia, será assinado um protocolo de intenções entre a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e a Associação Amigos do Tempo Glauber para a implementação do Tempo Glauber Digital em Salvador. O Tempo Glauber e a restauração da obra do cineasta são patrocinados pela Petrobras.

Segundo Paloma Rocha, filha de Glauber, o objetivo da mostra é fazer com que o público de todos os segmentos interaja com a obra do artista baiano. Sobre a oportunidade do encontro, ela diz: “Com o lançamento dos filmes restaurados em DVD e a duplicação do acervo do Tempo Glauber poderemos criar diversos pontos digitais de acesso à obra. Graças à iniciativa de Márcio Meirelles, da Secretaria de Cultura da Bahia, realizamos um antigo desejo, que é a implementação de uma filial do Tempo Glauber em Salvador, permitindo uma maior convivência de Glauber com a Bahia.”

Para o secretário Márcio Meirelles, que conta ter procurado a família do cineasta, no início do ano passado, para “propor uma volta de Glauber à Bahia”, a presença desse acervo em Salvador é fundamental para reposicionar a importância que a Bahia tem na história do cinema brasileiro. “Sempre achei uma incoerência a Bahia não contar com uma referência à Glauber. Até pouco tempo, tínhamos apenas um cinema fechado com o seu nome, que agora está sendo reformado. Ele foi um dos mais importantes cineastas do país, sua obra é conhecida internacionalmente e é uma grande inspiração”, afirmou, ressaltando que o Templo Glauber Digital em Salvador deve se transformar num espaço de reflexão, discussão e dinamização da memória audiovisual do Estado.

A implementação do projeto, que deve ser finalizado até o próximo ano, em tempo para as comemorações do aniversário de 70 anos de Glauber Rocha, será conduzida pelo Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), através da Diretoria de Audiovisual (Dimas) – unidade atualmente vinculada à Fundação Cultural do Estado da Bahia. O cineasta e diretor do Irdeb, Pola Ribeiro, defende que a aposta no desenvolvimento da produção audiovisual na Bahia não poderia acontecer sem o resgate desse acervo. “A presença desses arquivos aqui deve fazer parte da construção de um desejo de se fazer cinema na Bahia, e a retomada desse contato com a família do cineasta tem sido feita com confiança e compromisso”, ressalta.


A mostra – Teatro Castro Alves
Aberta ao público de 13 a 24 de março no Teatro Castro Alves (Praça Dois de Julho, s/n° - Campo Grande/ Salvador – Bahia) – Entrada franca.

No foyer do teatro será montada uma exposição com cerca de 100 metros quadrados em painéis de , contendo fotografias, cartazes, manuscritos, e textos que recriam a trajetória do cineasta desde o seu nascimento. Computadores “totens” darão acesso ao conteúdo “off-line” do portal http://www.tempoglauber.com.br/ e do banco de dados do acervo do Tempo Glauber com cerca de 10 mil documentos. Cinco TVs de plasma exibem documentários e curtas-metragens programados em DVD e exibidos ininterruptamente, em looping. São eles:

TV1 – documentários sobre o processo de restauração dos filmes: “Barravento”, “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, “Idade da Terra” e “Terra em Transe”;
TV2 – curtas-metragens: “Maranhão 66”, “Pátio” e “Di Cavalcanti”;
TV3 – documentários: “Depois do Transe” e “Primeyridade”;
TV4 – documentários : “Milagres” e “Retrato da Terra”;
TV5 – entrevistas sobre o filme “Barravento” e “Programa Abertura”.

* os documentários são dirigidos por Paloma Rocha e Joel Pizzini , e foram especialmente produzidos para o relançamento dos filmes restaurados.

Sinopses dos filmes
TV2 - curtas-metragens: “Maranhão 66”, “Pátio” e “Di Cavalcanti”
Maranhão 66
O filme é uma encomenda de José Sarney, que acabava de ser eleito governador do Estado do Maranhão (e seria Presidente da República 19 anos depois), e desejava que seu amigo Glauber Rocha produzisse um documentário sobre a cerimônia de sua posse. Isso se dá dois anos depois da tomada de poder dos militares. A franqueza do filme é total e anuncia o tom de “Terra em Transe”. Não se encontra no curta-metragem o mínimo de complacência para com o político que encomendou a obra. Ao contrário, o filme é construído como um verdadeiro desafio às promessas eleitorais demagógicas: enquanto o político se compromete solenemente a acabar com as misérias da região, elas são simplesmente mostradas, com uma terrível crueza, em imagens documentais (casas miseráveis, hospitais infectos, vítimas da fome, tuberculose...), alternando com as imagens do discurso em terrível oposição entre a retórica e a realidade, mas igualmente apontando a necessidade urgente de transformar as palavras em ações para promover o progresso social.

Pátio
Primeiro filme de Glauber, curta metragem experimental com 11 minutos de duração, rodado na Bahia. Num terraço de azulejos em forma de xadrez, um rapaz e uma moça. Esses dois personagens evoluem lentamente: se tocam, rolam no chão, se distanciam, se olham. Belos planos de mãos e rostos são montados em alternância com planos de vegetação tropical e do mar. Já nesse primeiro filme podemos discernir alguns traços específicos do cineasta: forte presença da natureza, tratamento do espaço e enquadramento.

Di Cavalcanti
Pouco depois de retornar ao Brasil após longo exílio, Glauber Rocha é surpreendido pela notícia da morte do pintor Di Cavalcanti. Amigo e admirador do artista, Glauber resolve filmar o velório que se realizava no Museu de Arte Moderna, e o enterro realizado no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. A estas imagens foram depois acrescidas outras, que resultaram num dos mais criativos e originais filmes do cineasta. Em tom irreverente, porém nunca desrespeitoso, Glauber mescla imagens de obras de Di com a leitura do poema de Vinícius Mourão “Balada de Di Cavalcanti”, e com o depoimento pessoal em tom de narrativa esportiva radiofônica.. Trata-se de um marco na obra de Glauber, sinalizando o caminho cinematográfico subseqüente: a ruptura radical dos gêneros, diluindo agressivamente a distancia entre o documentário e a ficção.

TV3 – documentários: “Depois do Transe” e “Primeyridade”
“Depois do Transe” é dividido em 13 blocos com os temas: “América Nuestra”, “Roteyroz”, “Em Busca do Ouro”, “Atuação”, “A Luz de Eldorado”, “Montagem”, “O Som da Terra”, “Terra em Debate MIS RJ/1968”, “Filme em Transe”, “Cinema Novo”, “Polytika e Poetyka”, “3 Historyaz” e “Restauração”.
Através das “vozes” de Glauber Rocha, depoimentos da equipe e do elenco, além da participação de críticos de cinema e jornalistas foram recriados o ambiente político e método de criação utilizado para a realização do filme. Foram utilizados diversos materiais do acervo do Tempo Glauber como sobras de montagem, roteiros e anotações manuscritas e fotos de cena e bastidores.
O bloco “Terra em Debate” traz trechos do debate no MIS, mediado pelo jornalista Sérgio Augusto, com a participação de Alex Viany, Luiz Carlos Barreto, Fernando Gabeira, Hélio Pellegrino e Joaquim Pedro de Andrade.
Em "3 Historyaz", depoimentos bem-humorados de Luiz Carlos Barreto, Walter Lima Jr. e José Carlos Avellar revelam curiosidades do filme e do cenário político da época, a censura e artifícios utilizados para a liberação

TV4 – documentários: “Milagres” e “Retrato da Terra”

TV5 - entrevistas sobre o filme “Barravento” e “Programa Abertura”
O Programa "ABERTURA" teve sua estréia em 4 de fevereiro de 1979, na extinta TV Tupi, dos Diários Associados, com criação e direção de Fernando Barbosa Lima. Considerado um dos mais importantes inovadores da TV brasileira, foi também o criador do famoso "Jornal da Vanguarda" (1962 - 1969). O Programa Abertura foi ao ar de fevereiro de 1979 até julho de 1980, quando a Tupi fechou suas portas. Fernando Barbosa colocou no ar uma equipe de intelectuais, jornalistas, artistas e personalidades de primeira linha, como Antônio Callado, Fausto Wolff, Fernando Sabino, Sérgio Cabral, Oswaldo Sargentelli , entre outros, e representando o cinema brasileiro, Glauber Rocha, que aceitou o convite sem ponderar.
A participação de Glauber ocorreu de fevereiro a outubro de 1979. Em 8 meses, com 4 inserções (quadros) semanais, a estimativa é que Glauber tenha aparecido mais de 32 vezes no programa, que teve ao todo, 60 edições.


A mostra “Cinema da Terra” – no Solar do Unhão
Entre os dias 14 e 20 de março haverá também a exibição de filmes dentro da mostra “Cinema da Terra”, com títulos recém-restaurados na SALA DE ARTE – MAM (Av. do Contorno, s/n° - Solar do Unhão). Os ingressos custam R$ 6,00.

Programação por filme
O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, direção de Glauber Rocha
Dia 14/03, às 21h30m
"O Dragão é inicialmente Antonio das Mortes, assim como São Jorge é o cangaceiro. Depois, o verdadeiro dragão é o latifundiário, enquanto o Santo Guerreiro passa a ser o professor quando pega as armas do cangaceiro e de Antonio das Mortes. Em suma, queria dizer que tais papéis sociais não são eternos e imóveis, e que tais componentes de agrupamentos sociais solidamente conservadores, ou reacionários, ou cúmplices do poder, podem mudar e contribuir para mudar. Basta que entendam onde está o verdadeiro dragão."
SinopseNuma cidadezinha chamada Jardim das Piranhas aparece um cangaceiro que se apresenta como a reencarnação de Lampião. Seu nome é Coirana. Anos depois de ter matado Corisco, Antônio das Mortes (personagem de Deus e o Diabo na Terra do Sol) vai à cidade para ver o cangaceiro. É o encontro dos mitos, o início do duelo entre o dragão da maldade contra o santo guerreiro. Outros personagens vão povoar o mundo de Antônio das Mortes. Entre eles, um professor desiludido e sem esperanças; um coronel com delírios de grandeza, um delegado com ambições políticas; e uma linda mulher, Laura, vivendo uma trágica solidão.

Anabazys (documentário), direção de Paloma Rocha e Joel Pizzini
Dia 15/03, às 18h30m e dia 19/03, às 20h30m
O documentário Anabazys (“ascensão” em grego) é um inventário sobre a gênese, a erupção e a ressonância de “A Idade da Terra” o filme de Glauber Rocha que anunciou em 1980 a revolução audiovisual contemporânea. O título faz alusão ao nome dado pelo autor a uma das primeiras versões de seu roteiro original. Composto de 13 blocos autônomos que abordam desde a concepção, interpretação, figurinos, a trilha sonora (executada ao vivo), até a polêmica provocada pelo filme no Festival de Veneza; o documentário busca recriar a memória em torno da produção como forma de amplificar a percepção do “cinema espacial” proposto por Glauber. Neste ensaio, há cenas inéditas extraídas das 60 horas encontradas do material bruto não aproveitado na montagem final de "A Idade" e que flagram a dicção delirante de Glauber nas filmagens. Mais do que um tributo ou registro de época, Anabazys procura investigar as motivações estéticas e políticas que levaram o artista a compor o seu “testamento do futuro”, conforme definição do cineasta argentino Fernando Birri. Com a participação do elenco, equipe técnica, amigos e colaboradores de Glauber, que revisitam o imaginário de “A Idade da Terra” o documentário procura examinar ainda as raízes dos pré-conceitos forjados historicamente para excluir o filme do circuito cinematográfico. Narrado em primeira pessoa pelas “vozes” de Glauber, “Anabazys” é como um prolongamento de “A Idade”, propondo experimentar as lições visionárias de um artista no auge do processo de ruptura da linguagem cinematográfica do final dos anos setenta. Um filme “sob” um filme onde o autor assume também o papel de ator de sua verdade históryka. Em “Anabazys”, Glauber se expõe por inteiro: antevê e se arrisca pela Abertura política do país e, anos-luz à frente de seu tempo, inventa uma ousada narrativa, três décadas após, assimilada enfim pelas novas gerações.

A Idade da Terra, direção de Glauber Rocha
Dia 15/03, às 20h30m e dia 18/03, às 20h20m
“O filme mostra um Cristo-Pescador, o Cristo interpretado pelo Jece Valadão; um Cristo-Nengro, interpretado por Antônio Pitanga; mostra o Cristo que é o conquistador português, Dom Sebastião, interpretado por Tarcísio Meira; e mostra o Cristo Guerreiro-Ogum de Lampião, interpretado pelo Geraldo Del Rey. Quer dizer, os quatro Cavaleiros do Apocalipse que ressuscitam o Cristo no Terceiro Mundo, recontando o mito através dos quatro Evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João, cuja identidade é revelada no filme quase como se fosse um Terceiro Testamento. E o filme assume um tom profético, realmente bíblico e religioso.”

Deus e o Diabo na Terra do Sol, direção de Glauber Rocha
Dia 16/03, às 18h30m e dia 20/03, às 20h30m
"Eu parti do texto poético. A origem de "Deus e o Diabo..." é uma língua metafórica, a literatura de cordel. No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história que é de verdade e de imaginação, ou então que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A idéia do filme me veio espontaneamente." - Glauber Rocha

Terra em Transe, direção de Glauber Rocha
Dia 17/03, às 20h30m e dia 20/03, às 18h30m
Senador Porfírio Diaz odeia o seu povo, e pretende se coroar imperador de um país fictício chamado Eldorado, para impor ao povo todas as suas vontades. Mas existem outros homens que querem esse poder e lutar contra este poder.

Rocha que voa, de Eryk Rocha
Dia 17/03, às 18h30m
O exílio em Cuba de 1971 a 1972, um dos períodos menos conhecidos da vida do diretor Glauber Rocha, coincide com um período de grande euforia e discussão em torno do papel das artes na revolução social e política dos países da América Latina e do Terceiro Mundo. Glauber, com sua fala barroca e poética, propõe o cinema como o principal instrumento cultural e político para a promoção da unidade latino-americana, servindo como fio condutor para a reconstituição do Cinema Novo brasileiro e do Cinema Revolucionário cubano.
O diretor Eryk Rocha apresenta um filme-ensaio sobre o papel dos intelectuais na América Latina, em especial os que fizeram a ligação entre o Cinema Novo brasileiro e o Cinema Revolucionário cubano.

Diários de Sintra, de Paula Gaitán, última esposa de Glauber
Dia 18/03, às 18h30m
A partir dos registros pessoais do cotidiano do cineasta Glauber Rocha na cidade de Sintra, em Portugal, onde morou com a esposa Paula Gaitán e os dois filhos Eryk e Ava no ano de 1981, vemos as últimas imagens, ainda inéditas, de Glauber Rocha vivo. O filme revela com poética delicada os últimos meses de Glauber. Refaz percursos, reinventa caminhos, reencontra amigos da cidade e analisa o momento em contraponto à história de sua geração. A atualidade está no discurso do cineasta, que confirma a contemporaneidade do seu pensamento.

Barravento, direção de Glauber Rocha
Dia 19/03, às 18h30m
Numa aldeia de pescadores de xaréu, cujos antepassados vieram da África como escravos, permanecem antigos cultos místicos ligados ao candomblé. A chegada de Firmino, antigo morador que se mudou para Salvador fugindo da pobreza, altera o panorama pacato do local, polarizando tensões. Firmino tem uma atração por Cota, mas não consegue esquecer Naína que, por sua vez, gosta de Aruã. Firmino encomenda um despacho contra Aruã, que não é atingido, ao contrário da aldeia que vê a rede arrebentada, impedindo o trabalho da pesca. Firmino incita os pescadores à revolta contra o dono da rede, chegando a destruí-la. Policiais chegam à aldeia para controlar o equipamento. Na sua luta contra a exploração, Firmino se indispõe contra o Mestre, intermediário dos pescadores e do dono da rede. Um pescador convence Aruã de pescar sem a rede, já que a sua castidade o faria um protegido de Iemanjá. Os pescadores são bem-sucedidos na empreitada, destacando-se a liderança de Aruã. Naína revela para uma preta velha o seu amor impossível por Aruã. Diante da sua derrota contra o misticismo, Firmino convence Cota a tirar a virgindade de Aruã, quebrando assim o encantamento religioso de que ele estaria investido por Iemanjá. Aruã sucumbe à tentação. Uma tempestade anuncia o "barravento", o momento de violência. Os pescadores saem para o mar, com a morte de dois deles, Vicente e Chico. Firmino denuncia a perda de castidade de Aruã. O Mestre o renega. Os mortos são velados, e Naína aceita fazer o santo, para que possa casar com Aruã. Ele promete casamento, mas antes decide partir para a cidade de forma a trabalhar e conseguir dinheiro para a compra de uma rede nova. No mesmo lugar em que Firmino chegou à aldeia, Aruã parte em direção à cidade.

“Cinema que pensa” – mesas de debate
Nos dias 14 e 15 de março acontecem duas mesas de debate em torno da obra de Glauber Rocha e do cinema latino-americano. O “Cinema que pensa”, concebido e dirigido pela cineasta Paula Gaitán, pelo filósofo Juan David Posada e pelo cineasta Eryk Rocha, abre um espaço de discussão em que intelectuais, cineastas e artistas, de várias matizes de pensamento, projetam um cinema futuro a partir das provocações do presente e das experiências transmitidas pelo passado.
Os debates acontecem na Sala Walter da Silveira (Rua General Labatut, 27/ Barris - prédio da Biblioteca Pública Estadual), às 10h. A entrada é franca.

Dia 14/03
Mesa I: “A idéia de um cinema latino-americano nos anos 60 do século passado e o cinema de Glauber Rocha”.
Participantes: Orlando Senna, Márcio Meireles, Geraldo Sarno, Sofia Federico, Pedro Paulo Rocha e Eryk Rocha (Mediador).

Dia 15/03
Mesa II: “A Idade da Terra, o cinema político e uma nova idéia de ‘polis’”.
Participantes: Póla Ribeiro, Paloma Rocha, Edgar Navarro, Joel Pizzini, Cláudio Marques e
Juan David Posada (Mediador).

O cineasta
Glauber Rocha nasceu em Vitória da Conquista, Bahia, em 14 de março de 1939. Estreou no cinema com o curta experimental “O Pátio”, em 1959. No ano seguinte, rodou o seu primeiro longa-metragem:“Barravento”. O filme que chamou a atenção da crítica e já evidenciava o talento do diretor.
Em 1963, Glauber realiza aquele que seria considerado o divisor de águas do cinema nacional: “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Desde então, a polêmica se tornou uma rotina a cada um de seus filmes. Ao todo, o cineasta fez 11 longas e seis curtas, tendo a luta pela liberdade como tema recorrente.
Glauber, que também ficou consagrado por obras como “Terra em Transe”, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, “O Leão de Sete Cabeças” e “Câncer”, entre outras, acumulou prêmios ao longo de sua carreira. O diretor morreu de septicemia, no Rio de Janeiro, no dia 22 de agosto de 1981.

Associação dos Amigos do Tempo Glauber
Instituição que preserva e divulga a obra do cineasta Glauber Rocha, tem como objetivo principal nessa mostra multimídia, proporcionar acesso mais abrangente e detalhado ao conteúdo do acervo Tempo Glauber, que atualmente se encontra em processo de catalogação e digitalização. A mostra “Glauber, Uma Revolução Baiana” visa alcançar de forma simples, objetiva e interessante, o público, que atualmente pouco conhece a obra desse importante pensador baiano. Os organizadores pretendem transformar o espaço disponível em um ambiente cinematográfico, com informações relevantes e um forte diálogo visual, transitando pela obra cinematográfica e intelectual do artista. O foco é simplificar e dialogar, através de um contato direto com a história, a obra do artista. O conteúdo do acervo e a maioria da produção intelectual de Glauber Rocha, que permaneceu inédita por quase 20 anos, devido às condições de preservação do material original, e no presente, com o processo de restauração e catalogação de todo o inventário, torna-se possível disponibilizar uma parcela ao público de forma responsável, educativa e atual através de mostras, exposições e dos sites hoje disponíveis: http://www.tempoglauber.com.br/ e http://www.janelaparaonovo.inf.br/.

O Tempo Glauber
O Tempo Glauber foi criado em 1983, mas só abriu suas portas ao público seis anos mais tarde. Foi uma longa batalha travada pela mãe do cineasta, Lúcia Rocha. Avanços e recuos ao longo de quase duas décadas. Em 2004, é fundada a Associação de Amigos do Tempo Glauber, sociedade sem fins lucrativos composta por Paloma, Sara, Eryk Rocha e Dario Correa, cuja proposta é captar e gerir verbas para a instituição. A associação recebe sua manutenção do Ministério da Cultura e contrata equipe de profissionais para compor o quadro de funcionários.

O Tempo Glauber foi declarado pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), em 2006, como Arquivo Privado de Interesse Público e Social e assim reconhecido por decreto de lei pela Casa Civil da Presidência da República por conter documentos relevantes para o estudo e pesquisa da expressão artística brasileira.
VM FILMES

Fonte: Tempo Glauber